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Quinta-feira,
27/10/2016
A crítica de cinema na Amazônia - Acyr Castro
Relivaldo Pinho
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Livro de Acyr Castro. Foto: Relivaldo Pinho
Acyr Castro já não gozava da importância que nas décadas de 1960 e 1970 o transformaram no crítico mais relevante de cinema do Pará. Acyr morreu no último 15 de setembro. Aqui, pela morte, busca-se alguma “atualização”. Em 2003, um projeto de pesquisa sobre o cinema na Amazônia, patrocinado pelo CNPq, buscava aumentar, pela importância histórica que a exibição teve na Amazônia, os estudos sobre o cinema na região.[1] Acyr, já ladeado por um isolamento, foi o entrevistado.
Indagado sobre se o cinema possuía alguma função, a partir de sua opinião em Cinema: um close nos 100 anos (1995) — no qual ele dizia que “o cinema sempre será uma ficção”, criticava a “arte politicamente correta e os guardiões da moral e dos bons costumes” e terminava dizendo: “que o diabo os leve a todos” —, Acyr respondeu: “lá é o lugar deles, a arte, se for levada a sério, não será imutável, mas ela sempre será reconhecida como manifestação de inteligência e de sensibilidade”.
Inteligência e sensibilidade. Palavras gastas hoje. Mas palavras que servem para definir alguns fundamentos do trabalho de Acyr. Não a inteligência que se faz apenas por opiniões enciclopedistas, mediadas pela angústia do agora e determinada pelo vazio da repetição. Não a sensibilidade que se derrama diante de imagens em afetação de irascibilidade ou bonomia. Mas a crítica como inscrição estética que persuade pelo conhecimento e pela interpretação gerativa.
Nem sempre seu texto foi assim compreendido e, em alguns momentos, ele pagaria um preço por isso. O episódio expressivo é a crítica ao filme de Líbero Luxardo, Um dia qualquer (1965). Líbero era personagem influente em Belém e a produção do primeiro longa-metragem do estado causava alvoroço no meio cultural.
Acyr, na década de 1960, tinha uma coluna em “A Província do Pará” e um programa na Tv Marajoara, chamado Tele-Cine, considerado por ele o primeiro programa sobre cinema na televisão brasileira. Do programa participariam, para termos uma ideia da importância da crítica e do cinema no período, dentre outros, Benedito Nunes, Francisco Paulo Mendes, João de Jesus Paes Loureiro.
Não conhecemos os registros do programa. Mas conhecemos o registro do jornal. Acyr, que teria sido consultado para participar do roteiro do filme e fizera uma ponta na película, seria demolidor.
O mais importante crítico, quando isso importava, da época denominaria a produção de um “desperdício de todo um material fotogênico”, que poderia ter sido, pelo menos, um “documentário melhorzinho” e que, pelos problemas estéticos, o filme acabou “resolvendo-se na base do pior dramalhão rádionovelesco”.
O ambiente cultural e burocrático reagiu. Acyr disse que, ao contrário do que se poderia imaginar, sua crítica fora realizada com o maior cuidado, “com luvas de pelica”.
Em Proteção contra a inocência (1985), ele reproduziria alguns textos sobre a polêmica. Em um deles, para termos uma noção de sua ideia de crítica, ele dizia que “bem consideradas as coisas, criticar ‘Um dia qualquer’ é, sob determinado ponto de vista, uma atitude corajosa (no nosso caso: coerente, lógica, consequente, absolutamente normal e rotineira), e impossível será não compreender a posição acomodado-sentimental de certas pessoas, no fundo boazinhas e de excelente caráter, que acham difícil a situação do cronista ao cumprir sua tarefa de analisar”.
Além de seu fascínio por A paixão de Joana D`arc (1928), de Carl Dreyer, em sua entrevista, ele falaria sobre a geração de realizadores das décadas de 1960 e 1870 que, em Belém, se dedicou a fazer filmes de caráter tecnicamente amador, mas, em alguns casos, esteticamente inovadores: “com o mesmo rigor que eu falo dos filmes dos outros eu falo dos filmes dos meus amigos. Daquela geração a melhor coisa, na minha opinião, foi um filme chamado Sombras (1977), do Vicente Cecim. Comoveu-me ao mostrar a velhice”.
Parte dessa trajetória crítica do cinema paraense já foi exposta como tema de pesquisa.[2] Mas ainda é uma pequena parte, para tema com o qual, através da crítica de Acyr, por exemplo, se pode ler uma época, uma história. A pesquisa, como crítica, atualização, precisa se voltar para as histórias ladeadas por um isolamento.
A crítica para Acyr não se isolava em termos técnicos, uma comparação acumuladora de referências fílmicas ou uma justificativa sociológica. Para ele, como escrevi na dedicatória do livro Amazônia, cidade e cinema (2012), “a crítica era uma forma de ler o mundo”.
*Uma versão deste texto foi publicada em O Liberal, em 16 de setembro de 2016.
[1] O projeto chamava-se “Processos Comunicacionais, Cinema e Identidade: subsídios para políticas culturais na Amazônia”. Integrantes: Oswaldo Coimbra (Coordenador), Relivaldo Pinho, Raphael Silveira, Gláucio Lima, Artur Arias Dutra. Dentre outras atividades o projeto editou dois livros: Cláudio Barradas: o lado invisível da cultura amazônica, de Oswaldo Coimbra; e Cinema na Amazônia: textos sobre exibição, produção e filmes, organizado por Relivaldo Pinho.
[2] Como, por exemplo, minha abordagem sobre esse tema em: Antropologia e filosofia: experiência e estética na literatura e no cinema da Amazônia. ed.ufpa, 2015. E
MESQUITA, Maria José do S. Monteiro. Libero Luxardo: o cineasta da Amazônia. Monografia apresentada como pré-requisito para a conclusão do curso de Comunicação Social.
Postado por Relivaldo Pinho
Em
27/10/2016 à 00h11
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