Quem tem medo de Gerald Thomas? (Parte I) | Jardel Dias Cavalcanti | Digestivo Cultural

busca | avançada
63387 visitas/dia
2,0 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Terminal Sapopemba é palco para o evento A Quebrada É Boa realizado pelo Monarckas
>>> Núcleo de Artes Cênicas (NAC) divulga temporada de estreia do espetáculo Ilhas Tropicais
>>> Sesc Belenzinho encerra a mostra Verso Livre com Bruna Lucchesi no show Berros e Poesia
>>> Estônia: programa de visto de startup facilita expansão de negócios na Europa
>>> Água de Vintém no Sesc 24 de Maio
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
>>> Soco no saco
>>> Xingando semáforos inocentes
>>> Os autômatos de Agnaldo Pinho
>>> Esporte de risco
>>> Tito Leite atravessa o deserto com poesia
>>> Sim, Thomas Bernhard
Colunistas
Últimos Posts
>>> Glenn Greenwald sobre a censura no Brasil de hoje
>>> Fernando Schüler sobre o crime de opinião
>>> Folha:'Censura promovida por Moraes tem de acabar'
>>> Pondé sobre o crime de opinião no Brasil de hoje
>>> Uma nova forma de Macarthismo?
>>> Metallica homenageando Elton John
>>> Fernando Schüler sobre a liberdade de expressão
>>> Confissões de uma jovem leitora
>>> Ray Kurzweil sobre a singularidade (2024)
>>> O robô da Figure e da OpenAI
Últimos Posts
>>> AUSÊNCIA
>>> Mestres do ar, a esperança nos céus da II Guerra
>>> O Mal necessário
>>> Guerra. Estupidez e desvario.
>>> Calourada
>>> Apagão
>>> Napoleão, de Ridley de Scott: nem todo poder basta
>>> Sem noção
>>> Ícaro e Satã
>>> Ser ou parecer
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Entrevista com André Fonseca
>>> O bom crioulo
>>> Canarinho velho e pessimista
>>> Precisamos falar sobre Kevin
>>> Guia para escrever bem ou Manual de milagres
>>> O Presépio e o Artesanato Figureiro de Taubaté
>>> A lei da palmada: entre tapas e beijos
>>> A lei da palmada: entre tapas e beijos
>>> A importância do nome das coisas
>>> Latrina real - Cidade de Deus
Mais Recentes
>>> Felpo Filva de Eva Furnari pela Moderna (2001)
>>> Crepúsculo dos Deuses de Robson Pinheiro pela Casa dos Espíritos (2010)
>>> Diagnostico Bucal de Silvio Boraks pela Artes Medicas (1996)
>>> A Construção Social Da Realidade de Peter L. Berger - Thomas Luckmann pela Vozes (1996)
>>> Playboy Edição Colecionador- 1975 -2003 - A História da Revista Em 337 Capas de Revista Playboy pela Abril (2003)
>>> Revista Sexy - Mari Alexandre - Outubro 1994 de Revista Sexy pela Abril (1994)
>>> Radiologia Odontológica de Aguinaldo de Freitas - José Edu Rosa - Icléo Faria pela Artes Medicas (1994)
>>> Dentística - Procedimentos Preventivos E Restauradores de Baratieri Cols pela Quintessence Books - Santos (1996)
>>> Histologia Básica de Junqueira e Carneiro pela Guanabara Koogan (1995)
>>> O Livro da Psicologia de Clara M. Hermeto e Ana Luisa Martins pela Globo (2012)
>>> Mulheres Públicas de Michelle Perrot pela Unesp (1998)
>>> Alma de Luz - Obras de Arte para a Alma de Joma Sipe pela Pensamento (2014)
>>> Além do Divã - Um Psicanalista Conversa Sobre o Cotidiano de Antonio Luiz Serpa Pessanha pela Casa do Psicólogo (2004)
>>> Brasil: Uma Biografia de Lilia M. Schwarcz e Heloisa M. Starling pela Companhia das Letras (2015)
>>> Lavoura Arcaica de Raduan Nassar pela Companhia das Letras (1997)
>>> O Diário de Anne Frank (Capa Dura) de Anne Frank pela Record (2015)
>>> Mapas Estratégicos de Robert S. Kaplan e David P. Norton pela Campus / Elsevier (2004)
>>> Perdoar Amar Agradecer de Carmen Mendes pela Luz da Serra (2022)
>>> O Anjo Pornográfico - A Vida de Nelson Rodrigues de Ruy Castro pela Companhia das Letras (2013)
>>> Livro Pena de morte - Coleção Lazuli de Maurice Blanchot pela Imago (1991)
>>> Livro A Colônia das Habilidades de Liriane S. A. Camargo pela Rima (2015)
>>> Memórias de Vida, Memórias de Guerra de Fernando Frochtengarten pela Perspectiva (2005)
>>> Os Segredos da Maçonaria de Robert Lomas pela Madras (2015)
>>> Livro Como Elaborar Projetos De Pesquisa de António Carlos Gil pela Atlas (1993)
>>> Incríveis Passatempos Matemáticos de Ian Stewart pela Zahar (2010)
COLUNAS

Terça-feira, 12/7/2011
Quem tem medo de Gerald Thomas? (Parte I)
Jardel Dias Cavalcanti
+ de 4900 Acessos

Em uma entrevista há muitos anos atrás, Gerald Thomas acendeu um cigarro e, citando Mallarmé, disse para a jornalista: "eu preciso de uma cortina de fumaça entre eu e o mundo". Esse filtro entraria para a própria linguagem do seu teatro, na forma da cortina de filó como metáfora do impedimento da possibilidade de um entendimento direto e objetivo do que ali se vê. Seu teatro dialogoa com a frase de Mallarmé: "Nommer um object c´est supprimer les trois quarts de la jouissance".

Aviso aos navegantes: Gerald Thomas, antes de tudo, não é um encenador de teatro tradicional. Partindo disso, não se pode avaliar seu trabalho sob as rédeas de um olhar tradicionalista, cartesiano, aristotélico. Se o público não consegue digerir o inusitado, que leia ao menos A obra aberta, de Umberto Eco, e atente-se aos comentários sobre Webern, Berio, Mallarmé e Finnegans Wake de Joyce, Stockhausen e Calder.

Gerald faz um teatro de significados abertos, uma espécie de work in progess. Seus mestres são Beckett, Artaud, Joyce, Duchamp, John Cage, Haroldo de Campos, Andy Warhol, Francis Bacon, Rembrandt, Schoenberg, Luciano Berio, Bunüel e por aí vai - todos libertários e transgressores.

Gerald Thomas e Samuel Beckett em Paris

Sua busca sempre foi "por um teatro imagístico, visionário, abstrato, de metáforas visuais e sensoriais", como ele mesmo disse. Se o público não se deixar atingir pelo poder das "metáforas visuais" do seu teatro não entenderá nada mesmo e perderá o que é precioso e único na força do seu trabalho. É o que o diferencia do teatro "falado", "verborrágico", que se apresenta por aí. Para ele, o teatro é o lugar da arte total, no sentido wagneriano mesmo, onde tanto a luz, como as palavras, os gestos e a música são personagens integrados na criação das "metáforas visuais".

Gerald não ignora o que acontece no mundo: "eu não posso ignorar nada", ele disse ao programa Starte, ao incorporar dia a dia elementos das tensões internacionais atuais ao seu trabalho Trhoats. Como ele se transforma a cada salto que o mundo dá, seu teatro vai junto. Work in progress. Se o mundo é confusamente recriado a cada dia, porque o teatro mascararia isso inventando uma ordem, uma beleza, uma harmonia falsas? Diz Gerald: "A arte impura é justamente onde vejo a beleza. Pureza é uma noção besta, infantil, quase nazista do estado das coisas". O que ele quer (e diz isso sem pudor) é "poluir ao máximo a falsidade perversa escondida atrás do terrível conceito de pureza".

Seu trabalho com os atores é radical, no sentido de desconstrução das técnicas aprendidas na tradição do corpo que cospe textos. Retornando o corpo e a fala dos atores a um estado de pânico inicial, desconfortável, mas alerta, Gerald rompe com o sentido imediatamente dado pela gramática às palavras, buscando o seu sentido mais onomatopaico e concreto.

"Se um espetáculo meu significar uma única coisa eu me retiro de cena ou me suicido", diz Gerald. A língua é fascista, avisava Barthes, porque é o código da lesgislação que é a linguagem. Mas a criação não, pois nela se pode trapacear com a língua. É a arte que desconfigura o discurso oficial da língua, da gramática, do poder. É a arte que "inventa línguas na malícia da maravilha", como diz Caetano Veloso. O teatro de Gerald escapa da "língua fascista" como o diabo da cruz: ele busca destruir os chavões dos significados esperados.

Como artista de vanguarda que é, Gerald Thomas mostrou a bunda para o público carioca que o vaiou por ter colocado Tristão e Isolda no gabinete do Dr. Sigmund Freud (Gerald admira Freud, mas também O anti-édipo de Deleuze/Guatarri). Foi processado por uma elite carioca para lá de conservadora, em arte e moralmente (o que nos deixa pasmos!). Atentado ao pudor? Sim, moral e estético. Depois dos mestres da desconstrução, quem ainda tem medo de Gerald Thomas?

Muitas outras vezes vaiado, ele diz: "eu sou muito orgulhoso das vaias que recebi". Gerald não mede seu teatro apenas pelos elogios que recebe, mas pelas críticas que o faz reavaliar sempre seu próprio trabalho. Por isso sua angústia, seu desejo, às vezes, de parar. Mas, não parará nunca, pois incomodado que é pelo mundo, quer incomodar também o mundo.

Gerald publicou neste ano o livro Nada prova nada!, pela Ed. Record, onde, numa série de artigos publicados em jornais e no seu blog, expõe suas idéias sobre afetos artísticos com textos sobre Susan Sontag, Beuys, Kazuo Ohno, John Lennon, Beckett, Cage, Arthur Miller e outros. Também apresenta-se ali um olhar caleidoscópio sobre fatos do mundo contemporâneo, da política às perversidades do capitalismo. Há no livro uma belíssima apresentação do músico Philip Glass, com quem Gerald tem trabalhado desde sua ópera Matogrosso. Não é um livro escrito sob a ótica da análise fria dos fatos, ali transborda revolta, insatisfação, angústias pessoais e sociais. Livro que nos trás de volta a uma clave próxima à perplexidade crítico-emotiva de um Glauber Rocha (e tantos outros artistas afetados) com "as dores do mundo".

Angustiado com os rumos da arte em tempos de "meia-verdades", ainda em uma entrevista ao Starte, da Globo News, Gerald diz: "Hoje em dia não se faz teatro. O teatro não é um elemento de necessidade, de urgência. Porque o teatro é geralmente um lugar onde você pode fritar os testículos no momento em que nenhuma mídia permite que você se expresse. Hoje em dia através da internet você pode falar o que você quiser. Então, o teatro não é um veículo organicamente necessário".

Talvez ele nem acredite nisso que falou, pois seu teatro continua cruel, visceral, neo-barroco (veja-se o uso dramático da luz, esse personagem tão caro a Rembrandt e Caravaggio), dizendo mais intensamente no palco aquilo que não se pode dizer na internet.

No próximo texto, farei uma análise do percurso do teatro de Gerald Thomas, suas influências estéticas e suas principais idéias sobre a arte de encenar, para que o leitor do Digestivo possa ter contato com a arte daquele que Haroldo de Campos chamou de "o mais importante criador de teatro no Brasil depois de Nelson Rodrigues, do Zé Celso do "Rei da Vela" e de Antunes Filho de "Macunaíma".


Jardel Dias Cavalcanti
Londrina, 12/7/2011

Quem leu este, também leu esse(s):
01. A selfie e a obsolescência do humano de Marta Barcellos
02. A resistência, de Ernesto Sabato de Rafael Rodrigues
03. Notícias do fim-do-mundo de Daniela Sandler
04. O Papel do Produtor de Juliano Maesano


Mais Jardel Dias Cavalcanti
Mais Acessadas de Jardel Dias Cavalcanti em 2011
01. Picasso e As Senhoritas de Avignon (Parte I) - 20/12/2011
02. A arapuca da poesia de Ana Marques - 22/11/2011
03. Wagner, Tristão e Isolda, Nietzsche - 13/9/2011
04. Discos de MPB essenciais - 14/6/2011
05. Marcel Proust e o tempo reencontrado - 6/12/2011


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Expressions et Locutions
Alain Rey e Sophie Chantreau
Le Robert
(2007)



História e Cultura Afro-brasileira e Africana na Escola
Vários Autores
Ágere
(2008)



O Éthos dos Romances de Machado de Assis
Dilson Ferreira da Cruz
Edusp
(2009)



Livro Infanto Juvenis Segunda Divisão
Lamparina
Lamparina
(2005)



O Homem Como Invenção de Si Mesmo
Ferreira Gullar
José Olympio
(2012)



Anjos e Demônios: a primeira aventura de Robert Langdon
Dan Brown
Sextante
(2004)



Livro Ensino de Idiomas Oliver Twist Intermediate
Charles Dickens
Heinemann Elt
(1993)



A Ilha da Relíquia Sagrada
Marcello Simoni
Jangada
(2017)



Esoterismo a Luz do Espiritismo
João Augusto Leonesy Pontes
Sem
(1994)



Cries From the Heart Stories From Around the World
Jennifer Bassett
Oxford Booksworms
(2004)





busca | avançada
63387 visitas/dia
2,0 milhão/mês