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Segunda-feira, 2/11/2009
O tamanho do balde
Pilar Fazito
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+ 1 Comentário(s)

Física, Química e Matemática sempre foram um tormento na minha vida escolar e eu não sei quando minha atuação nas provas era pior: quando eu estudava ou quando eu não estudava. É que meu raciocínio nunca foi muito lógico quando se tratava de problemas com números e eu não via nenhuma coerência naqueles gráficos, nas fórmulas, nos deltas e nas raízes quadradas.

O QI de samambaia na adolescência só não era mais evidente do que a ingenuidade, e isso explica o fato de eu não conseguir ver a aplicabilidade das coisas que víamos em sala de aula. Por mais que eu tentasse decifrar o livro da Beatriz Alvarenga, sempre entrava em pânico toda vez que trem A passava por trem B numa velocidade X. E o pior é que eu tentava. Tentava mesmo. Eu fazia os cálculos e sempre chegava a uma resposta diferente dos meus colegas. Então, refazia os cálculos para confirmar e chegava a um terceiro valor. E quando eu insistia na ideia, sempre chegava a um quarto. Eu saía "semeando" os números em tudo quanto é fórmula, sem nenhum critério, como quem joga milho aos pombos. Não podia mesmo sair boa coisa daí. Por fim, acabava pedindo cola para uma amiga. E foi assim, graças a ela, que eu fui passando de ano, aos trancos e barrancos.

À medida que o tempo passava, fui percebendo que meu problema com cálculos tinha a ver com a abstração. Se modifico números e incógnitas por nomes, por exemplo, muitos problemas se tornam mais fáceis de serem resolvidos. Eu sei que a estratégia é meio estapafúrdia, mas fazer o quê se meu cérebro destrava com isso? Às vezes, basta substituir um "X, Y, Z" por "Mariazinha, Jorge e Manuel" ou por "geladeira, carro, caneta", ou ainda "amor, liberdade, redenção". Vá entender!

Uma popular revista de ciências divulgou, há menos de um ano, um estudo sobre o funcionamento da mente de alguns gênios das exatas. Segundo ela, Fulano de Tal consegue ler um livro de 700 páginas em poucas horas, Beltrano dá o resultado de uma multiplicação de números de 9 dígitos num piscar de olhos e Cicrano bate o olho em uma caixa de fósforos e diz quantos deles foram usados. Quando eu leio esse tipo de coisa, não consigo conter a lasca de inveja no dedo mindinho, imaginando o que eu poderia fazer caso tivesse um desses "superpoderes". Mas eu continuo a ler a matéria: todos eles têm em comum um certo grau de autismo. Então, volto a agradecer, mesquinha e humildemente, a minha limitação intelectual e prossigo na leitura para entender como essa gente faz isso.

Fulano de Tal lê a página da esquerda e a da direita do livro ao mesmo tempo, cada uma com um olho, por isso lê tão rápido; Beltrano atribui cor e forma tridimendional a cada um dos mais de 1 bilhão de números que existe em sua mente e, quando precisa somá-los, dividi-los, subtraí-los ou multiplicá-los, "basta" aproximar essas formas umas das outras e ver qual delas se encaixa ali no meio, como se fosse um quebra-cabeças 3D de mais de 1 trilhão de peças. Fácil, não? Já Cicrano serviu de inspiração para o filme Rain man, levado às telas pelo ator Dustin Hoffman. O prodígio dessa gente é inegável, mas o ônus de todos esses bônus é a dificuldade de se relacionar com os outros, de se deixar ser tocado e, no caso de Fulano, até mesmo de elaborar e dizer uma simples frase.

Foram exemplos como esses que puseram em xeque a validade dos testes de QI, sob a alegação de que não serviriam para avaliar o quociente emocional. Nessa época, começaram a pipocar livros e revistas que lançaram o conceito de QE ao mesmo tempo em que contribuiram para a ampliação do termo "inteligência". Hoje, há uma corrente teórica que subdivide a inteligência em, pelo menos, sete categorias: lógico-matemática, visual-espacial, cinestésica, linguística, musical, interpessoal e intrapessoal.

Os neurocientistas, agora, admitem que habilidades cognitivas relativas à criatividade, à comunicabilidade e ao estabelecimento de relações pessoais não são contempladas nos testes de QI, mas acreditam que ele ainda seja o melhor instrumento para medir a capacidade intelectual humana. É que, segundo eles, mesmo que alguém se destaque em uma área específica, deve isso a um potencial de inteligência determinado biologicamente. E esse potencial tende a ser o mesmo para qualquer disciplina. A capacidade de aprender seria, então, geneticamente herdada dos pais e o aprendizado dependeria da experiência de cada um. Fazendo uma analogia simples, é como se recebessemos de nossos pais um balde, que pode ser pequeno ou grande conforme seus genes, e o enchessemos de água ao longo da vida à medida que adquiríssemos conhecimentos. Mesmo que o sujeito estude bastante, se o balde herdado for pequeno, não vai conseguir acumular muito conhecimento por causa de sua limitação genética. Já o sujeito que tem um baldão, mas não o enche, seria um lambão ingrato.

Mas os cientistas ainda não explicaram o que leva uma pessoa a desenvolver sua inteligência em determinada área. Por que ela tem facilidade para música e não para biologia, por exemplo? Será que isso tem a ver apenas com a dedicação ao tema, com a forma como estuda, ou com a criação? Ou será que existe algo na cachola que já traça o nosso destino assim que o cérebro é formado? Será que tem a ver com o estímulo externo ou a exposição a determinadas situações apenas oferece oportunidades para o sujeito desenvolver uma capacidade que está latente dentro dele assim que ele nasce? A facilidade com um tema também é herdada dos pais? Enfim, por que, por exemplo, em vez de estar aqui, escrevendo esta crônica, eu não estou em Wall Street, dando uma consultoria financeira a banqueiros e economistas?

A única resposta que consigo dar é que não estou em Wall Street por completa inaptidão matemática. E se a facilidade com um tema depende da genética, posso dizer que, infelizmente, não herdei do meu pai os genes racionais da ciência, da estratégia no xadrez, da memória de elefante e da estatística. Nem o deslumbramento com esses temas. Que seja. Fico feliz com os genes maternos da literatura, das línguas estrangeiras, da poesia e da musicalidade.

Tenho que reconhecer que, apesar da inaptidão com as exatas, meu balde até que não é pequeno. Ademais, como diria um sábio chinês, "não se pode tirar seis em todos os dados". Inteligência demais pode ser um pesadelo, como no caso de Fulano de Tal, Beltrano e Cicrano, citados anteriormente. É impressionante como os casos de genialidade estão sempre ligados a uma vida curta, a problemas psicológicos, relacionais e neurológicos. Grande parte dos gênios também ficam conhecidos pela esquisitice, pelas mania ou pelo isolamento no fim da vida. Só para retomar o ramo das finanças, lembremos o magnata do Petróleo, John Davison Rockefeller, que fez fortuna do nada e morreu isolado em um quarto de hotel. Como o Michael Jackson, tinha lá seus transtornos obsessivos e abominava o contato físico com quem quer que fosse.

Esquisitices e manias à parte, ainda há a galeria dos atormentados e angustiados gênios suicidas: Ernest Hemingway, Van Gogh, Maiakóvski, Virginia Woolf, Gérard de Nerval etc. Procuro a listinha de suicidas na internet e me deparo com um fato curioso: a maioria dos suicidas famosos enumerados são artistas. O que me leva a crer que ou o suicídio de cientistas não dá ibope, ou cientistas não se suicidam. Motivada pela curiosidade, fuço um pouco mais sobre o assunto e descubro que uma pesquisa da Universidade de Munique examinou 290 pessoas e encontrou uma correlação entre o suicídio e a existência de uma versão "mais curta" de um gene específico. Segundo essa pesquisa, pessoas que apresentam um tal de "alelo S" têm um risco de 2 a 3 vezes superior de cometerem suicídio do que os que apresentam um outro tipo de alelo, chamado "L". Faltou sugerir aos pesquisadores que investigassem uma relação entre a presença do alelo "S" e o nível de inteligência artística de cada suicida potencial. Bom, mas eu não tenho a menor aptidão para os tubos de ensaio e, quiçá, eu fizesse melhor em ficar quieta do outro lado, o das cobaias.

Autismo, paranoia, mania e depressão me parecem um preço considerável pela inteligência exacerbada. Mas, nesses casos, quem paga é o próprio dono da inteligência. Quando o assunto é a psicopatia ou a sociopatia alheia, entretanto, a conta é dividida pela sociedade. É aí que mora o perigo.

Investigadores da polícia norte-americana que estudam a mente de serial killers dizem que eles têm uma inteligência interpessoal bastante desenvolvida. Assim como os psicopatas, um serial killer ― sociopata inclinado às perversões ― tem uma excelente capacidade de observação, sabe ser simpático, fala o que os outros querem ouvir e percebe as fraquezas de seus interlocutores. Por tudo isso, podem ser considerados extremamente inteligentes. O problema, segundo os investigadores, é uma disfunção patológica que dissocia as ações da capacidade de identificação emocional com as outras pessoas. Daí a idéia de que um psicopata é frio, calculista e tem nervos de aço. Culpa, então, é um termo que, definitivamente, não faz parte de seu vocabulário.

Que seja um baldinho ou um baldão. O uso que cada um faz de sua herança genética só deixa de ser uma escolha quando há disfunções patológicas na jogada. Mas se elas não existem, a gente tem mais é que agradecer o que tem e se dedicar a encher o nosso recipiente ao longo da vida. Vai que isso ajuda a dar uma alargadinha na capacidade do balde que deixaremos para os nossos filhos...


Pilar Fazito
Belo Horizonte, 2/11/2009

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COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
2/11/2009
01h57min
Oi, Pilar. Antes de tudo, parabéns pela coluna e coisa e tal. Começo com um comentário sobre o final: a ausência de culpa em um serial killer evoca um problema filosófico antigo - o da distinção mente/cérebro: é o estado mental - o que pensamos, nossas escolhas etc. - que determina o que está acontecendo no cérebro, ou o contrário? Existiriam duas substâncias - mente e matéria? A metáfora que Rorty propõe para resolver o dilema é interessante: pense que o cérebro é o hardware e a mente o software e pronto. Por último, eu, estudante de física, tenho dificuldades em aceitar que a inteligência associada à física e até a matemática é "lógica", associando-a assim um tipo de inteligência diferente da solicitada de um estudante de filosofia, letras ou música. Para Poincaré, por exemplo, cabe à intuição o papel de criação da física e da matemática. No mais, abraços.
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