Cony: o existencialista, agora, octogenário | Jonas Lopes | Digestivo Cultural

busca | avançada
85620 visitas/dia
2,0 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Inscrições | 3ª edição do Festival Vórtice
>>> “Poetas Plurais”, que reúne autores de 5 estados brasileiros, será lançada no Instituto Caleidos
>>> Terminal Sapopemba é palco para o evento A Quebrada É Boa realizado pelo Monarckas
>>> Núcleo de Artes Cênicas (NAC) divulga temporada de estreia do espetáculo Ilhas Tropicais
>>> Sesc Belenzinho encerra a mostra Verso Livre com Bruna Lucchesi no show Berros e Poesia
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
>>> Soco no saco
>>> Xingando semáforos inocentes
>>> Os autômatos de Agnaldo Pinho
>>> Esporte de risco
>>> Tito Leite atravessa o deserto com poesia
>>> Sim, Thomas Bernhard
Colunistas
Últimos Posts
>>> Glenn Greenwald sobre a censura no Brasil de hoje
>>> Fernando Schüler sobre o crime de opinião
>>> Folha:'Censura promovida por Moraes tem de acabar'
>>> Pondé sobre o crime de opinião no Brasil de hoje
>>> Uma nova forma de Macarthismo?
>>> Metallica homenageando Elton John
>>> Fernando Schüler sobre a liberdade de expressão
>>> Confissões de uma jovem leitora
>>> Ray Kurzweil sobre a singularidade (2024)
>>> O robô da Figure e da OpenAI
Últimos Posts
>>> AUSÊNCIA
>>> Mestres do ar, a esperança nos céus da II Guerra
>>> O Mal necessário
>>> Guerra. Estupidez e desvario.
>>> Calourada
>>> Apagão
>>> Napoleão, de Ridley de Scott: nem todo poder basta
>>> Sem noção
>>> Ícaro e Satã
>>> Ser ou parecer
Blogueiros
Mais Recentes
>>> 2007 enfim começou
>>> Depeche Mode 101 (1988)
>>> Borges: uma vida, por Edwin Williamson
>>> Why are the movies so bad?
>>> Histórias de gatos
>>> Microsoft matando o livro
>>> A TV paga no Brasil
>>> O Presépio e o Artesanato Figureiro de Taubaté
>>> Change ― and Positioning
>>> Retrato de corpo inteiro de um tirano comum
Mais Recentes
>>> Maria Anjinha Borboleta - Lidando Com as Perdas de Sandra Witkowski pela Tocando A Vida Com Leveza (2022)
>>> Urupês de Monteiro Lobato pela Globo (2007)
>>> Emilia no Pais da Gramatica de Monteiro Lobato pela Brasiliense (1981)
>>> Amoris Laetitia - Sobre O Amor Na Familia - Exortacao Apostolica Pos-sinodal Do Papa Francisco - Colecao Magisterio de Papa Francisco pela Paulus (2016)
>>> Deus - Coleção Deus para Pensar 3 de Adolphe Gesché pela Paulinas (2004)
>>> A Experiência Da Mesa - O Segredo Para Criar Relacionamentos Profundos de Devi Titus pela Mundo Cristao (2023)
>>> Jogos Vorazes de Suzanne Collins pela Rocco (2010)
>>> O Livro das Cartas Encantadas de Índigo pela Brinque Book (2007)
>>> Lovers and Dreamers 3-in-1 - Dream Trilogy de Nora Roberts pela Berkley (2005)
>>> O que é ideologia - Coleção Primeiros Passos de Marilena Chauí pela Brasiliense (1981)
>>> Disciplina Positiva de Jane Nelsen pela Manole (2015)
>>> Mindhunter - O Primeiro Caçador De Serial Killers Americano de Jonh Douglas / Mark Olshaker pela Intrinseca (2017)
>>> Raio X de Gabriela Pugliesi pela Reptil (2014)
>>> Cidadania Cultural o Direito à Cultura de Marilena Chauí pela Fundação perseu abramo (2006)
>>> Subindo para Jerusalém - Subsídios para um Retiro de Manuel Eduardo Iglesias pela Loyola (2001)
>>> Capitaes da Areia de Jorge Amado pela Record (1983)
>>> Alice No País Dos Números de Carlo Frabetti pela Atica (2024)
>>> Vidas Secas - 62 ed de Graciliano Ramos pela Record (1992)
>>> Vidas Secas de Graciliano Ramos pela Record (1994)
>>> Papéis de Shimon al-Masri - em arabe أوراق شمعون المصري de Osama Abdel Raouf ElShazly pela Dar Alruwaq ( (2024)
>>> Damianas Reign -Arabic - em arabe de Osama Abdel Raouf ElShazly pela Dar Alruwaq (2024)
>>> O Visconde Partido Ao Meio de Italo Calvino - Nilson Moulin tradutor pela Companhia das Letras (2006)
>>> Matematica Elementar II- Situações de Matemática do Ensino Médio de Marcelo Gorges - Olimpio Rudinin Vissoto Leite pela Iesde (2009)
>>> Livro Da Psicologia de varios Autores pela Globo (2012)
>>> Dignidade! de Mario Vargas Llosa e outros pela Leya (2012)
COLUNAS

Quarta-feira, 3/5/2006
Cony: o existencialista, agora, octogenário
Jonas Lopes
+ de 9400 Acessos

Em O Ventre, primeiro romance de Carlos Heitor Cony, lemos já na primeira página uma frase que serve de carta de intenções do então jovem autor: "Só creio naquilo que possa ser atingido pelo meu cuspe. O resto é cristianismo e pobreza de espírito". Essa frase diz muito do protagonista usual dos livros de Cony: um melancólico incurável - não o melancólico usual, triste e choroso, e sim um de humor cruel, amargo, anárquico, de tom quase sempre auto-depreciativo -, desiludido com Deus (há sempre uma ruptura, uma fé que se perdeu), individualista e egoísta. Alguém que trocaria de vida facilmente, se tivesse coragem para isso.

Como toda estréia, O Ventre, de 1958, sofre um pouco com as influências excessivamente expostas. No caso, o narrador tipicamente machadiano e a postura existencialista, herdada de Sartre. A semente da futura obra de Cony, entretanto, está toda ali. Com o tempo, pôde-se perceber que essas características não se encaixam apenas nos personagens, mas no próprio Cony. Ler as entrevistas do escritor chega a ser incômodo, de tão crítico que é de si mesmo. Modéstia ou charme? Logo depois se redime, cunha alguma frase deliciosa, cética e amargurada (como "o homem é um projeto falido" ou "sou um grande batedor de maionese").

O carioquíssimo Carlos Heitor Cony nasceu a 14 de março de 1926. Ou seja, completou oitenta anos. A repercussão da data na imprensa foi quase nula. Não surpreende. Cony é um autor subestimado, tido como de segundo escalão. Uma injustiça. Se ele não criou nenhuma grande obra-prima nem quebrou paradigmas, também não escreveu nada ruim. Manteve um padrão constante de qualidade. Em futuras enquetes de melhor qualquer coisa, seu destino deve ser o de nunca aparecer, pois cada crítico deverá votar em um livro diferente. É difícil escolher um favorito.

Sua infância foi marcada por um detalhe bem peculiar. Cony, até os cinco anos, não falou. A família acreditava que o menino era mudo. Voltou a falar depois de um susto de um vôo rasante de um hidroavião, e nunca mais parou. Aos doze anos, entrou para o seminário, que abandonou anos depois, quando constatou que não tinha fé. Em 1947 cobriu as férias do pai, o jornalista Ernesto Cony Filho, no Jornal no Brasil. Começa ali sua relação com a imprensa, que dura até hoje.

Em 1956, inscreveu O Ventre no Prêmio Manuel Antônio de Almeida. Os jurados (Manuel Bandeira entre eles) elogiaram o livro, mas o consideraram pesado demais para ganhar. Pouco tempo depois, o jovem Cony apareceu no prédio da editora Civilização Brasileira. Exigia falar com o dono, Ênio Silveira, e entregar-lhe seu trabalho para ser publicado. Ênio avisou-lhe que era procurado por dezenas de novos ficcionistas, por que ele seria um caso à parte? Cony contou a história do concurso e garantiu que seu livro era bom. O editor resolveu apostar. O maior diferencial da prosa era o enfoque urbano, longe da metafísica regionalista de um Guimarães Rosa, em algum lugar entre o impiedoso retrato da classe média carioca de Nelson Rodrigues e o desencanto do Fernando Sabino de O Encontro Marcado.

Depois de O Ventre vieram A Verdade de Cada Dia (1959, escrito em nove dias) e Tijolo de Segurança (1960). Ironia: ambos foram inscritos naquele mesmo prêmio e ganharam. Em 1961 Cony lança seu livro mais pungente (e o mais autobiográfico), Informação ao Crucificado. É a história de João Falcão, que, aos onze anos, entra para o seminário e, exatamente como Cony, sofre por ter dúvidas em relação à fé. Ainda assim, é apaixonado por aquela vida. Acha que ser padre é bonito, "bonito e difícil". No final, vai embora, com ainda mais dúvidas ("Que serei lá fora? Ateu? Devasso? Carola? Problemas secundários. O futuro não conta, nem mesmo a eternidade. Importa é danar o coração, depois de tanto masturbá-lo") e uma certeza: Deus acabou.

Matéria de Memória (1962) e Antes, o Verão (1964) são dois momentos de maturidade. No primeiro, o autor brinca com três pontos de vista, o de uma mulher, seu amante e seu filho. Seus pensamentos são todos escondidos pelos três, em uma trama de desentendidos e informações que se cruzam sem se tocarem. Antes, o Verão é seu livro mais doído. Parece apenas mais uma história de um casal em vias de fim de caso. Cony, entretanto, brinca com pequenos detalhes, como a casa de praia que entra em decadência junto com o casal, e a maresia de Cabo Frio que corrói o relacionamento. No final, sobra o silêncio.

Desde 1960 Cony vinha escrevendo crônicas políticas para o Correio da Manhã. Em 1965 (ano de Balé Branco) começaram seus problemas com a ditadura. Foi preso seis vezes, passou um ano e meio exilado (hoje recebe uma gorda e polêmica pensão do governo, como "indenização"; essa é outra discussão...). O regime militar foi explorado em Pessach: a Travessia (1967), romance dividido em duas partes. Na primeira o intelectual (e judeu) Paulo Simões recusa-se a entrar para o Partido Comunista em favor de sua individualidade. É um trecho exemplar, sério concorrente a melhor coisa que Cony escreveu. O nível cai um pouco na segunda parte, em que o personagem é "seqüestrado" pelos guerrilheiros e acaba aderindo à luta. Sobram farpas para todos os lados, tanto para os militares quanto para os supostos revolucionários.

Pilatos, de 1973, é considerado pelo próprio Carlos Heitor Cony o seu melhor trabalho. "Pilatos sou eu, inteiro", disse à revista EntreLivros. Otto Maria Carpeaux chamou de "originalíssimo" o livro: "não tem semelhança com nenhuma outra obra da literatura brasileira". Na inusitada (e algo escatológica) história, um homem perde o pênis e passa a carregá-lo consigo, dentro de um vidro. A ditadura é novamente explorada, em pinceladas sarcásticas.

Começa aqui um longo intervalo na carreira ficcional de Cony, que durou o resto da década de setenta, toda a de oitenta e metade da de noventa. Nesse tempo, escreveu algumas reportagens longas (uma sobre Getúlio, outra sobre JK) e trabalhou na revista Manchete. Sua volta aos holofotes aconteceu só em 1993, quando substituiu o recém-falecido Otto Lara Resende como cronista da Folha de S. Paulo - logo se tornou um dos cronistas mais conhecidos do país.

O retorno à ficção ocorreu em 1995, com Quase Memória, talvez seu livro mais conhecido. Quase Memória, escrito em três semanas, vendeu demais e começou uma espécie de "onda Cony" no Brasil. Curiosamente, é um livro pouco característico. É bem mais otimista que o Cony habitual, menos perturbado - a amargura dá lugar ao lirismo. Na história, o jornalista Carlos Heitor Cony recebe um pacote misterioso, que seria de seu pai falecido. Feito uma madeleine carioca, o pacote desperta no narrador lembranças das desventuras do pai, um tanto anti-heróicas e atrapalhadas. Cony sentiu vontade de voltar à ficção após a morte da sua cadela Mila. Não pretendia lançar Quase Memória; e só o fez pela insistência de Ruy Castro, que adorou o livro.

O romance seguinte também foge das características habituais do autor: O Piano e a Orquestra, de 1996, explora territórios picarescos e folhetinescos. Só com A Casa do Poeta Trágico (1997) Cony volta às histórias de desamores e angústias pessoais do começo da carreira. O esquálido Romance sem Palavras (1999), escrito em meros onze dias, retorna à ditadura, numa espécie de conclusão moral de Pessach. O Indigitado (2001) faz parte da coleção Cinco Dedos de Prosa e passou despercebido. O último livro de Cony é A Tarde da Sua Ausência, um estudo simples (mas não simplório) da classe média carioca e da dissolução familiar. A novidade é o uso da repetição - de cenas, frases, até capítulos inteiros. O recurso é meio picareta, mas funciona bem.

Cony chegou a rascunhar uma continuação de Informação ao Crucificado, com o ex-seminarista João Falcão trinta anos mais velho. Desistiu. Atualmente, ocupa-se com Messa para o Pappa Marcello, um livro que vem tentando escrever há quase quarenta anos - a essa altura já é quase uma lenda. Logo ele, acostumado a escrever em tempo recorde.


Jonas Lopes
Florianópolis, 3/5/2006

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Cosmogonia de uma pintura: Claudio Garcia de Jardel Dias Cavalcanti
02. Aos nossos olhos (e aos de Ernesto) de Ana Elisa Ribeiro
03. A pandemia de Albert Camus de Wellington Machado
04. Championship Vinyl - a pequena loja de discos de Renato Alessandro dos Santos
05. O Vosso Reino de Luís Fernando Amâncio


Mais Jonas Lopes
Mais Acessadas de Jonas Lopes em 2006
01. Tchekhov, o cirurgião da alma - 13/7/2006
02. 15 anos sem Miles Davis, o Príncipe das Trevas - 11/10/2006
03. Ser escritor ou estar escritor? - 2/6/2006
04. Cony: o existencialista, agora, octogenário - 3/5/2006
05. Herzog e o grito de desespero humanista - 18/9/2006


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Nossa Gratidão aos Antepassados
Heitor Miyazaki
Sheicho-No-Ie do Brasil
(2018)



Princípios de Marketing de Serviços
K. Douglas Hoffman
Cengage
(2000)



A Marcha da Morte (com Dedicatória do Autor)
Michael Stivelman
Imago
(2011)



Liderança De Equipes
Anne Donnellon
Campus
(2006)



Vamos juntas?
Babi Souza
Galera Record
(2016)



Livro Didático Coleção Insta English 2 Students Book & Workbook
Emma Heyderman e Outros
Macmillan Education
(2019)



Cinderela
Laura Cowan
Usborne Publishing
(2017)



Treinamento no esporte aplicando ciencia no esporte
Bruce elliott
Phorte
(2000)



O Homem Mais Rico Da Babilônia
George S. Clason
Harpercollins Brasil
(2024)



Coletânia Soletrando
Patricia Pereira Bertoli
Carlini&Caniato
(2016)





busca | avançada
85620 visitas/dia
2,0 milhão/mês