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Domingo, 25/3/2001
Ave Caesar, morituri te salutant
Rafael Azevedo
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Foi com alguma expectativa que me pus a assistir Gladiador, de Ridley Scott, embora com certo atraso. Estava com vontade de ver o filme desde seu lançamento, devido a esse meu peculiar interesse por tudo que diga respeito ao mundo antigo (e especialmente Roma), mas, como não freqüento cinemas - para não correr o risco de topar com pessoas mal-educadas como as que criticaram aquela "Carta aberta aos Cinemas de SP" - tive de esperar até o lançamento do filme em vídeo. Além do mais, não sou desses que acha que "não há nada como a tela grande", "filme tem que ser visto no cinema". Minha capacidade de abstração, quando estou interessado pelo assunto, supera e suplanta qualquer inferioridade técnica que um VHS possa ter perante um DVD ou cinema. Os primeiros segundos são de impressionar. Criaram-me boa expectativa. Parecia, como já vi alguém dizer por aí, o "soldado Ryan" dos filmes épicos, aquela tensão antes da batalha, os bárbaros que se aproximam aos berros, jogando a cabeça do enviado romano... não tinha nada disso nos Ben Hurs e Quo Vadis de antigamente. Até que começou a batalha. Aí começaram os clichês de sempre. É a velha história, herói lidera exército na batalha decisiva, herói mata dezenas de inimigos com uma facilidade incrível, cavalo do herói é alvejado, herói cai sob ele e nada sofre, herói continua degolando dezenas de vilões como se elas fossem feitas de manteiga, herói confronta o líder dos bárbaros e ficam duelando longamente, até que o herói leva a melhor, e o último e maior clichê, que não poderia faltar, herói está prestes a ser morto por um vilão quando passa outro mocinho a cavalo e mata o bad guy, impedindo a morte de nosso herói. Acho que não ficou faltando nenhum.

Máximo, nosso herói, interpretado por Russell Crowe, um canastrão inescrutável (como Paulo Francis chamava Harrison Ford), lidera "brilhantemente" seu exército na batalha, conquistando de maneira arrebatadora o território dos bárbaros e o imperador Marco Aurélio, que deseja então nomeá-lo seu sucessor, para que ele devolva o poder de Roma ao povo, que é quem os roteiristas do filme acreditam que governava Roma e seus territórios na época da República Romana. O filho insano de Marco Aurélio, Cômodo, não gosta nada da idéia e, através de uma seqüência rapidíssima de assassinatos, mentiras, engodos e planos muito mal-escritos e mal-explicados, acaba assumindo o trono em lugar de seu pai e condena Máximo à morte. Tudo em questão de minutos. Sua fuga consegue ser ainda mais mal-explicada, e ele vai parar numa escola de Gladiadores, de onde irá, não sem passar pelas inúmeras provações hollywoodianas, que incluem, naturalmente, a morte de sua esposa e filho por ordem do louco césar, reconquistar sua liberdade e voltar para um eventual "triunfo". Há, claro, a irmã de Cômodo, Lucila, que se apaixona por Máximo, e o amigo negro (como poderiam as minorias ficar de fora de um filme americano? Mas confesso-me surpreso por não encontrar homossexuais, orientais, ou uma gladiadora mulher no filme.) que acaba morrendo.

O filme é ruim mesmo. Tive de apelar ao fast-forward várias vezes, pelo bem de minha limitadíssima paciência. Não suporto uma seqüência tão longa de diálogos tolos, personagens absolutamente desprovidos de quaisquer atrativos, e ações convencionais, todas mascaradas por essa atmosfera de uma outra época, outros costumes (o "diferencial" do filme), e por uma espessa camada de efeitos especiais, tão mal-feitos quanto toda a computação gráfica que vemos por aí, cada vez mais presente nos filmes. (Daqui a alguns anos, daremos as mesmas risadas que hoje damos quando vemos o primeiro King Kong quando vermos as elaboradas palhaçadas eletrônicas de filmes como Jurassic Park e este Gladiator). Não há uma idéia inteligente no filme, e pouquíssima coisa dos diálogos se salva. Diversos personagens apresentam um certo potencial absolutamente inexplorado, como o general que trai Máximo e o gladiador aposentado que virou empresário de lutas. Poderiam ser personagens instigantes, ainda que repulsivos, se um bom escritor estivesse por detrás deles. O imperador Marco Aurélio, no pouco que é mostrado dele no filme, é retratado como "intelectual", ou ao menos como o que os roteiristas deste tipo de filme imaginam que seja um intelectual; um bobalhão fracote e lamurioso que nada mais faz além de rabiscar tolices em seus aposentos enquanto o destino de sua vida e de seu império é traçado ao redor dele. Os outros personagens principais são caricaturais: Cômodo é louco, mas não fascina, não tem o charme e o carisma que Calígula e Nero, dois dos mais insanos imperadores - pra ficar apenas nos mais célebres - devem ter tido. Os senadores pareceram-me sumas nulidades, especialmente se comparadas àquele genial senador, cujo intérprete não me recordo, do Spartacus de Kubrick. Tive pena do Derek Jacobi, submetendo-se a isso por dinheiro.

Enfim, o filme não oferece maiores atrativos intelectuais, artísticos, ou de quaisquer espécies. Somente a curiosidade justificaria assisti-lo. Além disso, não há nele nada que compense a quantidade absurda de falhas e deslizes históricos contidas durante toda sua extensão. Se o filme ainda fosse bom, até um chato como eu perdoaria isso. Prometi a mim mesmo evitar o assunto, pois isso não influenciou minha opinião sobre o filme. Não gostei dele e ponto, independentemente de sua precisão histórica. Mas não consigo evitar; vejo que o filme foi feito por pessoas que desconhecem totalmente a antiga civilização romana, e não devem ter lido nada sobre o assunto. Se leram, leram mal. Tentarei ser breve ao enumerar o que encontrei.

Primeiro, já tem o que o Fabio Rossi apontou nas mensagens: a aristocracia romana comporta-se como se fossem nobres ingleses vitorianos, ao mesmo tempo em que, num curioso paradoxo, situações absolutamente informais são retratadas, como se estivéssemos, sei lá, no Brasil do final do século XX. Todo o tempo aparece essa incoerência de quem tentou retratar uma sociedade que não conhece. O imperador desfila calmamente perante a tropa, logo após a batalha, somente para conversar com Máximo, até que chega seu filho, e travam ali uma pequena discussão familiar. Tudo ali, em frente aos soldados, que não assumem nem a posição de humildade prostrada que acredita-se que deveriam ter tido, nem se exaltam, nada - apenas olham, impávidos e silenciosos. A filha de Marco Aurélio não só freqüenta as reuniões do Senado, como participa ativamente, debatendo (!) e sendo cortejada (!!) pelos senadores. Certo momento ela desce de seu camarote para a arena do Coliseu, em plena luta, e faz-se um silêncio sepulcral; não se ouve um assobio, um grito - respeitosos esses romanos, não? Cômodo, já imperador, também desce lá a couple of times, até mesmo para lutar (pobre Nero, que era criticado apenas por gostar de atuar no teatro!), conta sempre com o silêncio e o respeito da platéia todas as vezes em que quer falar. Aliás, Cômodo ter se tornado imperador é outra dessas coisas muito mal-explicadas no filme. Os romanos, mesmo sendo o que se chamaria hoje em dia de "monarquia", não tinham um sistema de governo como os que conhecemos hoje em dia. Estava muito mais próximo dos sistemas mais arcaicos da história do homem, daquela coisa de clãs brigando entre si, e a lei da força mandava muito mais que qualquer tradição ou hereditariedade entre eles. O imperador podia até designar seu herdeiro, mas dificilmente ele seria aceito incondicionalmente, como o seria numa monarquia absolutista européia de algumas centenas de anos atrás. Ele precisava ou ser uma pessoa carismática, que tivesse o apoio do povo, ou alguém que contasse com o apoio do Senado e da aristocracia, ou alguém que dispusesse de um apoio militar forte, de preferência que tivesse algumas legiões numerosas sob seu comando. Cômodo, no filme, não tem nada disso, e no entanto coroa-se imperador sem qualquer esforço. Além do mais, um imperador não desceria à arena para lutar com um gladiador, não importam as circunstâncias. Pode esquecer.

E tem mais: não existiam cafés, como os que os senadores se encontram para "bater-papo". Por um instante, achei que estava vendo a Roma moderna, e não a antiga. Cafés, senadores e mulheres andando livremente pela rua, a princesa imperial sendo carregada pela rua sem maiores escoltas... recomendo a leitura do divertidíssimo Juvenal, em que ele descreve a aventura que era andar pelas ruas de Roma, onde você tinha sua roupa rasgada, seu corpo pisado e arranhado, quase era atropelado pelas multidões de soldados e guardas fazendo escolta dos figurões, quase era esmagado por suas liteiras carregadas por escravos e suas carruagens, e além disso tudo podia receber um vaso cheio de excrementos na cabeça, arremessado do último andar de um prédio.

Para finalizar, há ainda as famigeradas lutas de espadas, algo que filme nenhum que retratou esta época da humanidade conseguiu retratar de maneira satisfatória. Isto se dá porque todos tentam, talvez pelo receio de fugir ao costume, ou pelo medo de obter uma luta visualmente menos atraente, reproduzir aqueles célebres duelos de sabres e floretes dos filmes de mosqueteiros e piratas, Errol Flynn e cia. Este filme não é exceção, as lutas são tipo esgrima mesmo, só faltando o "Touché!" no final. Sabe-se, no entanto, que as espadas romanas eram usadas com golpes curtos, pequenas estocadas de baixo para cima, de modo a infligir o maior dano possível ao adversário. Não os golpes acrobáticos que Máximo e sua patota executam na arena. Afinal, suas espadas pesavam muito, mas muito mais que as de D'Artagnan e seus companheiros.

O filme levou 12 indicações ao Oscar: melhor filme, melhor diretor pro medíocre Ridley Scott, melhor ator pro canastrão do Russell Crowe, melhor ator coadjuvante pro Joaquin Phoenix, péssimo (Commodus), melhor direção de arte, melhor som, melhor trilha sonora, melhor roteiro original, melhor edição, melhor fotografia e melhores efeitos especiais. Deverá, segundo a opinião geral da imprensa, conquistar a maioria destas estatuetas. Mais uma prova irrefutável de que o Oscar dificilmente premia qualidade.


Rafael Azevedo
São Paulo, 25/3/2001

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