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Quinta-feira, 30/6/2016
Brasil em Cannes
Guilherme Carvalhal
+ de 4800 Acessos



O anúncio do filme Aquarius, de Kleber Mendonça, como um dos concorrentes à Palma de Ouro no Festival de Cannes desse ano proporciona a oportunidade de se fazer um pequeno apanhado da participação de filmes de nosso país nesse festival. É uma histórica que remete à década de 1950 com as primeiras indicações e que teve seu ápice com O Pagador de Promessas ganhando a Palma de Ouro.

Compreender esse histórico passa por duas premissas. A primeira é com relação à produção nacional de cinema, levando em consideração fatores estéticos e materiais, como influências financeiras, políticas e tecnológicas. A outra está no impacto internacional de filmes brasileiros, que pode ser avaliado pelo conteúdo e pela recepção dos mesmos em outros países. O texto frisa os longas metragens de ficção, sendo que há participações do Brasil em curtas e animações, como o curta de animação Meow que foi premiado em 1981 ou o documentário Cinema Novo, premiado esse ano, e longas de ficção participando em outras mostras do Festival.

As primeiras aparições de filmes brasileiros em Cannes foram ainda na década de 1950. O primeiro foi o filme Caiçara, do diretor Adolfo Celi, que esteve na edição de 1951 do Festival. Seguindo o modelo da indústria de cinema, este filme é uma produção brasileira com participação de estrangeiros e forte inspiração no cinema dos Estados Unidos. A história mostra uma mulher leprosa que se casa com o dono de uma empresa de pesca, que vai residir com ele em uma ilha de pescadores (chamados caiçaras).

O filme tem toda inspiração nos dramas de Hollywood da época, com uma mocinha perseguida pelos homens e salva por um herói, isso tudo com uma roupagem bem brasileira, com direito até a elementos de religiosidade afro. Essa é uma característica que foi comum nos filmes da época, uma produção nos moldes da estrangeira com elementos brasileiros. Não compunham ainda uma estética própria de cinema, mas uma adaptação local de estilos de outros países, principalmente dos Estados Unidos. É o caso de Tico-Tico no Fubá, do mesmo diretor, que tem o elemento musical como forte fator e participou do festival em 1952.

Em 1953, foi apresentado no festival o primeiro filme brasileiro a obter repercussão internacional, o western nordestino O Cangaceiro. O filme tem clara inspiração nos faroeste dos Estados Unidos, com personagens perdidos em largos descampados, a luta do bem contra o mal, o uso da própria força como elemento de decisão de conflitos. Esse filme retrata o bando de Galdino, personagem de clara inspiração em Lampião. Percorrendo o agreste com assaltos e um senso de moral bastante próprio, ele sequestra uma professora em troca de resgata e acaba sendo traído por um de seus integrantes. Esse filme ganhou o prêmio de Melhor Filme de Aventura, que inexiste nos tempos atuais.

Esses primeiros filmes que participaram do Festival de Cannes dão uma demonstração de como o cinema brasileiro (e talvez nossas artes em geral) é recebido lá fora. O exótico e aquilo que se define por Brasil, como samba e desigualdade social, são elementos atrativos para um público que espera ver não apenas um filme, mas um retrato de um país estranho.

Na década de 1960 começa a aumentar a participação de filmes brasileiros no evento. Em 1960, Cidade Ameaçada, de Roberto Farias, inaugura a presença que se tornará constante pelos próximos 10 anos. Esse filme tem uma abordagem que será corriqueira no nosso cinema, que é a violência urbana, porém em moldes diferentes do que vemos hoje em dia.

A história retrata Passarinho, o bandido mais perigoso de São Paulo, líder de uma quadrilha de assalto a bancos. Altamente perseguido pela polícia, ele foge e encontra o apoio de Terezinha, com quem tenta fugir. Baseado em fatos reais, mistura os elementos do criminoso heroico, tanto que Passarinho, mesmo sendo o mais temido bandido, nunca matou ninguém (algo que faz pouco sentido em tempos atuais).

A Primeira Missa, que participou em 1961, leva seu foco para uma cidadezinha interiorana. Aqui, temas como a religiosidade e a infância se misturam, mostrando um garoto que encontra a vocação para ser padre.

Em 1962 viria o segundo e maior marco do Brasil no Festival de Cannes, que é o recebimento da Palma de Ouro por O Pagador de Promessa. Esse filme é importante pelo primeiro passo no rompimento com um modelo anterior de cinema rumo à construção de uma estética nacional. A mera proposição de desigualdades sociais em um modelo realista começa a dar espaço para uma análise mais profunda sobre os personagens, principalmente Zé do Burro, homem do campo que viaja com uma cruz para cumprir a promessa pela salvação de seu burro.

Esse filme alia dois grandes nomes das artes brasileiras, o do diretor Anselmo Duarte e o do dramaturgo Dias Gomes, responsável pelo texto original do filme. Mais do que uma demonstração de desigualdades, o filme trabalha os conflitos existentes no Brasil, mostrando a dinâmica entre as instituições oficiais e o povo excluído, a desigualdade e como ela se choca diante de grupos controladores. A condução magistral torna esse um divisor de águas na cinematografia nacional.

Após esse momento, a produção de filmes de Brasil alcança seu maior patamar, quando surge o Cinema Novo. O país absorve de novas tendências em cinema, como o neorrealismo italiano e a novele vague francesa, criando uma estética própria. O elemento do estranho com o qual os filmes brasileiros são recebidos permanece, porém esboçado em roteiros mais sofisticados, que trabalham não apenas um retrato pronto do Brasil a ser exportado, mas uma análise crítica com direito a uma exposição própria de cultura e da história.

No Festival de Cannes de 1964, dois filmes brasileiros estão presentes, Vidas Secas, de Nelson Pereira dos Santos e Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha. Ambos retratando situações no Nordeste, cada um à sua maneira, representam uma mudança em questões estéticas e de roteiro. Em Vidas Secas, encontramos uma narrativa mais elaborada, juntamente à exploração de campos da subjetividade, como a agonia familiar durante a morte de Baleia. E em Deus e o Diabo na Terra do Sol, a completa mudança estrutural no modo como fazer filme, aliando uma modernidade nos padrões de filmagem com um roteiro que explora relações envolvendo religião, patrimônio e criminalidade.

Aqui, já não se enxerga a mera cópia de padrões estrangeiros, mas o estabelecimento de uma estética própria. Esses dois filmes são um marco do Cinema Novo e influenciaram as produções que vieram dali em diante.

Em 1965, Walter Hugo Khouri participou pela primeira vez, com Noite Vazia. Esse filme é bastante significativo nem tanto pela qualidade (apesar de ser um bom filme), e sim pelo que ele retrata. Aqui, o ambiente é em São Paulo, onde dois homens de classe média perambulam pela madrugada atrás de diversão. Encontram duas moças com quem vão para um apartamento, onde permanecem até o amanhecer entre sexo e diversos jogos.

Noite Vazia tem muita relevância por não se enquadrar no modelo de voyeurismo social existente nos filmes que participaram anteriormente do Festival. Não há padrões de pobreza, desigualdades ou cultura a serem marcados. Não tem samba, igrejas de interior ou violência urbana. Há apenas dois homens em um vazio existencial marcado pela busca de algo a preenchê-los, em um claro sinal de que no dia seguinte procurarão algo novo. Aliás, apenas esse diretor (junto a Jabor, como veremos a seguir) participou com filmes que não retratassem algo genuinamente brasileiro para exportação, apresentando uma história que pode se passar em qualquer outro país.

A Hora e a Vez de Augusto Matraga esteve em Cannes em 1966. Dirigido por Roberto Santos, é a adaptação do conto de Guimarães Rosa contando a história de um fazendeiro que é emboscado e dado como morto.

Glauber Rocha voltou a figurar novamente em 1967 com Terra em Transe. E mais uma vez ele consegue apresentar uma temática brasileira (mais precisamente latino-americana) que é a da turbulência política que atingia o continente nesse tempo. Levando mais além o estilo já apresentado em seu filme anterior, ele mostra uma narrativa complexa e fragmentada para retratar a fictícia República do Eldorado, palco de disputas políticas que fazem analogia ao Brasil e demais países com seus tradicionais políticos populistas e sua inserção no contexto da Guerra Fria.

O mesmo diretor volta ao festival em 1969 com O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro. Aqui, o matador de cangaceiros Antônio das Mortes de Deus e o Diabo reaparece como figura central, em uma jornada pelo Nordeste na qual ele reavalia suas ações em uma forte crise de consciência, na qual acaba se aproximando dos cangaceiros. Não tão vibrante quanto os outros dois filmes, tem como marco a teatralidade e a composição.

Em 1970, Walter Hugo Khouri volta a Cannes, dessa vez com O Palácio dos Anjos. Novamente há o ambiente urbano e um roteiro destituído de questões sociais, focado mais na construção de personagens, remetendo à angústia das pessoas nas cidades grandes. A história retrata três mulheres que montam um bordel dentro de um apartamento, onde recebem apenas homens de classe alta. Os conflitos são muitos, como a ética pela maneira como ganham dinheiro, os lucros compensando o valor moral, entre diversos outros.

Assim como em Noite Vazia, há uma questão existencial entre as escolhas dos personagens, decisões focadas pelo material que dão a entender a busca por algo que essa realidade não consegue oferecer. Se não atinge o patamar de Glauber Rocha ou de Nelson Pereira dos Santos, fornece um contraponto ao dilema rural e à perspectiva política e social desses dois, sendo parte de uma expressão maior que é o cinema brasileiro, apesar de ser uma voz solitária dentro dessa estética de retratos brasileiros.

Com Azyllo Muito Louco, Nelson Pereira dos Santos retorna ao Festival de Cannes também em 1970. Aqui, a adaptação do conto O Alienista de Machado de Assis é uma mostra de algo que ele fez em Vidas Secas, que é a conjunção com a literatura. Se o Cinema Novo mudou os panoramas estéticos de cinema, a produção de roteiros acompanhou esse procedimento. Do modelo western de O Cangaceiro e do dramalhão Caiçara, os novos roteiros trouxeram inovações consideráveis e a participação de grandes livros foi natural.

A famosa história de Machado de Assis apresenta o padre Simão Bacamarte, um psiquiatra que chega à cidade de Itaguaí com suas ideias de cura de problemas mentais e constrói um manicômio, onde pouco a pouco vai internando todos os moradores da cidade. Seu poder acaba entrando em choque com os poderosos da cidade, que questionam o valor de seus métodos “científicos”.

Pindorama, de Arnaldo Jabor, começa a representar o fim dessa contínua presença do Brasil no festival. Exibido em 1971, abre as portas para uma nova leva de diretores que apareceram no Brasil, em uma década marcada pelo decréscimo da expressão do cinema brasileiro em Cannes.

Pindorama é uma alegoria da história do Brasil. Buscando no nome original do país dado pelos índios, sua história se passa em épocas coloniais, mostrando diálogos que se referem a temas políticos. É uma narrativa complexa e de difícil compreensão, fruto das tentativas de se livrar da censura imposta pela Ditadura Militar.

Apenas em 1975 volta a aparecer um filme brasileiro no Festival. Com O Amuleto de Ogum, Nelson Pereira dos Santos leva às telonas uma história que envolve um tema que cada vez mais se torna parte do cotidiano, que é a violência nas cidades. O roteiro retrata um rapaz que é levado a um terreiro onde ele fica com corpo fechado, o que o leva a se envolver com o crime organizado. A migração do interior para a cidade grande, fato importante no processo de urbanização do país, está presente aqui, juntamente a fortes elementos da cultura negra, que será uma das marcas desse período.

Em 1980, Carlos Diegues chega ao Festival com o magnífico Bye, Bye, Brasil, sendo que nessa década ele será o principal representante do país. Bye, Bye, Brasil se alia ao que Nelson Pereira dos Santos apresentou em O Amuleto de Ogum, um país em transição, com uma população cada vez mais urbana, com investimentos, principalmente estatais, em infraestrutura, em uma transição do modelo agrário para o industrial.

O enredo retrata uma trupe circense perambulando pelo Brasil. A transição do Nordeste para o Norte, acompanhando o processo de mudança ao longo da Transamazônica, mostra esse novo Brasil que surge, dando bye, bye para o velho país que se perdia. Ao mesmo tempo, esse novo Brasil não consegue esconder as heranças do velho.

Esse filme foi um passo bastante significativo não apenas na obra do diretor, mas no cinema brasileiro de modo geral. Ele, juntamente a Quilombo, que foi para Cannes em 1984, apresentam duas vertentes da obra de Diegues: uma, esse olhar crítico sobre o Brasil se urbanizando, e outra com relação ao passado e à cultura negra. Tanto que antes de Quilombo ele havia dirigido obras como Xica da Silva e Ganga Zumba.

Quilombo mostra a trajetória de Palmares, símbolo da luta de negros fugidos do regime de escravidão. Da libertação de Ganga Zumba até a batalha final contra Domingos Jorge Velho e a morte de Zumbi, essa história retrata a trajetória desse ponto de resistência contra a escravidão. Esse filme merece destaque em vários aspectos, principalmente toda a montagem, como nas roupas de época e na maneira como o Quilombo de Palmares é representado.

A dobradinha em 1986 com O Beijo da Mulher Aranha e Eu Sei Que Vou Te Amar foi um dos últimos momentos de ampla expressão do Brasil no Festival. O Beijo da Mulher-Aranha é brasileiro com certas restrições: é uma produção brasileira e norte-americana, com direção de Héctor Babenco (nascido argentino e naturalizado brasileiro), baseado no livro homônimo de Manuel Puig, escritor argentino, falado em inglês, contando com William Hurt e Raúl Juliá nos papéis principais e Sônia Braga, José Lewgoy e Milton Gonçalves de coadjuvantes.

A história de Puig se passa nos porões da ditadura militar. Juliá e Hurt interpretam duas pessoas presas, o primeiro por questões políticas, o segundo por crime sexual envolvendo um menor. As pulsões sexuais entre ambos (um é heterossexual e outro homossexual) mais as questões políticas de um e a falta de política do outro vai levando a um forçado contato, que aos poucos reduz as barreiras entre ambos.

Eu Sei Que Vou Te Amar, de Arnaldo Jabor, difere de maioria e vai se assemelhar ao que Walter Hugo Khouri apresentou. Se na maioria dos filmes é altamente apresentado o Brasil em sua dimensão pública, aqui a ambiência é plenamente privada. Passado no Rio de Janeiro, o filme mostra um casal recentemente divorciado que se encontra três meses após a separação e traz à tona todas as amarguras acumuladas durante seu convívio.

Com texto em uma linguagem que pretende ser poética — e muitas vezes acaba caindo no risível — é uma obra brasileira difícil de encontrar exposição internacional, principalmente pela ausência de uma conjuntura local. É um filme que poderia se passar em qualquer outro país sem perdas. A atriz Fernanda Torres recebeu o Prêmio de Melhor Atriz por sua tuação nesse filme.

O ano seguinte contou com nova participação de Cacá Diegues. O filme Um Trem Para as Estrelas tem uma representação bastante singular, tanto em questões de Brasil quanto nessa expressão do nosso cinema no estrangeiro.

Uma das principais características nas indicações precedentes foi a soberania de filmes com temática rural, muitos deles inspirados na literatura brasileira. Muitos filmes tiveram temáticas urbanas, porém não exploraram a fundo essa realidade brasileira, sendo obras com característica intimista como no caso de Walter Hugo Khouri ou então explorando a violência.

Um Trem Para as Estrelas consegue montar um grande apanhado do Brasil urbano que se torna característico da década de 1980. A primeira geração criada em contato com a cultura globalizada começa a se tornar adulta e o filme expressa essa nova fase na cultura brasileira. As desigualdades existentes nesse país urbano, como a favelização e a transição das desigualdades sociais da roça para a cidade, a cultura do rock que começa a emergir (com direito a Cazuza no filme), a liberdade sexual e a violência são alguns aspectos retratados na obra de Diegues.

A trama retrata Vinícius, um jovem saxofonista que em seu sonho de grandeza com a música parte em busca de sua namorada desaparecida. Ele transita entre bares, cabarés, delegacia e favela tentando localizá-la, e essa sua jornada serve para retratar a cidade do Rio de Janeiro, um dos palcos dessa modernização.

Kuarup, de Rui Guerra, foi um ponto final na sequência de filmes participando no Festival. Exibido em Cannes em 1989, é uma adaptação da obra de Antônio Callado. A história traça paralelo entre política e questões indígenas, onde um padre pretende criar uma missão no Xingu à semelhança à dos jesuítas, entrando em uma série de situações que traçam paralelo com a queda de Getúlio Vargas e a Ditadura Militar.

A década de 1990 não contou com nenhuma exibição de filmes brasileiros no Festival. Questões como o fim da Embrafilme e a abertura do Brasil a fitas estrangeiros levaram a uma redução na produção e ao interesse maciço da população por obras estrangeiras, principalmente norte-americanas. A indústria de cinema passou por forte contração, não tendo a mesma expressão de momentos anteriores. Por outro lado, do lado de cá do Atlântico, três filmes brasileiros foram indicados ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro nessa década, O Quatrilho (1995), O Que é Isso, Companheiro (1997) e Central do Brasil (1998), uma possível mostra de que o cinema brasileiro estaria saindo de suas influências europeias e cada vez mais buscando referências nos Estados Unidos, mantendo as questões sociais como mote.

No caso do Festival de Cannes, após a virada do século alguns filmes atraíram a atenção. De filmes brasileiros mesmo, dois foram exibidos no festival, sendo Carandiru em 2003 e Linha de Passe em 2008. Nos dois casos, temos filmes urbanos sobre conteúdo claramente brasileiro, no primeiro a violência no presídio e no segundo as agruras de uma família de classe baixa na periferia de São Paulo tendo o futebol como contexto.

Além disso, cineastas brasileiros conseguiram forte expressão em outros países e dirigiram filmes exibidos no Festival. Walter Salles marcou presença duas vezes, com Diários de Motocicleta (2004) e On The Road (2012). Já Fernando Meirelles esteve presente em 2008 com Ensaio sobre a cegueira.

As aspirações de um Brasil em processo de afirmação cultural se manifestaram da década de 195 a 1950 no cinema. A cultura popular, a música, o ambiente sertanejo, e algumas temáticas urbanas definiram o que representou o país no Festival. A participação da literatura é outro fator importante, já que grandes obras literárias foram adaptadas com sucesso em vários países, e o Brasil buscou essa referência transladada à linguagem da sétima arte.

A queda do desenvolvimento tanto estético quanto questões financeiras reduziram essa presença na década de 1980. Nomes altamente inovadores como Glauber Rocha não foram sucedidos com igual peso, sendo que o que se tem de mais recente no cinema brasileiro está adaptado de modelos norte-americanos, este a principal referência em tempos atuais.

Ao mesmo tempo, muitos países desenvolveram sua indústria cinematográfica e passaram a disputar espaço, bastando ver que filmes turcos, tailandeses, romenos, iranianos e chineses passaram a ter relevância em Cannes. Os ex-países comunistas e o universo do Oriente Médio passaram a chamar bastante a atenção, derrubando o interesse pela cultura urbana que o Brasil passou a exibir em seus filmes.

Aquarius, de Kleber Mendonça, trouxe uma nova luz na presença do Brasil no festival. Feito que contou com forte exposição da imprensa, gerou polêmica no Brasil após o posicionamento político do diretor e sua equipe com relação à atual situação política do país e o fim do Ministério da Cultura, com direito a manifestantes planejando boicote ao filme.

Aparentemente, o filme retrata a repetida premissa da desigualdade social, dessa vez em uma disputa imobiliária. Aplaudido durante um bom tempo após sua exibição e com uma recepção positiva pela imprensa internacional, teve chances de ganhar, mas perdeu para I, Daniel Blake, de Ken Loach, cineasta inglês que tem como sua principal característica focar a desigualdade social em seus filmes.

Não levar o prêmio pode ser um detalhe para um filme que reacende a recepção do cinema nacional em outros países. Em um ano em que O Menino e o Mundo foi indicado ao Oscar de Melhor Animação, é um feito importante para a expressão do Brasil a nível internacional.


Guilherme Carvalhal
Itaperuna, 30/6/2016

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