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Quarta-feira, 15/8/2001
Só a macarronada justifica o casamento
Marcelo Guedes Nunes
+ de 4300 Acessos

Sou um homem solteiro. Moro sozinho e não sei cozinhar. Não saber cozinhar torna um homem vulnerável. Lembro de minha vó me dizendo que era fácil conquistar alguém pelo estômago. Do alto de meus doze anos, idade em que o máximo da gastronomia reside em uma festa de aniversário boca-livre no Mc Donald´s, eu ria. Impossível fisgar um homem pelo estômago. Como um ser humano em sã consciência seria capaz de tomar uma decisão tão importante, como casar, por causa de uma macarronada à bolonhesa? Impossível. Mas na época eu não era nem solteiro, nem morava sozinho e, o que é mais ingênuo, achava que casar era uma decisão importante.

Já tive desde esse último encontro com minha vó algumas dezenas de experiências gastronômicas memoráveis. A primeira, em Milão, em um restaurante chamado Biffi Scalla, foi um prenúncio do que estaria por vir. Descobri que os melhores prazeres são resultantes da satisfação de um impulso instintivo, de uma necessidade animal. Melhor que qualquer prazer intelectual ou estético, a saciação da fome é capaz de dar a uma pessoa uma completa sensação de satisfação, momentânea e fugaz, porém completa. Um quadro ou peça pode no máximo te distrair com a beleza das formas e cores, com uma ou duas frases que, com um esforço hercúleo de memória, poderemos nos lembrar no dia seguinte. A grande arte, por melhor que seja, é completamente superficial, um consolo inútil. Já a refeição não. A refeição, na sua essencialidade animal, te pega pelas entranhas, pelas suas necessidades mais básicas e, quando é grandiosa, te traz uma incomparável felicidade, espontânea e natural. Uma boa refeição é sinônimo de alegria.

Não à toa, toda civilização tem uma culinária, com exceção dos EUA, que ninguém explica. Talvez eles só sejam mesmo ricos, e não civilizados. Já a Itália, a França, o Japão, a Grécia, a Índia e a China têm excelentes receitas para exportar ao mundo, misturando suas melhores ervas, carnes e vegetais. Sem grande cozinha não há grande nação, o que também explica o subdesenvolvimento do nosso Brasil, que até hoje só foi capaz de criar o quindim de ovo. Os inventores do foie gras, do champagne, do camembert, do ravioli, do sashimi e do azeite de oliva são incomparavelmente mais importantes para a humanidade que qualquer artista, seja Shakespeare, Rodin, Vermeer ou Bach, que qualquer filósofo e que qualquer cientista. É para eles, os chefs, que eu rezo todas as noites.

Tive também experiências desastrosas, é verdade, ânsias, dores no abdômen, queda de pressão, sem mencionar os efeitos colaterais mais humilhantes, como, por exemplo, os que um peixe estragado ou um cachorro quente de van podem causar. Mas nada que abalasse minha convicção de que a vida é, realmente, aquele espaço aborrecido entre as refeições (provérbio italiano). Na verdade, essas experiências serviram mais para confirmar, pela força do contraste, as maravilhas que uma verdadeira grande refeição pode te proporcionar.

O fato de um homem ficar solteirão e ir morar sozinho aumenta a sua vulnerabilidade às fisgadas culinárias. Vulnerabilidade é um belo eufemismo que encontrei para ocultar a verdade: nós, homens, somos venais. Vendemos nossa liberdade por um prato de lentilhas, desde que bem temperado, claro. Conheço um caso (vou omitir os nomes) de um amigo que pediu a mulher em casamento por causa de um misto quente. Podem acreditar. É o cúmulo da humilhação e eu tentei impedir a cerimônia, mas ele argumentou que o sanduíche vinha com uma fatia de tomate caqui e que, portanto, tratava-se de um Bauru Completo, com maiúsculas. Um Bauru Completo, quentinho, com queijo derretido, eqüivalia, segundo ele - que vivia há mais de três anos em uma república, dividindo o quarto e o miojo com o Alemão Maluco, o Fuinha e o Maurão - à ambrosia mitológica. Se eu o considerava banal, para ele aquele Sanduíche, carinhosamente preparado e entregue em seu colo sobre a cama, tinha algo de maravilhoso, além do fato de ser de graça. Estava justificada a cerimônia.

Graças à providência divina e aos meus pais nunca morei em república e acho que é por isso que não me casei. No fim das contas, hoje penso exatamente o contrário do que pensava lá atrás, quando mantive com minha vó aquele memorável diálogo: apenas uma grande refeição é sublime o suficiente para convencer um homem a casar, um preço alto o bastante para pagar todas as privações que o matrimônio traz ao longo dos anos. Nós, homens, somos venais, tão venais que trocamos sem arrependimentos nossa liberdade, nossa integridade moral, e, acima de tudo, nosso sossego por uma macarronada à bolonhesa. Desde que bem temperada, claro.

Para ir além

Macarrão Chiarini

Ponto Chic (no Guia SP)



Marcelo Guedes Nunes
São Paulo, 15/8/2001

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