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Terça-feira, 3/4/2018
O pai da menina morta, romance de Tiago Ferro
Jardel Dias Cavalcanti
+ de 7100 Acessos



O romance O pai da menina morta, de Tiago Ferro, publicado pela editora Todavia (2018), é um interessante mergulho naquilo que resultou das propostas vanguardistas para todas as artes. Aqui se encontram todas as vertentes de uma literatura que dilui a narrativa em cortes e recortes, montagens e desmontagens, fragmentos e colagens e uso artificial da memória (como reconstrução de um passado por escolhas que atravancam qualquer tentativa de ordenação lógica).

A escolha por uma narrativa estilhaçada, faz com que o escritor use o fragmento como instrumento de criação desse grande vitral quebrado, que o leitor terá que reconstruir para si. São pequenos nacos da realidade e das lembranças que vão constituir esse vidro colorido, mas espatifado, nos fazendo pensar no quanto o “corte” praticado na narrativa cinematográfica é importante para a mente literária contemporânea e, consequentemente, para o livro de Tiago Ferro.

“Onde estou? Parece um aeroporto, uma estação, urubus comendo restos de porcos. O painel de destinos é caótico: datas e horários se embaralham sem parar e os países estão grafados num idioma incompreensível.” Essa mesma sensação de deslocamento para destinos obscuros, com uma temporalidade confusa e em um lugar indefinido é que faz com que o leitor de Tiago Ferro se sinta perdido dentro de um universo narrativo sem que tenha em suas mãos nem um mapa, nem uma linguagem facilmente compreensível, nem uma terra à vista para se reconhecer.

A temporalidade também é construída por recortes, colagens e remontagens dentro de uma suposta “realidade do presente”, aquela tingida por uma ampla variação de sentimentos, de escolhas de lembranças, submetidas, estas, ao processo de tentativa de uma equalização mínima para que o leitor saiba que está percorrendo um campo minado na sua tentativa de montagem de uma possível narrativa ou de justapor ações e reações tão claramente como desejaria. Então, passado e presente vão se encontrando como um jardim com flores variadas, mas que tentam formar um grupo coerente de cores... no entanto, as flores acabaram de ser esmagadas por um trator.

A mecanização das listas de compras, lista de remédios e outras listas, vez ou outra inseridas na narrativa, é o resultado desse jardim esmagado. Torna insuportável, no entanto, ao leitor, sua presença depois de uma frase como: “mantenho em casa uma vela de sete dias acesa para Minha Filha...”. Em seguida, como que sob o atropelo do “real” a invasão de uma realidade supérflua: “No supermercado, compro 6 Heinekens, 3 leites desnatados e 3 integrais, geleia, requeijão, pão integral, um pack com 4 toddynhos, produtos de limpeza, 5 velas e 17 caixas de veneno para barata”.

Outras listas aparecerão ao longo da narrativa. O que se quer é construir um retrato a partir de cacos. Qualquer relação com a obra de um artista como Kurt Schwitters, com suas colagens incoerentes de tickets de metrô, moedas achadas na rua, frases recortadas de um jornal velho, pedaços de madeira abandonados, não é mera coincidência. A realidade que resta, essa dos objetos inúteis, de papéis por assinar, de atitudes por tomar, nos faz ver que o mundo que nos cerca e invade é aquele que nos rouba até o momento da dor. Sua incoerência é também o que exige uma forma de literatura como a de Tiago Ferro. O personagem autor sofre a perda, mas sofre também a invasão do “real” que lhe assalta o tempo todo. Duas prisões inescapáveis.

Quando a vida se precipita num abismo, a narrativa começa a usar de elementos do surrealismo, onde o sonho vai se parecendo com a realidade e a realidade vai se diluindo sob influxo de forças emocionais bastante perturbadoras. Um título de livro, uma cena de um filme, uma avaliação política, uma recordação antiga, uma trepada, tudo isso existe dentro de uma perspectiva esvaziada de sentido ou coerência, afinal está se construindo, ou tentando se construir dentro da narrativa, através da corrente violenta de uma perturbação emocional brutal.

O pai da menina morta é uma espécie de nau sem rumo, buscando coerência onde ela não poderia existir e que, ao saber disso, só lhe resta nos comunicar que caminhamos sobre uma frágil película de água congelada de um lago... na vida qualquer movimento em falso e estamos fritos, sem salvação.

Não poderia ser diferente a sensação que o romance produz. A incoerência da narrativa não deixa espaço para que sentimentalismos nos assaltem. As metáforas não deixam dúvida quanto à dureza que se propõe, contra qualquer afetividade melosa ou projeto de salvação. A pergunta, dura, pensada para um amigo do narrador é direcionada a nós, leitores, impiedosamente: “Se ele já mergulhou de cabeça em uma piscina vazia depois de cheirar dez gramas de cocaína.”

Um romance sobre a perda, ou sobre a impossibilidade de se comunicar um sentimento genuíno a outro ser humano? “Yo-Yo Ma esqueceu o seu valioso instrumento dentro de um taxi em NY”, diz o narrador, que antes já havia tratado da impossibilidade também das irmandades na mesma dor: “Pego para ler o livro autobiográfico do Boris Fausto sobre o processo de luto (...) Leio as primeiras vinte, trinta páginas, e largo.” Quem saberia a importância real que a perda do instrumento do violoncelista tem para ele? Quem saberia o tamanho da dor do narrador sem ter experimentado a mesma situação?

A imagem cinematográfica que lhe vem à mente, também, certamente, é a que diz o que este romance tem de angústia: “O Darth Vader segurando o Luke Skywalker pelo braço para que ele não caia de um penhasco que é uma espécie de vão interplanetário.” A sensação transmitida ao leitor do romance de Tiago Ferro é a mesma. Ele vai, finalmente desabar, para desabar seus leitores? Prefere nos segurar (e o que é pior, nos manter) sobre um abismo cósmico.

Não se espere lamento melancólico num romance onde a penetração de um pau duro numa professora de ioga faz vibrar a vida, seja a que custo for. A vida resiste, apesar do desastre.

As identificações com outros corações doloridos, que passaram pela mesma experiência de perda se alinham na narrativa: Eric Clapton, Gilberto Gil, Drummond, etc. Ele se esqueceu de mencionar o autor de Tudo o que é sólido desmancha no ar, Marshall Berman, que faz uma reflexão sobre a morte de seu filho de cinco anos na apresentação do livro:

Logo depois de terminado este livro, meu filho bem-amado, Marc, de cinco anos, foi tirado de mim. A ele dedico Tudo o que é sólido desmancha no ar. Sua vida e sua morte trazem muitas ideias e temas desse livro para bem perto: no mundo moderno, aqueles que são mais felizes na tranquilidade doméstica, como ele era, talvez sejam os mais vulneráveis aos demônios que assediam esse mundo; a rotina diária dos parques e bicicletas, das compras, do comer e limpar-se, dos abraços e beijos costumeiros, talvez não seja apenas infinitamente bela e festiva, mas também infinitamente frágil e precária; manter essa vida exige talvez esforços desesperados e heróicos, e às vezes perdemos. Ivan Karamazov diz que, acima de tudo o mais, a morte de uma criança lhe dá ganas de devolver ao universo o seu bilhete de entrada. Mas ele não o faz. Ele continua a lutar e a amar; ele continua a continuar.”

A identificação mais próxima no reino dos doloridos é a do encontro com outro “sofredor”, o professor Zé Miguel, numa palestra: “Ele não consegue deixar de exibir um olhar triste que já persiste por mais de trinta anos. Uma tristeza resignada, mas presente.” No espelho da dor, Zé Miguel também comenta a dor do autor: “Um dia essa tristeza vai virar outra coisa. Uma coisa sem nome. Uma coisa.”

Salvação ou maldição: a dor virou literatura.

No entanto, não há consolo: “Não há nada mais absurdo do que continuar escrevendo na fila da câmera de gás.”

Se o autor resistir, se ele “continuar a continuar”, teremos um novo e bom romancista na praça.



Ilustração: Kurt Scwitters


Jardel Dias Cavalcanti
Londrina, 3/4/2018

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