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Quarta-feira, 7/5/2003
Digestivo nº 132

Julio Daio Borges

>>> SPAM, I LOVE YOU O “New York Times” do último dia 29 dedicou um editorial ao fenômeno “spam”. No Brasil, ainda não ultrapassou os cadernos de “Informática”, embora seja igualmente grave. Já há meses que se prevê um colapso nos serviços de e-mail: inutilizados pela quantidade crescente de propaganda via “mensagens não-solicitadas”. Os técnicos usam suas armas e os provedores tentam oferecer um serviço 100% “spam free”. A mais velha tática é bloquear certos remetentes. Como os spammers mudam sempre de endereço, logo deixou de funcionar. Outra, bem conhecida, é excluir e-mails indesejados a partir de palavras-chave: ou seja, se o assunto for “viagra” (o mais clássico), envie para a lixeira direto. Funciona, mas joga fora também outras coisas, talvez importantes, por trabalhar “no atacado”, a partir de uma generalização apressada. A última, mais trabalhosa e provavelmente mais eficaz, é identificar os remetentes autorizados a enviar mensagens. Equivale a distribuir, só entre amigos, as chaves da porta de casa. Estranhos, desconhecidos ou forasteiros não vão entrar. Não funciona, no entanto, para quem precisa lidar com o público ou obter feedbacks de todo tipo de pessoa. Como o e-mail é às vezes a porta de entrada de um estabelecimento comercial, a clientela sairia prejudicada. Mas, para além do remédio definitivo que vai mitigar o problema, pouco se discute acerca das razões do aumento do spam. Uma coisa precisa ser admitida de uma ver por todas: o spam funciona; se não funcionasse, não cresceria cada vez mais. E outra: dentro do grande fiasco do “business” internet, o spam foi uma das poucas práticas que prosperou. Isto não é um elogio do spam, é uma mera constatação da realidade. A analogia mais próxima surge a partir do fenômeno da mendicância nas ruas: quem dá esmola não pode reclamar que o número de pedintes não diminui. Do mesmo modo, ainda que o coro seja anti-spam, há gente levando o negócio a sério (respondendo ao estímulo do spam) e alimentando a indústria de mensagens não-solicitadas. Existe uma tendência a desumanizar o spam, como se fosse coisa de extraterrestres, mas talvez falte justamente a compreensão de que ele é humano, demasiado humano.
>>> Parem o Spam | Spam, I love you
 
>>> IMAGENS SAÍDAS DA PENUMBRA Foi com a lembrança da alegria contagiante do German Brass que se abriu a temporada 2003 do Mozarteum Brasileiro. Embora o programa estivesse a cargo dos noruegueses do The Trondheim Soloists, a entrada do trompetista Ole Edvard Antonsen, combinada com o bom-humor de toda a trupe, evocou a simpatia do grupo de metais alemão que encerrou a temporada 2002. Sem Ole Edvard Antonsen, a orquestra de câmara da Noruega atacou, logo de início, com Cláudio Santoro e seu “Ponteio”, prestigiando a produção nacional. (Num agradecimento aos incessantes aplausos, ao final, a peça voltou a ser executada.) A disputa entre compositores basicamente se estabeleceu quando os séculos XVII e XVIII, nas figuras de Haendel e Albinoni, partiram para o enfrentamento de Mendelssohn e principalmente de Shostakovich, nos séculos XIX e XX respectivamente. Ainda que o The Trondheim Soloists, pela sua estrutura camerística, estivesse mais inclinado para o lado de Bach, seus contemporâneos e seus antecessores, arrancou do público verdadeira emoção quando se aproximou dos horrores da Segunda Guerra Mundial, impressos no “Quarteto de cordas nº 8” de Shostakovich, cuja exasperante “Sinfonia de câmara” foi implacavelmente executada. O clima soturno obviamente dividiu a audiência, que: ou aderiu à sua densidade, e também à de Mendelssohn (representado por sua “Sinfonia para cordas nº 10”); ou então preferiu o contraste airoso e – por que não dizer? – saltitante de Haendel (“Water Music”), Albinoni (“Concerto em si bemol maior nº 3”) e também Telemann (“Sonata de concerto em ré maior”). E como Ole Edvard Antonsen floreou (no bom sentido) esse último jardim de graciosidades, a escolha se resumia a: com ou sem Ole Edvard. Desnecessário comentar que ambas as preferências saíram vencedoras: tanto o século XVII e XVIII quanto o XIX e XX estiveram bem representados e receberam o aplauso merecido. Agora é esperar que o restante da temporada mantenha a mesma agitação e o mesmo esplendor.
>>> Mozarteum Brasileiro
 
>>> UNE EXPOSITION À MOI Dentro da coleção que já nos legou um “Rembrandt” por Jean Genet, também com tradução de Ferreira Gullar, vem à luz agora “Van Gogh – O suicida da sociedade” (1947), de Antonin Artaud, pela editora José Olympio. Seguindo a mesma linha impressionista do primeiro da série, esse segundo volume rompe ainda mais com a análise crítica tradicional e apresenta um Artaud defendendo uma de suas bandeiras favoritas: a loucura. Defendendo, não: tentando provar que Van Gogh não era louco, mas, sim, extremamente lúcido – tendo sido sufocado pela sociedade que não queria aceitar suas “verdades insuportáveis”. O clamor soa familiar? Soa. O velho discurso dos oprimidos-opressores, dos perseguidos-perseguidores, dos torturados-torturadores. Com a diferença que Artaud viveu na primeira metade do século XX, e só foi servir de inspiração, posteriormente, para alguns conhecidos slogans. Enfim. É notável a implicância do diretor teatral francês com o doutor Gachet, o médico mais próximo do artista holandês. A ele, e à psiquiatria, Artaud atribui o suicídio de Van Gogh. Inocenta Théo (o irmão, das cartas), sugerindo que este apenas seguia ordens médicas (equivocadas). Mas, ao mesmo tempo (para o bem da contradição), o teatrólogo considera que a morte, no caso do criador dos “Girassóis” (1888), veio em boa hora. Como se Van Gogh houvesse esgotado suas possibilidades pictóricas e dissesse adeus ao mundo no momento exato. E, claro, Artaud acha que não houve nada de mais em assar a própria mão e em mutilar-se, arrancando a própria orelha. Bem... Acabamos concluindo que esses aspectos da vida íntima do pintor não são importantes, e que o autor do livro, malgrado seus malabarismos formais, acaba provando o óbvio: muito pouco se pode acrescentar, em matéria de interpretação, a uma obra de gênio. Portanto, “O suicida da sociedade” talvez fique como nota de pé de página em toda fortuna crítica acerca do legado de Vincent van Gogh. Qualquer quadro do mestre vale mais do que as milhares de páginas que Antonin Artaud poderia ter escrito sobre ele. É a impressão que fica ao final da leitura.
>>> Van Gogh – O suicida da sociedade - Antonin Artaud - 104 págs.
 
>>> MAU HUMOR

“Qualquer idiota é capaz de pintar um quadro. Mas só um gênio é capaz de vendê-lo.” (Samuel Butler)

* do livro Mau humor: uma antologia definitiva de frases venenosas, com tradução e organização de Ruy Castro (autorizado)
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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