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Terça-feira, 7/9/2010
Reflexões sobre um século esquecido (1901-2000), por Tony Judt

Julio Daio Borges




Digestivo nº 470 >>> Tony Judt comoveu, recentemente, o mundo, ao lutar contra uma doença rara, que ia paralisando-o, progressivamente, até a morte. O mal avançava a galope, e a morte não tardaria a ocorrer, mas Judt, supreendentemente, concedeu uma entrevista à Época — onde afirmava que continuaria escrevendo enquanto pudesse. Seu corpo quase não respondia, mas sua mente continuava límpida. Impossível não se lembrar dessa história ao ler Reflexões sobre um século esquecido (1901-2000), que acaba de sair pela editora Objetiva. Judt ficaria conhecido por Pós-guerra (2008), igualmente traduzido no Brasil, mas seus ensaios, coligidos neste novo volume, são tão interessantes quanto. E a sensação, ao avançar pela leitura, é que o mundo perdeu mais um ensaísta — do quilate de Juan Luis Cebrián; do tipo que não se forja mais (talvez porque se escreva cada vez menos em profundidade). E Judt é, deliciosamente, fluido — desde a introdução, que fisga o leitor ainda na livraria, até a última parte, quando aborda pesos pesados como Kissinger. Judt partiu convencido de que o século XXI assumiu o controle de nossa época aos borbotões: saímos dos 1900s propriamente sem nos despedir, nem ponderar o que "ganhamos" e o que deixamos para trás. Judt, por exemplo, lamenta — como Umberto Eco — o fim de uma "cultura comum", dada a profusão de informações, também na internet, isolando-nos de nossos contemporâneos e, em igual medida, de nossos antepassados. Judt observa — como Marco Antonio Villa, outro dia — que a política se esvaziou, que as discussões são majoritariamente econômicas e que não existem novas "metas sociais" a serem cumpridas. E Judt lamenta, sobretudo, o desaparecimento dos chamados "intelectuais públicos": "homens e mulheres que se dedicavam ao debate e a influenciar a opinião pública e a política" — "assumindo o papel de porta-vozes do interesse público e do povo, contra a autoridade do Estado". Tudo isso na supracitada "introdução", habilmente designada "O mundo que perdemos". Judt ainda relembra Koestler, Primo Levi e tem a audácia de criticar a quase unânime Hannah Arendt. Ressuscita Camus — sem poupá-lo —, e desconstrói, para espanto dos historiadores (ou simpatizantes), Eric Hobsbawn. Consegue retomar o interesse pela história do marxismo (quem diria) e discutir, como se fosse hoje, a "Queda da França" (em 1940). É possível supor — como Nélson Rodrigues afirmava — que Tony Judt tenha alcançado "a serenidade dos que vão morrer". O certo é que numa era de tantos "extremos" quanto a anterior, precisamos de novos faróis, como Tony Judt — pois, "se quisermos compreender o mundo do qual acabamos de emergir, precisamos ter em mente o poder das ideias".
>>> Reflexões sobre um século esquecido (1901-2000)
 
>>> Julio Daio Borges
Editor
 

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