O ano do Nobel a Vargas Llosa e do livro digital | Marcelo Spalding | Digestivo Cultural

busca | avançada
84380 visitas/dia
2,0 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Novo livro de Nélio Silzantov, semifinalista do Jabuti de 2023, aborda geração nos anos 90
>>> PinForPeace realiza visita à Exposição “A Tragédia do Holocausto”
>>> ESTREIA ESPETÁCULO INFANTIL INSPIRADO NA TRAGÉDIA DE 31 DE JANEIRO DE 2022
>>> Documentário 'O Sal da Lagoa' estreia no Prime Box Brazil
>>> Mundo Suassuna viaja pelo sertão encantado do grande escritor brasileiro
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
>>> Soco no saco
>>> Xingando semáforos inocentes
>>> Os autômatos de Agnaldo Pinho
>>> Esporte de risco
>>> Tito Leite atravessa o deserto com poesia
>>> Sim, Thomas Bernhard
Colunistas
Últimos Posts
>>> Glenn Greenwald sobre a censura no Brasil de hoje
>>> Fernando Schüler sobre o crime de opinião
>>> Folha:'Censura promovida por Moraes tem de acabar'
>>> Pondé sobre o crime de opinião no Brasil de hoje
>>> Uma nova forma de Macarthismo?
>>> Metallica homenageando Elton John
>>> Fernando Schüler sobre a liberdade de expressão
>>> Confissões de uma jovem leitora
>>> Ray Kurzweil sobre a singularidade (2024)
>>> O robô da Figure e da OpenAI
Últimos Posts
>>> Salve Jorge
>>> AUSÊNCIA
>>> Mestres do ar, a esperança nos céus da II Guerra
>>> O Mal necessário
>>> Guerra. Estupidez e desvario.
>>> Calourada
>>> Apagão
>>> Napoleão, de Ridley de Scott: nem todo poder basta
>>> Sem noção
>>> Ícaro e Satã
Blogueiros
Mais Recentes
>>> O dinossauro de Augusto Monterroso
>>> Marketing de cabras
>>> Simplesmente tive sorte
>>> Sete tecnologias que marcaram meu 2006
>>> Maria Helena
>>> Sombras
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Aconselhamentos aos casais ― módulo II
>>> Perfil (& Entrevista)
>>> Entrevista a Ademir Pascale
Mais Recentes
>>> Dylan Dog - Nova Série nº 4 de Recchioni. Stano e Bigliardo pela Júlio Schneider (2019)
>>> Televisão e Psicanálise de Muniz Sodré pela Ática (2003)
>>> Os Pilares da Terra de Ken Follett pela Rocco (2012)
>>> As Flores Falam de Val Armanelli pela Independente (2018)
>>> Las Mejores Intenciones de Ingmar Bergman pela Fabula Tusquets Editores (1992)
>>> The Best Intentions: a novel de Ingmar Bergman pela Arcade (1993)
>>> Tell Everyone de Rosana Solter pela Caramure (2022)
>>> Coleção Sobrenatural: Vampiros de Duda Falcão (org.) pela Avec (2015)
>>> Poemas humanos. España, aparta de mí este cáliz de César Vallejo pela Laia Literatura (1985)
>>> Sítios Arqueológicos Brasileiros de Cristiane de Andrade Buco pela Editora Brasileira (2014)
>>> Ven 1 - Libro de Ejercicios de F. Castro, F. Marin, R. Morales e S. Rosa pela Edelsa (1997)
>>> Paris s`affiche (bilíngue - inglês e francês) de Aurélie Druart pela Intemporel (2006)
>>> Mapping Arab Women`s Movements de Pernille Arenfeldt e Nawar Al-Hassan Golley pela Cairo Press (2012)
>>> As Parceiras de Lya Luft pela Siciliano (1990)
>>> Apontamentos de Viagem de J. A. Leite Moraes pela Companhia das Letras (1995)
>>> Em Busca do Tempo Perdido vol 5 de Marcel Proust pela Nova Fronteira (2014)
>>> A Saga da Liga da Justiça vol. 8 de Grant Morrison e Howard Porter pela Panini (2023)
>>> Batsquad nº 1 de Chuck Dixon. Rick Leonardi pela Abril (2002)
>>> Open Source de Alice Vieira pela Penalux (2018)
>>> Tutto Tex nº 339 (italiana) de C. Nizzi e A. Galleppini pela Sergio Bonelli Editore (2001)
>>> A Pata da Gazela de José de Alenca pela Edições de Ouro
>>> Métaphysique des Tubes de Amélie Nothomb pela Le Livre de Poche (1999)
>>> Dario Argento e seu mundo de horror de Maro Abbade (org.) pela Central das Artes (2011)
>>> Arte para Jovens - Ave Jorge de Antonio Maia e Ziraldo pela Berlendis & Vertecchia (1997)
>>> O Velho Mundo desce aos Infernos de Dolf Oehler pela Companhia das Letras (200)
COLUNAS >>> Especial Melhores de 2010

Sexta-feira, 31/12/2010
O ano do Nobel a Vargas Llosa e do livro digital
Marcelo Spalding
+ de 4300 Acessos

Dois mil e dez chega ao fim com uma farta lista de acontecimentos, da eleição de Dilma ao resgate dos mineiros no Chile, da ocupação dos morros no Rio ao título mundial da Espanha, mas no mundo da cultura e da tecnologia poderíamos dizer que o maior acontecimento é o surgimento do iPad, o novo aparelho da Apple lançado em janeiro de 2010 e que em pouco tempo tornou-se sinônimo de tablet, bagunçou o mercado de desktops e notebooks e reinventou o que temos chamado de livro digital.

Já havia leitores de livros digitais, aparelhos que tentavam em tudo ser igual ao livro, agregando uma ou outra vantagem aqui e ali. Mas o tablet vai além, aliando o formato e a portabilidade do impresso às inúmeras ferramentas da Era Digital, como a interatividade, a multimídia, a conectividade. Alice no País das Maravilhas para iPad já é um clássico pela animação cinética, ainda que um clássico ultrapassado tamanha a gama de possibilidades abertas pelo novo equipamento do Midas Jobs. Finalmente, o tempo dos livros em PDF chamados de e-book pode estar com os dias contados.

Na contramão, outro acontecimento de 2010 foi o Prêmio Nobel de Literatura para Mario Vargas Llosa, romancista peruano, o quinto (de 107!) para um latino-americano. Vargas Llosa estreou na literatura em 1959, com Os chefes, mas foi a partir de 1963, com o premiado Batismo de Fogo, que se tornou mundialmente conhecido. Ao lado de Gabriel García Márquez, tornou-se ícone do chamado realismo mágico no boom do romance latino-americano da metade do século XX, revelando um pedaço do mundo até então exótico e desconhecido aos eurocêntricos intelectuais de então.

Podemos citar, entre suas obras mais conhecidas, Pantaleão e as visitadoras (1973), Tia Júlia e o escrevinhador (1977), A Guerra do Fim do Mundo (sobre a Guerra de Canudos, 1981), Cartas a um jovem escritor (1997) e Travessuras da menina má (2006). No belo Cartas a um jovem escritor (Elsevier, 2006, 182 págs.), Vargas Llosa fala do texto, da concepção de romance como arquitetura, esquema narrativo, chegando a afirmar que nenhum romancista obteve sucesso fulminante, todos foram frutos de anos de disciplina e perseverança.

Disciplina e perseverança são a marca de Travessuras da menina má (Alfaguara, 2006, 304 págs.), recente romance de formação do peruano. A obra traz um narrador em primeira pessoa, Ricardo Somocurcio, intérprete e tradutor apresentado em diferentes fases de sua vida, nos mais variados cantos do mundo, sempre apaixonado pela tal menina má. No primeiro capítulo, Ricardo é um pré-adolescente de Lima, Peru, encantado por uma menina que se diz chilena e, ao final, revela-se uma pobre peruana querendo se passar por chilena. Seu sonho desde pequeno é viver em Paris, e já no segundo capítulo Ricardo está em Paris tentando a vida como intérprete e tradutor, quando casualmente encontrará novamente seu primeiro amor. Entre encontros e desencontros, passam por Londres, Tóquio, Madrid e Paris novamente.

A volta ao mundo que o romance promete (e cumpre), associada à sensação de perda da identidade do protagonista ― "durante as semanas que permaneci no Peru fui abatido por uma sensação opressiva e me senti órfão no meu próprio país" ― estão em absoluta sintonia com os temas preferidos dos acadêmicos contemporâneos, e é sintomático que depois desse romance o peruano tenha sido lembrado por uma academia que há mais de vinte anos premiara seu contemporâneo García Márquez.

Não que Travessuras da menina má seja um grande romance. A bagagem histórica e cultural do narrador e a visão panorâmica do nosso breve século XX permitem comentários e reflexões precisos sobre a política peruana ou a sociedade europeia, com claros reflexos no mundo todo, como nesta bela síntese sobre o surgimento dos hippies: "Na segunda metade dos anos 60, Londres substituiu Paris como a cidade das modas que, partindo da Europa, se espalhavam pelo mundo. A música substituiu os livros e as ideias como centro de atração para os jovens, principalmente a partir dos Beatles, mas também de Cliff Richard, Shadows, Rolling Stones com Mick Jagger e outras bandas e cantores ingleses, e dos hippies e a revolução psicodélica dos flower children. Assim como antes iam fazer a revolução em Paris, muitos latino-americanos emigraram para Londres e se alistaram nas hostes da cannabis, da música pop e da vida promíscua. Carnaby Street substituiu Saint Germain como umbigo do mundo. Em Londres nasceram a minissaia, os cabelos compridos e as roupas extravagantes que consagraram as músicas "Hair" e "Jesus Christ Superstar", a popularização das drogas, a começar pela maconha indo até o ácido lisérgico, a fascinação pelo espiritualismo hindu, o budismo, a prática do amor livre, a saída do armário dos homossexuais e as campanhas de orgulho gay, assim como uma rejeição em bloco do establishment burguês, não em nome da revolução socialista, à qual os hippies eram indiferentes, mas sim de um pacifismo hedonista e anárquico, matizado pelo amor à natureza e aos animais por uma renegação da moral tradicional".

A história, entretanto, é pueril, calcada num amor incondicional e inverossímil e numa perspectiva estereotipada e machista. Ricardo, o homem, é fiel, romântico, dedicado, apaixonado, capaz de tudo por aquela que foi seu primeiro amor na adolescência, e o encontrará outras tantas vezes ao longo da vida. A menina má, a mulher, é sedutora, manipuladora, interesseira, fria. Má, como resume o título.

Evidentemente, não podemos esquecer a perspectiva de um narrador em primeira pessoa, contando sua versão dos fatos em retrospectiva, como o Bentinho machadiano do século retrasado ou o Humbert de Lolita, do século passado. Ainda assim a previsibilidade das personagens, a desmedida do amor de Ricardito e a singeleza do final do romance comprometem a obra, especialmente se lidas a partir de suas próprias considerações sobre o romance: "A ficção", escreve em Cartas a um Jovem Escritor, "é uma mentira que encobre uma verdade profunda, é a vida que não foi, a que os homens e mulheres de determinada época quiseram levar e não levaram, precisando, por isso, inventá-la".

Talvez por tentar abraçar o mundo e metade do século é que tenha faltado essa verdade profunda aos protagonistas de Travessuas da menina má, ainda mais se comparado aos clássicos de Vargas Llosa, como Pantaleãon e as visitadoras, de 1973, em que a hipocrisia e a crise de valores da sociedade peruana (clérigo, militares, imprensa) são representadas em um curioso batalhão de prostitutas.

De qualquer forma, o Nobel para um romancista que ao longo de sua trajetória não se furtou a representar as mazelas políticas e sociais, um latino-americano em permanente diálogo com os escritores brasileiros deve ser saudado como um acontecimento no ano do iPad.


Marcelo Spalding
Porto Alegre, 31/12/2010

Quem leu este, também leu esse(s):
01. País do Carnaval II de Sergio Faria


Mais Marcelo Spalding
Mais Acessadas de Marcelo Spalding em 2010
01. O hiperconto e a literatura digital - 8/4/2010
02. A quem interessa uma sociedade alienada? - 2/9/2010
03. Free: o futuro dos preços é ser grátis - 11/11/2010
04. Bastardos Inglórios e O Caso Sonderberg - 27/5/2010
05. O espiritismo e a novela da Globo - 30/9/2010


Mais Especial Melhores de 2010
* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




A Hora Azul
Alonso Cueto
Objetiva
(2006)



Pequeno Livro da Alegria
Victor Mirshawka Junior
Dvs
(2013)



O Mal de Lázaro
Krishna Monteiro
Tordesilhas
(2018)



O Brasil Cruel e sem Maquiagem
Hélio Bicudo
Moderna
(2000)



O Discurso Oral Culto
Beth Brait / Dino Preti / e Outros
Humanitas / Usp
(1997)



Segredos da Cozinha 2
Silvia Bruno Securato/ Denise Ayres
Oficina do Livro
(2010)



Paradoxo global
John Naisbitt
Campus
(1991)



Alice no País dos Espelhos
Lewis Carroll
Martin Claret
(2009)



Para Viver Um Grande Amor: Crônicas E Poemas.
Vinicius De Moraes
Companhia Das Letras
(2007)



Wizard Brasil 35
Wizard
Panini Comics
(2006)





busca | avançada
84380 visitas/dia
2,0 milhão/mês