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Quarta-feira, 2/4/2014
A Marcha da Família: hoje e em 1964
Humberto Pereira da Silva
+ de 3900 Acessos

Foto de página do Facebook "Eu nasci para ser polícia"

1.
Em 19 de março de 1964, a União Cívica Feminina, um grupo de mulheres ligadas a empresários paulistas, esteve à frente da "Marcha da Família Com Deus pela Liberdade". A caminhada de protesto pelas ruas de São Paulo foi convocada como resposta ao comício do presidente João Goulart, de 13 de março no Rio de Janeiro, no qual Jango defendeu um amplo programa de reformas de base - o que mais inflava os ânimos era o movimento pela reforma agrária, reivindicação das Ligas Camponesas. Para os organizadores da marcha de 64, o governo Goulart era uma ameaça comunista; na sequência dos eventos, respaldados por manifestações como a que ocorreu nas ruas paulistas, os militares destituíram o governo de Jango em 31 de março.

Num clima marcado pela lembrança dos 50 anos do golpe de 64, no último 22 de março foi convocada pelo Facebook uma nova "Marcha da Família" por segmentos descontentes com a condução da política atual. Organizada e realizada novamente em São Paulo, a marcha atual percorreu o mesmo trajeto da de 64: da Praça da República até a Praça da Sé. Como em 1964, os manifestantes de agora pedem uma intervenção militar para retirar do poder "políticos corruptos, moralizar os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, promover valores morais e convocar novas eleições". A palavra de ordem dos que aderiram ao chamado e percorreram as ruas de São Paulo no último 22 de março foi: "Fora PT! Não queremos eleição, queremos intervenção militar".

2.
Conquanto cálculo de presentes em manifestações seja obra de ficção, a "Marcha da Família" em 64 teria reunido 500 mil pessoas, já a atual, num balanço otimista para os organizadores, quatro mil. Obra de ficção ou não, para os cálculos mais otimistas, uma desproporção enorme; tanto mais se se comparar com o crescimento populacional de São Paulo nesses cinquenta anos. A se considerar, ainda, que convocada pelo Facebook, quase sete mil pessoas haviam sido convidadas. A comparação de dados apontaria para um fiasco na manifestação recente; mesmo com o poder das redes sociais, uma manifestação esvaziada, um punhado de gente se expondo de maneira patética, com gritos de palavras de ordem sem eco. Assim se manifestaram - também por recorrência ao Facebook - muitos que veem os anos de ditadura militar como uma nuvem em nossa história. Não obstante, é ingenuidade concluir que a mera quantidade implica em fiasco, que afetaria o moral de meia dúzia de gatos pingados que saiu às ruas para pedir a volta da ditadura, quando se tem em vista seus potenciais efeitos.

3.
"A história acontece pela primeira vez como tragédia, já a segunda como farsa"; esse enunciado bem conhecido de Karl Marx, publicado em "O 18 Brumário de Luis Bonaparte" (1852), refere-se ao golpe de Estado que Luis Bonaparte deu em 2 de dezembro de 1851, exatamente 47 anos depois da coroação de seu tio, Napoleão Bonaparte, como imperador da França. Anos antes de se tornar imperador, Napoleão havia dado um golpe de Estado em 1799. No calendário que havia sido adotado após a revolução de 1789, a data corresponde ao dia 18 do mês de brumário. Ao chamar a obra de "O 18 Brumário de Luis Bonaparte", Marx indica que o golpe dado por Luis Bonaparte, Napoleão III, era apenas uma cópia do que fora dado pelo seu tio. Ao evocar Marx aqui, e sabermos dos rumos do golpe de Napoleão III, inegável notar a ironia na "Marcha da Família" cinquenta anos depois.

4.
Muitos foram pegos de surpresa com as manifestações de junho do ano passado. Avaliar o teor dos acontecimentos no calor da hora foi uma aposta sem qualquer garantia de êxito. Hoje, no entanto, inegável ponderar que as manifestações do ano passado estão na origem de eventos como esse de 22 de março último. Inegável ponderar, igualmente, sobre as eleições marcadas para o final do ano. Sem que houvesse propriamente violência ou confrontos explícitos, as eleições de 1989 - que opôs no segundo turno Fernando Collor e Lula - foram marcadas por clima tenso, declarações paranoicas (Mario Amato, então presidente da Fiesp, disse que se Lula fosse eleito 500 mil empresários deixariam o país), manipulação de informações por meio de discursos ameaçadores, com acento na destilação de medo coletivo. Desde então, as eleições no Brasil transcorreram com tranquilidade, dentro das regras do jogo, com os candidatos à presidência, principalmente, se movendo nos limites retóricos de uma eleição. Assim, se há um sinal a ser efetivamente extraído da malfadada "Marcha da Família" é que com ela um potencial incomensurável de que as eleições deste ano se realizem sob um clima tenso, com manipulação de informações e paranoias golpistas. O malogro traz um quê de bomba de efeito retardado. De qualquer forma, o rumo dos acontecimentos dirá se tudo não passou de uma risível caminhada de alucinados.

5.
A chegada do PT ao poder em 2002, com a eleição de Lula - assim como as derrotas dos candidatos do PSDB nas eleições seguintes -, exibiu a sensação de fragilidade da oposição. Sem oposição efetiva, o PT alçou ao poder no plano institucional e nada indica que este esteja ameaçado nas eleições de final de ano. De fato, no momento não há candidato que possa fazer frente à eleição de Dilma Rousseff. O que, em condições normais, implica mais quatro anos do PT no poder.

A ineficácia da oposição, contudo, não corresponde à inexistência de insatisfação. Na maneira como esta é canalizada, entra em cena a "Marcha da Família". Em si mesma, seu poder de contágio, agora, é pequeno; desprezá-la completamente, no entanto, é engano. Mais que isso, a "Marcha da Família" é o sinal - pela primeira vez desde a redemocratização - que expressa em público a intenção de saída política para o Brasil pela via da intervenção militar. Por mais folclórico que tenha sido o evento, não se pode esconder que a insatisfação atual levou pessoas à rua para pedir a volta da ditadura.

6.
Um dado que suponho vá ter peso sem igual na eleição presidencial deste ano diz respeito ao papel das redes sociais, mais especificamente do Facebook. A facilidade com que este meio dispõe para manipular informações é desmedida. A cada momento são formados grupos e mais grupos que destilam ódio contra o petismo, com informações não comprovadas que se propagam a velocidade estonteante sobre membros do partido, ações do governo e relações com o poder Judiciário.

Assim, no julgamento deste início de ano o "PT" teria "comprado" novos integrantes que foram indicados para o Supremo Tribunal Federal, a fim de que, no escândalo do mensalão, votassem pela absolvição de formação de quadrilha dos acusados. Assim, malgrado a negação oficial da revista Forbes, circulou que Lula seria detentor de uma fortuna que o colocaria entre os mais ricos do Brasil (fortuna, por suposto, obtida ilegalmente e reconhecida pela Forbes...; vale dizer: onde reside a legitimidade?). São acusações graves por que inseridas num contexto de paranoia, que vitaminam sentimentos de ódio antipetistas fechados para o contraditório.

Fazer circular informações dessa natureza dá o tom de como, do ponto de vista institucional, será difícil lidar com a situação. O caso é que se evidência, de modo sorrateiro, mas com potencial explosivo, uma fratura social com uma intestina guerra de propaganda ideológica. Muitos insatisfeitos com o petismo e a possibilidade de mais quatro anos de Dilma no poder manifestaram que não estão dispostos a aceitar as regras do jogo democrático, e pelo que se viu na marcha fariam uso de todos os meios e armas para que isso não ocorra.

7.
A "Marcha da Família" hoje foi um retumbante fiasco; não creio haver dúvida sobre isso; mas há no ar um clima de histeria que se propaga pelas redes sociais. E não se deve desprezar que a infausta "Marcha da Família" esteja protegida dentro de um ovo; vale dizer: o ovo de uma serpente em formação. Novamente a história nos ensina a respeito: vide o fascismo e suas consequências. Ou os incautos manifestantes da "Marcha da Família" recente creem controlar o desencadear dos acontecimentos num clima de histeria e "purificar" o país? Certo, certo, a "vida na época de ditadura era melhor"; sim, sim, tão boa que golpistas de linha de frente, como Carlos Lacerda, à época governador da Guanabara, foram cassados pela ditadura. Esse dado, que não deve tocar a sensibilidade dos histéricos golpistas de hoje, serve tão somente para lembrar, com os 50 anos de 64, que a História é traiçoeira.


Humberto Pereira da Silva
São Paulo, 2/4/2014

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