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Sexta-feira, 23/2/2018
Existem vários modos de vencer
Fabio Gomes

E de repente, não mais que de repente, como diria Vinicius de Moraes, eis que me deparo com inúmeros artigos publicados no LinkedIn e pela internet afora em pleno começo de 2016 falando de home office como se ele fosse a grande novidade do momento; em menor quantidade, aparecem também os que defendem o home office (doravante denominado HO) como a grande solução para uma série de problemas enfrentados tanto por patrões quanto por empregados. 

Enfim, gostaria de dizer neste texto duas coisas sobre HO, baseado em minha experiência com o assunto, que iniciou oficialmente em 2003.

A primeira é que home office de fato é algo muito bom.

Em 2003, saí de um emprego público (era assistente administrativo do Departamento Municipal de Água e Esgotos, autarquia da Prefeitura Municipal de Porto Alegre), para me dedicar ao jornalismo cultural, mais especificamente ao site Brasileirinho, especializado em MPB, que eu colocara no ar um ano antes. Alugar um escritório nem me passou pela cabeça, pois no apartamento onde morava, de propriedade de minha mãe, havia computador com acesso à internet, telefone fixo e uma biblioteca com aproximadamente 2 mil livros (mais recortes de jornais e revistas) - inclusive uma pesquisadora do IBGE que esteve lá certa vez para apurar meus "hábitos de consumo" (risos) perguntou se ali era mesmo uma residência ou um escritório.... o que confirmava o que minha mãe já dizia desde, talvez, minha adolescência, que meu quarto era um escritório com uma cama. Desde então, nas diversas cidades onde morei ou ao menos passei um tempo considerável (São Paulo, Belém, Macapá e Salvador), sempre optei por alugar imóveis que me permitissem trabalhar no mesmo ambiente de moradia, economizando assim com outro aluguel (de escritório), com gastos e perda de tempo com deslocamentos e, mais recentemente, até com despesas de acesso à internet, já que muitos locadores incluem o wi-fi entre os benefícios ofertados aos locatários. De fato, na maioria das vezes é muito bom você poder trabalhar em sua casa à hora que você quiser, o que nos leva à...

segunda coisa: trabalhar em home office pode não ser tão bom assim...

...se você não souber controlar seus horários. Lá em 2003, por exemplo, ao assumir o apê de minha mãe como sede do site, caí numa armadilha da qual levei um bom tempo para me dar conta - até porque fui eu mesmo que a armei. Explico: até então, como funcionário municipal, eu só podia me dedicar a meus projetos pessoais à noite e aos finais de semana. Quando tive enfim livre o chamado horário comercial, começava a trabalhar de manhã cedo e avançava a madrugada, acreditando que quanto mais horas dedicasse ao trabalho, mais cedo atingiria meus objetivos. Hoje sei que o sucesso vem de um trabalho feito com qualidade, e não necessariamente da quantidade de horas nele investidas. Eu vivia estressado, com olheiras, mas levei uns bons seis anos para me dar conta de que algo poderia estar errado. Isto só aconteceu quando, ao conversar com uma amiga de outro estado por MSN, ela, que sempre me perguntava o que eu estava fazendo (e eu sempre respondia "trabalhando"), um belo dia fez a pergunta que mudou tudo:

"Mas você nunca tem lazer??"

Aí, como se dizia na época, "a ficha caiu". Me dei conta da quantidade absurda de horas que ficava trabalhando e instituí em minha vida o conceito de ilhas de lazer.  Havia na época um programa de jornalismo cultural na Rádio Gaúcha, das 16h às 17h; me habituei a fazer um intervalo nesse horário, me dedicando apenas a ouvir o programa (às vezes tomando chimarrão, às vezes deitado). Desde então mantenho também o hábito de caminhar, em torno de 1h a 2h por dia - nestas últimas semanas da minha atual temporada em Macapá, geralmente a caminhada é ao final da tarde, na orla do Rio Amazonas. Esse é um período bom para "esfriar a cabeça", muitas vezes surge durante o passeio alguma ideia ou a solução para uma questão cuja solução esteja demorando para vir em frente ao notebook. O horário da caminhada acaba coincidindo sim com parte do horário comercial, mas se houver alguma urgência eu posso ser contatado pelo celular ou pelo Facebook. Enfim, é uma prática boa para o corpo e para a mente, recomendo. 

Para fechar o texto, quero falar de outro modelo de HO, que o jornalista e escritor Fernando Morais relatou numa entrevista que li por volta de 1994, e que se referia ao seu processo de escrita da biografia Chatô - O Rei do Brasil. Para evitar cair na mesma armadilha que eu, de não parar de trabalhar enquanto estivesse acordado, Morais alugou outro apartamento no mesmo prédio que o seu, se não me engano apenas alguns andares abaixo. Ou seja, diariamente Morais acordava, tomava banho, vestia-se, tomava o café da manhã e, para chegar a seu escritório, pegava...o elevador. A vantagem, apontava ele na entrevista, é que com isso ele conseguia delimitar, tanto para si quanto para seus familiares, quando estava ou não trabalhando. 

Mesmo que os dois casos relatados, o de Morais e o meu, se tratem de profissionais autônomos, acredito que em linhas gerais o que expus acima se aplica também ao modelo que tem crescido mais recentemente (e que, a meu ver, está trazendo um ar de 'novidade' ao HO), que é o de funcionários autorizados pela empresa a trabalharem de casa algumas vezes por semana. Penso que este é mesmo o caminho para o trabalho no século 21, seja você autônomo ou subordinado a uma chefia: saber gerir o seu tempo de acordo com as demandas, sem descuidar da qualidade de vida.


  • Making-off do texto - Publicado no LinkedIn em 5.3.16, sendo este meu artigo mais lido enquanto mantive a conta naquele site. Republicado no blog Jornalismo Cultural em 11.4.17. 

Fabio Gomes
23/2/2018 às 22h33

 

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