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Quinta-feira, 24/2/2005
O Rio, o carnaval, os garçons e os porteiros
Adriana Baggio
+ de 3400 Acessos

Esse carnaval, passei no Rio de Janeiro. Mas não fui ao Pão de Açúcar, ao Corcovado e muito menos ao Sambódromo. Fiz um circuito off que incluiu visitas familiares, show de rock em um sebo e os blocos de carnaval de rua.

E eu que achava que o carnaval do Rio se resumia aos desfiles das escolas de samba e àqueles bailes decadentes em clubes. Depois, me explicaram que o carnaval de rua está renascendo de uns anos pra cá. Parece um retorno às origens, no final do século XIX e início do XX, quando a festa era organizada pelo povo, sem nenhuma interferência do poder público. Uma situação impossível hoje. A prefeitura participa da organização, algumas empresas patrocinam os blocos mas, mesmo assim, é uma oportunidade de vivenciar o carnaval em sua forma mais autêntica, espontânea e democrática.

Atrás de uma banda ou de um pequeno trio seguem milhares de pessoas. Os desfiles acontecem nas ruas de diversos bairros da cidade. Você pode encontrar pessoas fantasiadas, como um simpático casal vestido de Popeye e Olívia Palito, ao lado de outras "normais". Alguns compram e vestem a camisa do bloco, mas não é necessário. Brincam juntos homens, mulheres, adolescentes, pais com seus filhos e casais. É tudo muito democrático, como poucos eventos tão badalados ainda conseguem ser nos dias de hoje.

Na medida do que permite a falta de jinga que os repórteres adoram criticar em qualquer pessoa que não faça as acrobacias de uma passista, segui atrás de dois blocos. O primeiro foi o Bloco de Segunda, que sai do Humaitá na - óbvio - segunda-feira de carnaval. Engraçado o sentido ambíguo do nome. Não sei se tem a ver, mas quando a avenida que beira as praias da zona sul foi aberta, no início do século XX, o carnaval de rua popular perdeu espaço para o corso, freqüentado pela burguesia da época, que preferia desfilar de carro a arriscar dividir o mesmo espaço com seus empregados domésticos. Os dias nobres do carnaval - domingo e terça - ficaram para o corso. Sobrou a segunda-feira para a gente que não era de primeira poder curtir a festa.

O Meu Bem, Volto Já saiu do Leme, no fim da tarde da terça-feira. Três quadras de pulinhos serviram para marcar presença. Depois disso, sentamos no Leme Light, um bar que serve vitaminas e suquinhos naturais de dia e muito chope e cerveja à noite. Até às seis, atende no balcão. Mais tarde, transforma barris de chope em mesinhas que ocupam toda a calçada em volta da esquina que abriga o boteco. Ali se come o mais divino frango a passarinho que existe no mundo!

Mas um contraponto à alegria do carnaval é o mau-humor dos garçons. Imagino que faça parte do folclore, que seja uma espécie de patrimônio cultural da humanidade. Uma característica típica, que deve ser aprendida cedo e aprimorada ao longo da vida. Talvez a grosseria e a cara emburrada façam parte de um aspecto do garçom carioca que não pode, de jeito nenhum, ser alterado, com o perigo de descaracterizar um mito.

Ainda bem que, em alguns lugares, a comida maravilhosa permite abstrair o comportamento de quem recebe o pedido. No Shirley, também no Leme, o garçom mais velho dava de dez no jovem do Leme Light, com relação ao mau-humor. Ele está a mais tempo na estrada e deve servir de benchmarking aos novos profissionais.

Depois de vencer o medo e a sensação de estar sendo inconveniente, conseguimos balbuciar o nome de dois pratos de truta. Estavam divinos, maravilhosos, esplêndidos. Devem ser um orgulho da casa, pois o único momento em que o garçom desamarrou a cara foi quando perguntei de onde vinham as trutas. Enquanto ele tirava a espinha, grunhiu simpaticamente: "de Petrópolis".

O carnaval acabou e deu espaço a outros programas. Na quinta-feira, experimentei a maestria com que os motoristas de ônibus sobem as ruas estreitas e escorregadias do morro de Santa Teresa, a toda velocidade, até chegar a um ponto em que a vista nos faz pensar: o ônibus despencou morro abaixo e estou no céu? É um lugar de onde se vê os pontos mais famosos do Rio. Pena que o bonde estava em greve e não deu para utilizar esse meio de transporte, mais romântico e com certeza muito mais seguro do que os ônibus alucinados que levam as pessoas até lá.

Passar o carnaval no Rio também serviu para matar as saudades, reforçar laços familiares e de amizade e valorizar as coisas - e as pessoas - boas que existem em nossas vidas. A convivência mais íntima com cariocas e com a rotina deles, fora da programação típica de turista, me fez sentir-me à vontade para ver o Rio de uma maneira um pouco mais realista. Não vou entrar no mérito das questões clássicas: violência, desigualdade social, etc. São detalhes mais sutis.

O Rio de Janeiro parece concentrar o tal do "jeitinho" associado à cultura brasileira. Muita coisa errada não se resolve porque resolvida está, de modo informal. É um acordo tácito entre a sociedade e os flanelinhas, os motoristas de ônibus, as pessoas que te atendem nas lojas e nos restaurantes. Um jeito de viver que é quase como um código: você deve se iniciar nele se quiser viver bem nesse lugar. Uma situação angustiante para quem está habituado à ordem, as definições mais claras de direitos e deveres, espaço particular e espaço público.

Conheci muito pouco do Rio até hoje. Mas esse pouco que conheço, me lembra muito o Nordeste. A capital carioca tem a leveza, a alegria e a desorganização das capitais nordestinas. É uma cidade grande como São Paulo, mas percebe-se a diferença principalmente na maneira como os espaços urbanos são utilizados para a propaganda. Eles não ofuscam as belezas naturais, não esgotam, não invadem. Outro contraponto ao tamanho é o misto de romantismo, decadência e modernidade, que no conjunto passam uma idéia muito latina de cidade grande. Uma sensação talvez provocada pela convivência de diversos estilos arquitetônicos, que vão do colonial ao contemporâneo, passando pelo charme dos edifícios dos anos 50 e 60 que tanto caracterizam a zona sul do Rio. Uma cidade enorme, mas que consegue preservar ares de província apesar de todo o resto que a caracteriza como metrópole.

Essas percepções me fizeram lembrar da fascinação que os nordestinos têm pelo Rio, muito mais do que por São Paulo. Algumas similaridades tornam essa atração lógica: entre as duas capitais do eixo, o Rio é a mais próxima e é a que tem praias, como no Nordeste. Mas não é só isso. O Rio de Janeiro tem uma estrutura de relações sociais muito parecida com as que se encontra nas grandes cidades do nordeste, apenas em uma escala maior. O "jeitinho" de fazer as coisas, uma certa desorganização, os vendedores de cara amarrada, os motoristas de ônibus malucos. Não é à toa que muito nordestinos acabaram sendo porteiros no Rio e tornaram-se uma verdadeira instituição na cidade. Entre eles e os moradores há uma relação paternalista muito parecida com o que é comum no nordeste. O porteiro é o guardião de convenções que procuram manter a hierarquia do elevador social e o de serviço. Um tipo de segregação que tem muito menos espaço em outros locais do país. Porém, tanto cariocas quanto nordestinos parecem viver com mais leveza, se divertir mais e ter a benção de contar com praia e sol o ano todo.

Espero que os cariocas não me levem a mal com as comparações. Imagino que a rejeição possa surgir apenas daqueles que têm o hábito de usar o adjetivo "paraíba" quando desejam desqualificar alguém. E esses não estão preparados para viver em uma das mais belas e democráticas cidades que eu já conheci.

* * *

Para descansar entre um compromisso e outro no Rio, levei um livro fininho e delicioso de ler. Como alguém pode escrever sobre um tema às vezes tão árido, como teoria literária, de forma tão agradável? Ricardo Piglia mistura o lado teórico com o de ficção em Formas breves. São 11 textos que falam de nomes centrais da literatura Argentina, entre eles, Jorge Luis Borges. Pessoas reais que se transformam em personagens no texto de Piglia. Acessível para qualquer pessoa, porém, muito mais rico para quem tiver as referências dos textos e dos autores que cita: Joyce, Shakespeare, Poe, Kafka.

Um dos capítulos mais interessantes fala sobre a estrutura do conto e de como importantes nomes da literatura tecem uma narrativa que, na verdade, são duas. O conto deve sempre trazer uma revelação, seja ela sutil ou explícita. Essa revelação é a segunda história, que vai acontecendo em paralelo à primeira, e da qual só tomamos conta no final.

O recurso descrito por Piglia também se aplica, cada vez mais, ao texto publicitário. A relação está descrita em Razão e sensibilidade, livro de João Carrascoza, um dos poucos autores da área de publicidade que consegue unir o aspecto prático da redação publicitária a conceitos solidamente embasados em teorias lingüísticas e literárias. É um profissional que transita pelo mercado e pela academia. Por isso mesmo, tem base suficiente para perceber como o texto publicitário, cada vez mais, busca na literatura as ferramentas para se renovar e manter sua atratividade junto o público consumidor. Vide a presença de Piglia no seu livro.

* * *

E por falar em Rio de Janeiro, a prefeitura da cidade, em parceria com a editora Relume Dumará, tem uma série de livros sobre personagens representativos da cena carioca. Embalados na coleção "Perfis do Rio", já foram lançados diversos títulos. Um deles fala sobre a mítica figura do malandro, que já rendeu um texto meu para o Digestivo Cultural.

A artista plástica Lygia Pape também mereceu um perfil para a coleção. A autora, Denise Mattar, conta a trajetória da artista e fala um pouco também da mulher fascinante, de cabelos negros e olhos verdes, que participou do movimento Neoconcreto e de outras manifestações artísticas importantes da arte brasileira.

As interferências de Lygia Pape estão da praia à favela. Suas obras acabam por unir uma cidade partida pela geografia, pela hierarquia e pela desigualdade social. Uma perfeita carioca, Lygia transitou por espaços distintos, mas que fazem parte da idéia de Rio, talvez em uma época em que para chegar até o morro não era necessário negociar com o traficante.

O livro está estruturado em três partes: uma breve descrição da artista, a contextualização do seu trabalho nas artes plásticas brasileiras e, por último, Lygia Pape nas palavras de Lygia Pape. É um roteiro didático, que poderia ser melhor aproveitado se houvessem imagens das obras mencionadas.

Lygia morreu em maio do ano passado, aos 75 anos. A idade é uma informação que não se encontra no livro. A artista acreditava que os anos vividos rotulam as pessoas, e ela não queria ser colocada uma "gaveta". "Quero ter todas as idades".


Adriana Baggio
Curitiba, 24/2/2005

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