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Terça-feira, 7/6/2016
Transformação de Lúcifer, obra de Egas Francisco
Jardel Dias Cavalcanti
+ de 4100 Acessos




“Havia sempre em meu espírito algo a tirar de si um grande oposto.” (Byron)

O pintor paulista Egas Francisco criou, em 1988, uma de suas mais fascinantes e perturbadoras pinturas. Trata-se da obra denominada "Transformação de Lúcifer".

Na tela aparecem duas figuras envoltas e sustentadas por uma densa e ricamente movimentada massa pictural. Em termos de contrastes de cores, a tela divide-se em duas partes: de um lado, à esquerda, predomina a cor branca, através do qual o personagem infantil é criado e sobre o qual é amparado; do outro lado, à direita, um grande fluxo de cores (que vão do roxo ao amarelo, laranja e vermelho) aparece através de densas pinceladas que modelam e reforçam a escuridão na parte de cima da tela. Essa escuridão parece querer sugar para dentro de si tudo o que está dentro da tela.

Nas telas de Egas, de uma forma geral, a energia que brota do uso das cores e da movimentação das pinceladas nunca é tranquila, ao contrário, constitui-se como um grupo de forças que se opõem num enfrentamento que revela/desvela a natureza dos conteúdos de suas obras.

É o caso de Transformação de Lúcifer. Aqui, uma criança que é representada através de um amplo uso da cor branca, com traços e constituição suave, encontra-se acomodada sobre uma pastosa massa de tinta também branca. Pequenos sombreamentos da cor permitem perceber seus traços. Ao seu lado, de forma contrastante com a primeira figura, surge um ser desfigurado, numa insurgente aparição fantasmagórica. Ao contrário das pinceladas mais delicadas que constituem a primeira figura, esta se apresenta de forma mais desfigurada, através de uma movimentação mais inquieta e frenética das cores e das formas.

Há uma concentração de cores escuras que estão na tela sugando e fazendo esvair-se a força que poderia constituir o personagem infantil. Se observarmos a mutação das cores, partindo do menino em branco até o alto, no lado oposto da tela, percebemos que há ali uma espécie de instância sugadora que é formada por esta concentração movimentada de formas e cores mais escuras que criam uma espécie de zona tenebrosa: o destino?

Essa mudança das cores mais claras para as mais escuras é que nos transmite essa dimensão da mutação da criança em adulto. Nosso olho caminha pela tela partindo do branco da criança, depois passando pelas partes claras do corpo de Lúcifer, que vai ganhando mais cores na cabeça, até a densa matéria escura que surge atrás dele. É esse caminhar visual que nos proporciona a sensação das zonas obscuras do espírito da personagem central da tela. Egas, nesse sentido, é um grande mestre na arte de produzir efeitos subjetivos através dos deslocamentos de massas e cores dentro de suas telas.

A pureza do universo infantil pode ser percebida no uso da cor branca, símbolo da leveza e ausência de mácula, perceptível na lívida palidez de sua face, e pela inocente sensualidade do corpo despojado de tensões. A abjeção é, por sua vez, representada pela tensão pastosa da pincelada que cria a figura que está ao lado, com uma face de aspecto fero que insinua um traço perverso ou espectral, como um ser dotado de força maléfica.

As duas figuras se olham. A criança vê materializar-se o terrível destino que a aguarda; Lúcifer se põe diante do universo de sua perda inevitável. Não podemos saber ao certo o quanto há de terror no encontro desses olhos. Parafraseando Baudelaire, os olhos de Lúcifer observam a criança como um animal feroz que a vítima vigia, após havê-la antes marcado com os dentes. Pressentimos que no fundo deste embate há qualquer coisa de ardente e triste. Isso é provocado no quadro pelo amplo uso do roxo que domina parte da tela. E a partir desta percepção sabemos que o demônio celerado da idade adulta precipitará a inocência no mais profundo abismo da danação.

Na tela aparece tanto o lado luminoso como o lado tenebroso da condição humana. E a confrontação desses universos encontra a sua expressão na oposição das cores, que modelam os personagens, e na forma com a qual as pinceladas atingem a tela, com extrema violência.

Há uma tensão dramática nesta obra que provém de seu tema-limite: a inevitável perversão do Ser que ocorre durante a transformação da criança em adulto. Aqui as duas figuras são uma só, uma como devir da outra. A criança e seu espelho futuro: a perda da inocência e o mergulho no seu destino que é tornar-se um adulto abjeto.

Se essa perda da inocência fosse tratada pelo artista como um tema de natureza bíblica poderia encontrar dentro da tela sua redenção em algum simbolismo religioso. No entanto, a obra de Egas afasta a possibilidade dessa saída. Este outro que surge à frente da criança é uma espécie com seu destino selado por uma condição ontológica: tornar-se adulto significa, também, tornar-se abjeto, demoníaco, ou simbolicamente falando, através da figura do próprio Lúcifer, tornar-se fonte do Mal.

Lúcifer não é tratado por Egas como a mão esquerda de Deus ou sua outra face. Não se trata, portanto, de uma reflexão sobre o lado demoníaco da divindade, o Demon est deus inversus.

A tela trata, certamente, do Mal, encarnado na figura de Lúcifer. Não dentro da concepção agostiniana do mal, que existe como ausência do bem, mas como uma corrupção e destruição inescrutável do Ser. Esta é a condição inelutável ao qual se condena o homem ao sair da infância. Trata-se, portanto, de uma reflexão sobre o próprio destino humano. Não há o signo de uma esperança por vir.

Egas nos coloca frente a um fato consumado, sem possibilidade de redenção. Essa realidade que se cristaliza num destino, na qual a força religiosa não pode interferir, torna sua tela a reflexão de um ateu. Já que o mal não está inserido numa problemática da liberdade, da escolha de um caminho a seguir, ou na busca de sua superação através dos códigos religiosos, mas está inscrito no coração de uma realidade insuperável, essa condição enclausura o Ser dentro de uma fatalidade.

Como uma espécie de canto do mal para duas vozes, o que a tela apresenta é o mal que não se opõe ao bem, que não representa a outra face, sombria e bela, do divino. A figura de Lúcifer já nasce como condição do Ser do menino. As figuras se correspondem uma à outra, não se opõem, não se combatem, ao contrário, mantém, uma relação íntima que define a condição de devir do tema da tela. Não interessa saber se Deus é todo poderoso, se Deus é absolutamente bom. O chamado de Deus não tem sentido aqui, pois o mal não é cometido nem sofrido. Não se trata de pecado ou sofrimento. O mal acontece de uma vez por todas e é a própria condição na qual o homem é chamado a existir ao tornar-se adulto. Isto faz do quadro de Egas uma obra extremamente perturbadora.

DADOS SOBRE A OBRA: Título: Transformação de Lúcifer Data: 1998 Técnica: Óleo sobre tela Medida: 88 X 116 cm


Jardel Dias Cavalcanti
Londrina, 7/6/2016

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