Ele não sabia, mas eu chegava na aula virada. Não dormia, e não era vagabundagem. Vinha do trabalho. Saía por volta das seis da manhã, chegava em casa, tomava uma xícara de café preto bem forte, e ia tomar o ônibus para a aula. Chegava na faculdade lá pelas sete, não tinha uma viva alma por ali. Eu ia direto para o segundo andar, entrava na sala de aula improvisada, e ele estava ali. Muito raro ele não chegar primeiro.
Trazia uma maleta cheia de livros, quase mais peso do que era aconselhável carregar. Ele sofrera um acidente de moto uma vez, e ficara com uma seqüela num braço. Não conseguia estendê-lo completamente, mas não abria mão dos calhamaços de livros. Eu tinha a maior admiração do mundo por ele. Ainda tenho.
Eu chegava ali, sem dormir, pronta para uma manhã inerte. Pronta para ficar muda. Pronta para apenas deixar a carcaça funcionar e desligar meu cérebro de tudo. Do mundo. Eu passava as madrugadas inteiras operando como uma peça de engrenagem. Por que ali havia de ser diferente?
Mas havia ele. E eu era a primeira da turma a chegar, mas aquilo me envergonhava, porque eu não era uma aluna competente. Aplicada. De talento. Eu era igual ou pior que os demais. Descrente. Apática. Eu não iria me sobressair ali, mas isso não fazia diferença para ele. Ele me recebia com sorrisos às sete e quinze da manhã e dizia "vem aqui que eu quero te mostrar uma coisa". E espalhava páginas de jornal em cima da mesa, livros, e falava e gesticulava e defendia seus pontos de vista como a coisa mais fundamental do mundo. Como se não houvesse aquele desânimo a pairar sobre todos e inclusive sobre ele. Só que a gente se rendia, e ele não. Ele nunca. Ficava a brigar sozinho por aquilo de que não conseguia nos persuadir.
Eu não consigo expressar o quão feliz eu me sentia ao sentar ali e ficar ouvindo aquelas coisas. Aqueles papos, aquelas queixas que ele tinha do mundo e de nós. Eu seria capaz de ficar por horas ouvindo, anotando, viajando naquelas suas histórias. Por vezes, dava vontade de ir atrás do velho e perguntar se poderia segui-lo. Se ele poderia me ensinar a ser como ele. Mas acho que eu não era e, triste, me conformei.
Enfim, estou pronta para voltar para a boca da noite. Para perder de vista a luz do sol. Para esquecer por mais umas noites que o dia existe. Mas, na saída, não poderei voltar à sala de aula e ouvi-lo mais um pouco. Terei que adentrar outra sala, e admirar o silêncio.
Antes de sair da casa do meu pai, eu tive um casinho com um cara problemático. Ele me ligava todos os dias e me contava suas mazelas. O cachorro que estava doente, o céu que estava cinza e chuvoso, o emprego sem graça, o livro que havia perdido no ônibus, o vinho sujo e barato.
Inventei várias desculpas para não atender ao telefone. Inventei várias cólicas e dores de cabeça para não precisar sair com ele. Mas a culpa era minha.
Eu estendi minha mão, braços e pernas quando ele estava mal. Emprestei meu colo, meus ouvidos e minha paciência e meu jeito de "mulher compreensiva e terna". Aí deu nisso: um chiclete ― e dos mais vagabundos.
Às vezes até que ele era legal. Ou era o meu humor e as garrafas de vinho que faziam com que tudo fosse lindo e suportável. Não sei...
Morte agora ou depois? Quando você for votar, esta questão precisa estar respondida. Quando um americano for votar, a importância da resposta é quase crucial. Os Estados Unidos ainda são o grande império contemporâneo, portanto, os mais influentes, os maiores consumidores e os maiores manipuladores do mundo.
Eles comandam guerras e desmatamentos. E é justamente nas duas últimas palavras que precisa haver foco. Se você quer ver morte agora, torça por um republicano. Se você quer morte depois, torça por um democrata. Explico: republicanos preferem guerras, e os democratas preferem investimentos em outros setores da economia que não armamentos. Estes outros setores provocam poluição e desmatamentos, que geram, no futuro, morte.
Você também pode torcer pensando em dinheiro: escolha o candidato financiado pelas empresas nas quais você acredita.
Ressalto: não sou contra os EUA! Pelo contrário, os admiro. Possuem qualidade de vida e sua influência na política externa é admirável, mas que ao votar o eleitor precisa fazer uma escolha, ele precisa.
Outra coisa que me surpreende é sua democracia. O voto é indireto (no Brasil é direto) o que abre a possibilidade de um candidato com menos votos ganhar a eleição.
Mais intrigante do que isto é que em um país que já foi dividido pela escravidão, com a Ku Klux Klan ainda sendo uma "importante" organização, com cada vez mais neonazistas e neofascistas, haja a possibilidade de um afrodescente, mulçumano, assumir o cargo de imperador!
Ser rei não é fácil. Ser o rei de um país hegemônico, nem se fale. Ser um rei negro em uma época de crescentes preconceitos, nem se diga. É por isso que torço por Obama. Ele é a imagem de um povo que sabe se reciclar se quiser ficar no poder. Ele é transcendente à questão do preconceito.
Aliás, duas considerações: (i) a maioria das pessoas não sabe, muito menos os nazistas de plantão, mas no Antigo Egito a cor da pele era irrelevante. A dinastia mais importante de faraós era negra (para saber mais confira a revista National Geographic de fevereiro de 2008); (ii) não sei se vai ser a China o país que superará os EUA, mas algum dia algum país os ultrapassará ― a história nos ensina que todo império rui. É importante, porém, que absorvamos do grande líder o que é positivo, como aprendemos filosofia da Grécia, medicina do Império Otomano, e "pão e circo" dos Romanos. Dos EUA devemos aprender que a discriminação racial não pode ser levada a sério, sob pena de condenarmos o próprio imperador!
Neste sentido, se você prefere ver mortes depois, é acionista de empresas ligadas ao gabinete do imperador e, ainda por cima, não é preconceituoso, torça por Obama.
Trabalho em grupo, você começa a fazer na primeira série, e vai até o final da sua vida. Mesmo assim, sempre tem um cidadão que não sabe lidar com trabalho em grupo. As figuras típicas, geralmente, são:
* O nerd, que faz tudo o que você não sabe fazer (e muito menos quer saber como fazer); afinal, ele é nerd: tá lá pra isso.
* O finge-que-sabe, mas não sabe coisa nenhuma (apesar de ter um bom discurso).
* O boa-pinta, que cede casa, a comida e a bebida, e tem uma ligeira participação no trabalho braçal (mas ninguém vai reclamar, afinal, ele cedeu casa, comida, bebida...).
* O confete, que mais pula, grita e bagunça do que faz alguma coisa.
* O criativo, com boas idéias e propostas. (Alternando-se com o confete, mas para melhor: já que, de fato, faz o trabalho.)
* O mala, que não faz coisa nenhuma (sequer se encaixa na classificação confete): é um chato, é o que sobra, o cream cracker (da cesta de café da manhã que sua mãe ganhou).
"Não estamos sentindo o cheiro da decomposição divina? Deus está morto! Deus continua morto! E fomos nós que o matamos! Como nos consolaremos, nós, os asassinos dos assassinos! [...] Não nos forçamos a nos tornar nós mesmos deuses? [...] Jamais houve ação mais grandiosa, e aqueles que nascerão depois de nós pertencerão, por causa dessa ação, a uma história mais elevada que toda a história anterior! [...] Esse acontecimento enorme ainda está a caminho, ele anda, e não chegou ainda às orelhas dos homens. É preciso dar tempo ao relâmpago e ao trovão, é preciso dar tempo à luz dos astros, é preciso dar tempo às ações, mesmo quando elas estão feitas, para que sejam vistas e ouvidas."
O professor australiano Gunther Kress, atualmente em ação na Universidade de Londres, veio à Faculdade de Educação (e à de Letras) da UFMG falar sobre multimodalidade. Basicamente, ele aborda o letramento e a leitura de imagens, e não apenas de um jeito simpático e bem-humorado, mas propondo questões que deixam a gente com a cuca quente. Quando sai fumacinha é porque funcionou. Ele mostra coisas legais no PowerPoint que ele traz e sugere um jeito bacana de a gente pensar em como se dá o processo de leitura, inclusive cognitivamente.
Kress trabalha muito em parceria com Theo Van Leeuwen, ambos em projetos semelhantes, que incluem a leitura de jornais impressos e de sites. Vou saber se Van Leeuwen é simpático em setembro, quando ele vai a Recife falar sobre... multimodalidade.
Esses australianos estão batendo os recordes de simpatia, mas se não escrevessem em inglês, talvez não estivessem onde estão. Escrever em português é como brincar de esconde-esconde.