busca | avançada
75378 visitas/dia
1,7 milhão/mês
Sexta-feira, 10/8/2007
Papo com Alessandro Martins
Julio Daio Borges


Em foto de Alicia Ayala

"Hoje a internet brasileira é uma internet de quermesse: tem o padre, o louco da praça, as beatas, o prefeito. Todo mundo se conhece e ninguém solta um 'pum' sem que o outro saiba. Na Web brasileira ainda somos uma província. Se uma cidade é pequena, a economia dela é pequena também; o mesmo vale para a nossa internet. Não que não haja muitos usuários nela: são milhões deles. Mas os que fazem um uso realmente ativo da Web, aproveitando boa parte de seus recursos, ainda são poucos."

1. Como é tocar três (ou mais, eu não sei) blogs ao mesmo tempo?

É divertido. Só escrevo sobre o que gosto. Atualmente tenho quatro blogs.

O primeiro foi o Cracatoa Simplesmente Sumiu, desdobramento do site original que terminou e onde escrevo minhas crônicas. Um projeto mais literário.

Depois veio o Alessandro Martins - Livros e afins, que começou sem uma vocação específica, mas que acabou se especializando em livros. Creio que esse tem agradado bastante porque não falo de literatura especificamente, mas do relacionamento que as pessoas têm com os livros. E é um relacionamento que gera muitas paixões. De todos os tipos.

A seguir, criei o Um investidor Iniciante na Bolsa de Valores, pois achei legal compartilhar meu aprendizado nesse tipo de investimento ao mesmo tempo em que gero renda com o blog. Aprendo, metabolizo e registro o que aprendi, ensino e lucro.

O mais recente é o Queroterumblog.com!, em que pretendo falar desse assunto tão interessante que são os blogs, ajudando velhos e novos editores. Esse é uma parceria com a empresa de comunicação Ideal Case.

Apesar de ser divertido, escrever nestes quatro blogs exige disciplina. Tenho um compromisso comigo mesmo de publicar pelo menos um artigo a cada dois dias em cada um deles. Mas tenho conseguido dar conta do recado tranqüilamente e, julgo, com alguma qualidade.

Mas você deve saber que cuidar de um blog não é apenas publicar. Você precisa interagir com os comentaristas, participar de discussões em outros blogs, ler muito, cuidar da arrecadação, das estatísticas. É um trabalho e tanto, mas muito prazeroso por se tratar de uma coisa sua.

Por isso, mesmo com todos esses blogs, ainda quero lançar um outro, com conteúdo adulto. Primeiro porque é um mercado que movimenta muito dinheiro no exterior e logo vai ser assim por aqui também. Quem chegar na frente com seriedade só tem a ganhar. E segundo porque é um assunto de que gosto e com o qual me divertirei bastante.

2. Você é sério candidato a se tornar o primeiro blogueiro profissional do Brasil?

Creio que muitos outros blogueiros podem reclamar este posto para si. Dependendo do critério que você usa, será um ou outro. Até a Bruna Surfistinha. Afinal, o blog dela deve ter rendido, direta ou indiretamente, muito dinheiro.

Porém, eu estou longe de ser um editor profissional de blog. Minha postura é profissional, mas o rendimento ainda não é. Digamos que estou no meio do caminho que há entre o ponto em que os blogs se pagam com muita sobra e o ponto em que eles garantem o meu sustento, da minha casa e da minha família. Mas tenho certeza de que vou chegar lá.

Para os meus critérios, no entanto, o primeiro blogueiro profissional do Brasil é o Bruno Alves. Além de ter uma parte significativa de seus rendimentos vindos do blog BrPoint, ele tem uma postura profissional, com responsabilidade pela informação e atenção aos leitores.

3. Blog dá dinheiro? (O que acha desse pessoal que vive dizendo que não dá?)

Blog dá dinheiro. Porém, o pessoal que diz que não dá dinheiro está momentaneamente certo.

Hoje a internet brasileira, a em língua portuguesa, é uma internet de quermesse ainda. Tem o padre, o louco da praça, as beatas, o prefeito. Todo mundo se conhece e ninguém solta um pum sem que o outro saiba. Ainda somos uma província. Se uma cidade é pequena, a economia é pequena. O mesmo vale para internet brasileira. Não que haja tão poucos usuários assim. Mas milhões deles. Os que fazem uso ativo dela, aproveitando boa parte dos recursos que ela oferece, são poucos.

O reflexo disso se vê na publicidade. É só dar uma pesquisada no AdWords e ver a diferença entre o preço de anúncios de palavras-chave em português e o de palavras-chave em inglês. Fica bem claro. Uma publicidade de melhor retorno para o anunciante e para os sites depende do crescimento de um público que saiba usar a internet.

Tinha uma praça aqui em Curitiba onde, de madrugada nos fins de semana, barraquinhas de cachorro-quente, dezenas delas, vendiam para quem passava por ali. Mas eram poucos clientes para muitas barraquinhas. Eu e um amigo chegamos à conclusão de que elas vendiam umas para as outras, para não ir à falência. Não chega a tanto, mas estamos quase assim na internet brasileira.

Mas é bobagem pensar que isso não vai mudar e que o mercado de publicidade na internet não vai crescer. Aí o pessoal que diz que blog não dá dinheiro vai ficar com a mesma cara do sujeito que quase empresariou os Beatles ou a daqueles que ficaram tirando sarro dos primeiros caras que foram para o Klondike atrás de ouro, imaginando o que aquele povo iria fazer naquele frio. Pioneirismo tem disso. Sempre tem os que preferem dizer que não vai dar certo.

4. O Interney Blogs, e o seu objetivo de remunerar os blogueiros do portal, foi um marco nesse sentido?

Foi um marco para a produção de crônicas em primeiro lugar. Todos os blogs escolhidos pelo Inagaki, parceiro do Edney de Souza na idéia, são de excelente qualidade. Todos eles já tinham seu público formado e em crescimento e creio que, juntos, estão mais fortes. Talvez alguns dos autores nem tivessem a idéia de remunerar, merecidamente, seus escritos. Talvez eles venham de um período mais romântico dos blogs, de cinco ou mais anos atrás. Os textos são mais pessoais, em um sentido literário. Por experiência com o Cracatoa Simplesmente Sumiu eu sei que esse tipo de produção é mais difícil de se remunerar, seja lá qual o método de arrecadação que se adote. Então eles ganharam todos. O Edney por ter conteúdo de qualidade e por associar seu site a algo tão nobre quanto a crônica e a bons autores de internet. E os blogueiros por estarem agora em um site que os paga e lhes dá ainda mais visibilidade.

Porém, acredito que o maior marco na relação que há entre dinheiro e blogs foi a descoberta do AdSense pelos blogueiros. Isso mudou em muito o perfil dos blogs nacionais. Basta ver um ranking qualquer. Por exemplo o do BlogBlogs. Veja quantos dos blogs listados entre os primeiros são de crônicas ou pessoais. Os que há são os do Interney, se tanto, e outros gatos pingados. De resto, a maioria são de blogs mais agressivos do ponto de vista técnico, seja no que diz respeito à especialização, seja no que diz respeito ao uso de técnicas para melhorar a posição nos sites de busca como o Google. Eu tinha dúvidas quanto à legitimidade delas, mas como diz um amigo meu, no xadrez não se pode deixar de usar o cavalo só porque ele anda em L. É a regra do jogo.

5. Quando você comecou a blogar? E como foi a sua trajetória até se tornar conhecido na blogosfera?

Eu comecei a editar blogs em 2001. Eu criei um blog chamado Cracatoa Simplesmente Sumiu, no brasileiro Weblogger. Mudei para o Blogspot e depois criei uma conta no Livejournal. E eram blogs pessoais mesmo. Eu nem imaginava as possibilidades dessa ferramenta. Hoje é tão óbvio que chega a ser absurdo. E fui levando assim. Até que, em 2004, o Paulo Polzonoff Jr. me convidou para escrever uma coluna no blog dele. Passei a levar mais a sério e com mais disciplina o ato de escrever. Finalmente, incentivado pela fotógrafa Alicia Ayala - que em contrapartida incentivei a fotografar - criei o site Cracatoa Simplesmente Sumiu (do qual mantenho o conteúdo antigo). Note que fazíamos questão de enfatizar que não se tratava de um blog. Não gostávamos da idéia. Achávamos que blogs eram coisas menores. Enfim, o site - que gerenciávamos com Movable Type, ferramenta notoriamente de blogs - acabou e hoje o endereço é um blog. E a ele se juntaram outros três. Por enquanto. Até o momento, o meu site mais conhecido é o Alessandro Martins - Livros e Afins, que, por ter nascido como blog, rapidamente superou o site Cracatoa. A Alicia, por sua vez, é hoje uma das editoras da revista de fotografia, ilustração e design IdeaFixa.

6. Quais são os numeros dos seus empreendimentos? Você pode revelar alguns (visitantes, pageviews, e-mails, comentários etc.)?

Creio que o número que mais revela a saúde de um blog é o número de comentários. Se seu site tem bom número de visitantes, boa arrecadação, mas poucos comentários, creio que há alguma coisa de errada com ele. No futuro, você pode ter problemas. E é desse número que mais me orgulho no momento. Recebo comentários não só para os posts novos, mas também para artigos antigos. Isso indica que quem chega através dos mecanismos de busca gosta do que vê. Esse tipo de leitor gera mais links, que gera mais resultados de busca, que geram mais arrecadação. Algumas vezes são quarenta comentários por dia somando todos os sites. Nunca menos que vinte. Isso me dá um certo trabalho, pois mantenho a política de responder a todos.

7. Não acha que existe uma pressão meio velada, hoje, para se postar cada vez mais?

Existe, mas acho que essa histeria vai ser superada rapidinho, assim que os editores perceberem que o principal é produzir material original e de qualidade. Não basta reproduzir a notícia do momento para ter sucesso ou pinçar coisas do Digg ou do del.icio.us. Tem que ter ponto de vista, experiência pessoal, tempero e substância, conversa com o leitor. E fazendo isso com constância e disciplina, sabendo divulgar o seu trabalho, basta um post por dia. Ou a cada dois dias. E, depois, ninguém tem tempo de ler tanta coisa. Acho que essa regra só muda para os sites especializados em gadgets ou em alguma outra categoria em que haja profusão de novidades.

8. Quais são os principais defeitos dos blogueiros brasileiros? (Em outras palavras: por que você se destacou e muitos outros, não?)

O blogueiro brasileiro precisa aprender a responder os seus leitores e a usar os links com inteligência. Além das características já codificadas dos blogs - por exemplo, entradas em ordem cronológica inversa - creio que as principais são a possibilidade de diálogo através dos comentários e a presença de links nos artigos, trackbacks ou não. É preciso saber usar os links com inteligência. Um artigo sem link é um artigo em que a energia da internet - a informação - fica estagnada. O leitor quer ser jogado à frente. Ele não quer desligar o computador e ver novela. Ele quer ver o que há por detrás do clique, como aquela história das bonecas russas, uma dentro da outra. E não basta fazer um link para um blog apenas porque ele está entre os mais conhecidos ou escrever um artigo apenas para "oportunizar" esse link esperando a retribuição. Esperar retribuição de links é a maior bobagem. É mais negócio ter convicção do que você está escrevendo e fazer o link para um blog menos conhecido mas que vá acrescentar algo para o seu leitor. Em geral, a retribuição não vem de quem recebeu o link, mas de quem lê o seu artigo. Outra coisa importante é nunca deixar de comentar em outros blogs. E, claro, como blogueiro, desenvolver uma inteligência de comentarista, nunca perdendo uma oportunidade de ficar quieto quando não há nada a dizer. Quem adotar práticas como essas vai sair na frente. A blogosfera brasileira está só no começo. É o momento.

9. Quem são suas admirações na blogosfera em geral, e por quê?

O Bruno Alves pelos motivos que citei acima e o Paulo Polzonoff Jr. por sua atual reserva e qualidade habitual. Depois deles, eu poderia citar uma lista enorme de gente de que eu gosto...

10. Pensa que a blogosfera pode, um dia, substituir a midia estabelecida? (Nem em termos de audiência? Como o New York Times compete com milhões de blogs?)

É difícil dizer o que vai acontecer. Mas podemos esboçar um panorama usando o seguinte raciocínio: As pessoas absorvem informação de acordo com certos hábitos. Hábitos se formam na juventude. Vamos chutar números: Entre os 10 e os 20 anos de idade. Antigamente, as pessoas estavam habituadas a receber informações através dos jornais, revistas e, mais recentemente, portais da internet. Em algum momento de sua vida essas pessoas se habituaram a isso e levarão esse hábito até o fim de seus dias. Acontece que hoje em dia não vejo muitas pessoas entre 10 e 20 anos de idade lendo jornais ou revistas. O que eles estão lendo? O que eles estão vendo? Responda essas perguntas e você começa a matar a charada de como vai estar essa história...

Para ir além
Blog 1, blog 2, blog 3 e blog 4.

Julio Daio Borges
10/8/2007 às 12h34

 

busca | avançada
75378 visitas/dia
1,7 milhão/mês