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Segunda-feira, 23/9/2013
Digestivo nº 494
Julio Daio Borges
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Internet >>> A aposentadoria anunciada de Steve Ballmer, sucessor de Bill Gates
A década de 1980 foi da Apple e do computador pessoal (PC). Já a década de 90 foi da Microsoft, do Windows e do software. Ocorre que a década de 2000 foi, novamente, da Apple, do iPod, do iPhone, e de Steve Jobs. A década de 2010, por enquanto, tem sido do iPad, ou dos tablets, da Samsung, do Google, do Android, do Facebook, de Jeff Bezos e da Amazon ― de quem, afinal? Ainda não se sabe ao certo. O que se sabe é que não parece ser, novamente, da Microsoft. Reza a lenda que no auge da bolha de tecnologia, na virada do milênio, se passasse uma nuvem de notas de dólares na frente de Bill Gates, ele ganharia mais dinheiro se continuasse fazendo o que já estava fazendo do que se parasse para apanhar as notas. Em 2000, a Microsoft alcançou um valor de mercado de 600 bilhões de dólares. E Bill Gates soube se aposentar na hora certa. Pelo menos, no que diz respeito à sua própria imagem. A verdade é que, já antes da década de 2000, a Microsoft não previu o impacto da internet. O próprio Gates, inicialmente, desprezou a WWW. Posteriormente, reconsiderou, mas elegeu o Yahoo! (?) como uma empresa merecedora de sua admiração. (Vale lembrar que o Yahoo! foi do céu ao inferno na época do boom e da bolha ― e continua existindo até hoje, mas, como uma espécie de AOL, nunca mais foi a mesma coisa.) Bill Gates, apesar do erro inicial de avaliação, soube responder ao desafio da Netscape com o Internet Explorer, mas exagerou na dose, ao embutir o browser no sistema operacional, de modo que a Microsoft foi quase dividida em duas no ano cabalístico de 2000. A Netscape, contudo, deixou de ser uma ameaça. Mas a internet produziu outros "rebeldes" que, sucessivamente, atacaram, e enfraqueceram, o "evil empire". A começar pelo Google ("don't be evil"). A Microsoft respondeu tarde ao desafio das "buscas" na internet, e o Bing nunca foi representativo nesse mercado. Ainda que tenha sido hábil na aquisição do Hotmail, em 1998, a Microsoft "precificou" errado, e nunca conseguiu aproximar seu serviço da qualidade do Gmail "na nuvem" (apesar das suspeitas de "espionagem" da NSA). Fora tudo isso, a Microsoft menosprezou uma ameça a seu core business ― e o MS Office nunca foi páreo para o Google Docs, e seus desdobramentos, na mesma "nuvem". Ray Ozzie, criador do Lotus Notes, era uma esperança nesse sentido: entrou em 2005, substituindo Bill Gates como Chief Software Architect, mas saiu em 2010. Se apanhou do Google na internet, e da Apple no hardware ― incapaz de prever o mundo pós-PC ―, a Microsoft, surpreendentemente, se saiu bem fabricando consoles de videogame (?) Xbox. Se na virada do milênio, o hardware parecia ter ficado para trás e o futuro parecia do software, a Microsoft, o maior símbolo desse momento ("contra" a IBM), de repente, na década posterior, voltava atrás na sua estratégia: estabanadamente "contra a Apple", tentando competir com o iPod; perdendo terreno para o iPhone (e seu sistema operacional, iOS); e, recentemente, estocando tablets (?). Resumindo a ópera: muita gente boa diz que essas e outras trapalhadas tem um artífice, e que ele atende pelo nome de Steve Ballmer ― um ex-diretor de vendas e marketing da Microsoft que Bill Gates outrora chamou de "alma gêmea", mas que nunca teve a visão do mesmo Gates (que dirá de Steve Jobs). O saldo da "década de Ballmer" é um valor de mercado de menos de 300 bilhões de dólares ― ou seja: menos da metade do que a empresa valia no seu auge. A imagem de que Ballmer errou definitivamente a mão ― ao não saber "posicionar" a Microsoft na era da internet (e dos dispositivos móveis) ― é tão consolidada que, ao anunciar sua saída daqui a 12 meses, o mercado respondeu valorizando as ações da empresa, e enriquecendo o próprio Ballmer em quase 1 bilhão de dólares (a mais). Eis o caso ― curiosíssimo ― de um executivo que vale mais fora do que dentro da empresa. Provavelmente foi a decisão mais acertada da vida de Ballmer. Afinal de contas, sua aposentadoria precoce gerou valor para o acionista da Microsoft. E, em sua defesa, ele poderia alegar que Tim Cook, o sucessor de Jobs, provavelmente não fará muito melhor ― lançando a seguinte provocação: "Quanto a Apple valerá 10 anos depois de Steve Jobs?" ("Já sabemos o que aconteceu com a Apple quando Jobs saiu de lá pela primeira vez...", ele poderia completar.) [Comente esta Nota]
>>> If Steve Ballmer Ran Apple
 



Literatura >>> Cartas Pônticas, de Ovídio
Ovídio, o mais versátil entre os poetas romanos, segundo a professora Zélia de Almeida Cardoso, foi exilado e não se sabe, até hoje, o motivo exato. Por determinação do próprio imperador Augusto, Ovídio teve de abandonar tudo em Roma e nunca mais pôde regressar. Cartas Pônticas são o testemunho, pungente, de seus anos de desterro, e do seu esforço, inútil, em voltar para casa. O volume de cartas de pouco mais de 150 páginas é lido arduamente, pois é triste o destino de quem foi condenado e para quem não resta chance de perdão. Ovídio, um gigante da literatura clássica romana, autor das Metamorfoses, contemporâneo de Virgílio e de Horácio, de repente se vê abandonado por seus conterrâneos. Endereça suas preces sobretudo aos poderosos, e aos influentes, de Roma, que poderiam interceder em seu favor. Mas a maior parte de suas cartas fica sem resposta... Qual seria a desgraça tão grande que o teria jogado nessa situação sem remédio? Peter Green, na longa e saborosa introdução à Arte de Amar ― um estudioso de Ovídio a vida toda ―, conclui que o poeta teria sabido de alguma intriga palaciana, contra o imperador, e não teria feito nada para evitar o pior. Ovídio estaria a par, segundo Green, de um verdadeiro atentado a Augusto e não teria se manifestado, donde a desconfiança de que tomaria parte... Nas Cartas Pônticas, não são poucas as vezes em que o poeta agradece por sua vida ter sido poupada. E como crimes de alta traição geralmente são punidos com a penal capital... Ao mesmo tempo, fica-se com a impressão, em outros trechos, de que a morte teria sido uma saída mais honrosa. Ovídio, avançado em anos (no que chamaríamos de "terceira idade"), é exilado num dos limites extremos do império. Numa faixa de guerra, entre bárbaros, onde sua poesia não lhe servia de nada e onde jamais iriam respeitá-lo por sua arte. Longe do conforto de Roma, em condições extremas e padecendo de males variados, o poeta grita por socorro, no dizer de hoje ― mas seu esforço... é vão. A grande recompensa, para quem lê, é que, mesmo na pior situação, a prosa de Ovídio brilha, e até rende poesia, apesar de seu caráter triste. Desiludido com aqueles que o bajulavam em seus dias de glória, por exemplo, escreve: "Arrebate-se a um espírito ávido a esperança de ganho e não se encontrará mais nenhum virtuoso". Sobre os "amigos" de outrora, registra: "A amizade, nume venerável em outros tempos, prostitui-se e, qual meretriz, se rende a quem a compra". Concluindo até sobre o amor: "Ninguém é amado a não ser aquele a quem a Fortuna é favorável". E descrente sobre uma mudança em sua sorte, reforça: "Quem sofreu um naufrágio também se horroriza com as águas tranquilas". Resumindo tudo assim: "(...)eu, traspassado pelos cruéis dardos da adversidade, não concebo senão melancolia em meu coração". E resignando-se: "A minha dor já chegou a converter-se num hábito"... A saudade dos amigos é, por vezes, transbordante: "Quando lembrares esses momentos, embora eu esteja ausente, estarei sempre diante de seus olhos, como se me acabasses de ver". E não são todos, absolutamente todos, que lhe voltam as costas: "Ainda quando alguns titubeiam e abandonam minhas sacudidas velas, tu permaneces como a única âncora de minha destroçada nave"... Ovídio, para a nossa surpresa, continua produzindo, e guarda esperanças, como poeta: "Eu, na verdade, que pereci para ti há muito tempo, esforço-me por não estar morto em meu talento". Mesmo tendo ciência de que "quase sempre as obras costumam aprazer após a morte de seu autor, porque a inveja costuma prejudicar os vivos e atacá-los com dente injusto"... E, como se falasse ao próprio Augusto, produz, involuntariamente, uma das mais belas justificativas da arte poética: "Nada há tão digno dos príncipes como a homenagem prestada através dos versos dos poetas. Os versos atuam como arautos de vossas glórias e impedem que a fama de vossos feitos seja passageira. Com a poesia, a virtude se torna duradoura e, livre do sepulcro, conserva o recordo da remota posteridade. A idade destruidora rói o ferro e a pedra e nada tem mais força que o tempo. Os escritos suportam os anos(...) É mais belo fornecer matéria aos poemas que compô-los, no entanto tu não podes abandonar inteiramente a poesia". A verdade é que mesmo abandonado por tudo e por todos, a poesia nunca abandonou Ovídio. E, mesmo quando ele sofre, nos deleitamos lendo-o. [Comente esta Nota]
>>> Cartas Pônticas
 



Além do Mais >>> Os 'Dicionários' de Voltaire e Paulo Francis
Paulo Francis, elogiando Millôr Fernandes, sentenciou que se o Guru do Meyer escrevesse numa língua mais conhecida, seria "um Voltaire". A frase, exata ou inexata, pegou. Quando se lê o Dicionário Filosófico, contudo, se constata que a frase guarda uma verdade oculta. Daniel Piza contava que Paulo Francis se decepcionou com o tamanho de seu Waaal ― O Dicionário da Corte (1996). Francis imaginara um livro da envergadura de A Bíblia do Caos (1994), de Millôr. Era a comparação mais aparente; a outra, menos honrosa, era com Voltaire ― François-Marie Arouet ―, o próprio. Francis, quando aproximava Millôr Fernandes de Voltaire, tentava se aproximar, ele próprio, do Dicionário Filosófico ― porque é bastante provável que Millôr não tivesse a mesma "pretensão". Irreverente, o Guru do Meyer não guardava o mesmo "respeito" pela filosofia ― como instituição ―, e muito menos pelos filósofos. A escolha do subtítulo de Waaal ― "Dicionário" da Corte ― é significativa. Por que não "Diário" da Corte, o título da coluna de Francis nos jornais (como a Publifolha veio a lançar depois)? E Voltaire, como se sabe, fazia parte da corte, de verdade ― da corte de Frederico, o Grande. Era um sábio a serviço do rei. Qual intelectual não se sentiria lisonjeado com uma "posição" assim? Paulo Francis gostava de usar o ponto de vista de alguém "próximo" ao poder. (Vide Trinta anos esta noite: 1964 ― o que vi e vivi.) Alguns jornalistas o foram, de fato, mas será que ele foi? Tudo bem, Diário da Corte, como o próprio Francis conta, na introdução de Waaal, foi uma sugestão de Cláudio Abramo. "Ficou". E Dicionário da Corte pode ter sido uma sugestão de Luiz Scharwcz, seu editor. Temos de admitir, contudo, que Voltaire dá um charme renovado à história. E as aproximações não são meramente formais. Por que começar Waaal com "aborto"? Por que transformar uma coletânea de artigos de imprensa numa coleção de verbetes (como se o embrulha-peixe guardasse uma dimensão filosófica)? Daniel Piza também conta que Francis tinha um projeto de escrever sobre "pensadores católicos". Por "católicos", entenda-se "cristãos". Mas não consta que Paulo Francis estivesse se referindo a Santo Agostinho ou ao autor da Suma Teológica. Alguém se lembrou de Pascal? Era nos "moralistas", afinal, que Francis estava pensando. Começar Waaal por "aborto", tecendo considerações ― morais? ―, não soa tão estranho, portanto... Voltaire, apesar de seu discípulo ilustre, contudo, dá um "baile" em Paulo Francis. Sua erudição transcende o próprio século. Paulo Francis era um "erudito em cinema", segundo Sérgio Augusto; "completou sua educação" em música e pintura, como assinalava, dos EUA; e foi mais que um resenhista, ou crítico literário, embrenhou-se na produção literária, lançando-se como romancista e memorialista. Cinema, música (popular) e jornalismo ― era um retrato do século XX. Já Voltaire, que ficou conhecido como "crítico" do cristianismo, fala da Bíblia como uma familiaridade de despertar inveja em Bento XVI. Não era um "simples" político, nem um "simples" filósofo ― Voltaire, concordando-se ou não com ele, é um titã das letras francesas. Além de não ser páreo para qualquer escritor, seu Dicionário não é para qualquer leitor. Na nossa época, talvez Umberto Eco pudesse resenhá-lo. Harold Bloom? Wilson Martins, mesmo sabendo tudo de literatura, precisaria saber tudo de religião; e de História do Mundo. Voltaire não perdoaria o "engajamento" em Antonio Candido. Sainte-Beuve poderia encarar Voltaire. Será que não encarou? (Deve ter encarado.) Claro, o humor inspirou o polemista Paulo Francis. Já as inconsistências que Voltaire encontra, na Bíblia sobretudo, antecipam os "estalos de Vieira" de Millôr. Traduzir o Dicionário Filosófico de Voltaire seria uma tarefa, por si só, hercúlea. No Brasil, quem foi o cristo que a encarou? (E em Portugal?) De Sartre, personagem do último romance inacabado de Francis, um biógrafo disse que "foi um século". De Voltaire, poderíamos dizer que foi... "mais de um século". [Comente esta Nota]
>>> Waaal ― O Dicionário da Corte de Paulo Francis | Dicionário Filosófico de Voltaire
 



Literatura >>> Relações Perigosas, de Choderlos de Laclos
Quem leu Maquiavel, sabe como ele foi revolucionário. Toda a tradição filosófica, desde Platão, partia de um "ideal". Ou de uma "ideia", por exemplo, de justiça, de homem justo, de governo justo. Platão, nos Diálogos, parte do "exemplo" para chegar na "essência". Em vez de definir o belo através de um exemplo de beleza, digamos assim, ele procura o "caráter" do belo: aquilo que todas as coisas belas têm em comum ― a essência do belo, o belo em si. Daí, o platonismo. E, daí, o idealismo ― que atravessa toda a tradição política até hoje. Maquiavel, ao contrário, não procurou "definir"; não partiu de "definições" ― como Platão e, outro exemplo, Aristóteles. Maquiavel, estudando História, tirou conclusões a partir da prática. Maquiavel não pensou no que seria "melhor" para a sociedade; Maquiavel se limitou a revelar suas conclusões sobre o que "funcionava" e o que "não funcionava". Entre um soberano ser amado ou temido, Maquiavel, n'O Príncipe, diz que é preferível ser temido. Não combina com a "ideia" que fazemos de um soberano; mas Maquiavel não está preocupado ― Maquiavel aponta o que funciona... E, se Maquiavel foi uma revolução no pensamento político, Choderlos de Laclos, n'As Relações Perigosas, foi uma revolução em matéria de conquista amorosa. Ao contrário d'O Banquete, de Platão, suas personagens não estão em busca de uma "definição" de amor, ou dos "tipos" de amor ― elas vão usar de todas as armas para vencer no jogo amoroso. Desconsiderando em absoluto o que seria moralmente "correto", as personagens de Relações Perigosas são os famosos libertinos do século XVIII. (Laclos foi contemporâneo do Marquês de Sade.) Quem assistiu à adaptação cinematográfica ― Ligações Perigosas (1988) ―, com Glenn Close e John Malkovich, há de se lembrar da história. Ocorre que, no livro, a "moral" ou "a falta dela" é muito mais nua e crua. E as conseqüências, para as personagens, são muito mais trágicas do que a versão em tela grande faz lembrar. As Relações Perigosas, o livro, tem um efeito "moralizante" ao contrário: chega a ser violento, no seu realismo; e chega a ser traumatizante, no seu final catastrófico. Romance epistolar, narra as aventuras amorosas, e inescrupulosas, do Visconde de Valmont (no cinema, John Malkovich), e da Marquesa de Merteuil (nas telas, Glenn Close). Incríveis manipuladores, Valmont, como o "poeta fingidor" em Pessoa ― "(...) chega a fingir que é dor/ A dor que deveras sente" ―, enquanto Merteuil, como uma das maiores vilãs da história da literatura, concentra-se em arruinar reputações em sociedade. Valmont é, no dizer de hoje, um hedonista: faz pelo prazer e, ainda, pelo prazer da competição. Em sua principal empreitada, seduz a Presidenta de Tourvel, uma esposa, aparentemente, virtuosa, e religiosa, para em seguida abandoná-la, deixando que caia em desgraça e que morra, literalmente, de desgosto. (Lembra a Luísa, d'O Primo Basílio de Eça de Queirós, sem a necessidade de uma empregada, como Juliana, para chantageá-la.) Já a Marquesa de Merteuil trabalha para corromper Cécile Volanges, uma donzela prometida em casamento, que não ama seu futuro marido, mas que ama um jovem de sua idade ― só que acaba deflorada, e pervertida, pelo mesmo Valmont (que o faz apenas pela diversão da coisa). Como se pode observar, embora trate do amor, ou do jogo amoroso, Relações Perigosas não é nada romântico. O romantismo, aliás, é retratado como uma espécie de ingenuidade juvenil ou mesmo pueril ― enquanto o discurso amoroso só vale como arma, no jogo da sedução. Em termos de movimento literário (e puxando mais uma vez por Eça de Queirós), poderíamos dizer que Choderlos de Laclos se aproxima do realismo do século XIX. Um realismo amoroso e avant la lèttre. Para os corações mais sensíveis, As Relações Perigosas talvez não seja recomendável. Mas, voltando a Maquiavel, trata de uma realidade que, mais dia menos dia, teremos de encarar, não? A Penguin Companhia incluiu uma nova edição em seus "clássicos", mas a melhor tradução ainda é a de Sérgio Milliet, que faz um uso exemplar da segunda pessoa do plural. Vale a busca nos sebos. [Comente esta Nota]
>>> As Relações Perigosas
 

 
Julio Daio Borges
Editor
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