Oblomov, de Ivan A. Gontcharov | Ricardo de Mattos | Digestivo Cultural

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Terça-feira, 23/7/2002
Oblomov, de Ivan A. Gontcharov
Ricardo de Mattos
+ de 8500 Acessos

Foi com surpreso gosto que no começo deste ano li "Oblomov", de Ivan Alexandrovich Gontcharov (1.812 - 1.891). Precisamente no mês de fevereiro, pois em troca de sua leitura, não hesitei em faltar às insossas noites de Carnaval no clube.

Data a obra de 1.859 e através do protagonista que a baptiza, o autor teria feito uma crítica à inércia dominante entre a aristocracia russa da época. Desconfio que apenas a aristocracia seja o alvo do autor, pois os servos não são apresentados como responsáveis por algum movimento de modificação.

Adiante, porém. Em uma resenha publicada no "Jornal da Tarde" de 16 de outubro de 2.000, Leonardo Fróes afirma tratar-se de um romance "provavelmente o mais engraçado jamais escrito em todo o mundo sobre o imobilismo e a preguiça". Não tão engraçado assim. Certo é que há cenas cómicas, como as discussões e implicâncias de Oblomov com seu criado Zahar, os resmungos e petulância deste, etc. O retracto pintado por Gontcharov, contudo, faz com que o riso ceda logo. De facto, a inércia de Oblomov mantém-se do início ao fim da narrativa e reparamos que uma reacção esboçada por ele acaba tendo o efeito de uma vacina contra a actividade e a determinação.

Oblomov enclausurou-se voluntariamente em seu quarto, onde alternava entre o divã e a cama. Dele saía raras vezes para a faxina, e esta raridade é demonstrada com a descrição da imundície do aposento. Passava os dias deitado, não por doença, cansaço ou preguiça, mas por faltar-lhe disposição para fazer alguma coisa. Qualquer coisa. Não lê, não sai com os amigos, não administra sua propriedade (Oblomovka), não reza (ou seja, sua clausura não tem objectivos espirituais), não se dedica a nada. Tudo que começa não termina, e angustia-se porque todo ano seu administrador escreve-lhe uma carta colocando-o a parte dos problemas de sua propriedade. Nem de si mesmo cuida, visto ser seu criado quem o veste e cuida de suas refeições.

Gontcharov faz um paralelo entre Oblomov, barine modelar segundo sua visão (visão esta que não o impede de buscar em si mesmo caracteres para a definição do personagem) e Stolz, seu amigo de infância com ascendência germânica. Ora, os russos do século XIX nutriam acentuada antipatia pelos alemães - em Crime e Castigo, de Dostoieviski, isso é uma constância a certa altura -, antipatia esta que alcançou, inclusive, a czarina Alexandra, esposa de Nicolau II. Neste paralelo, entretanto, o autor parece rebater esta germanofobia, ou através dele criticar os preconceitos da época, como dizendo: "Vocês criticam, mas reparem eu seu estilo de vida e no deles. Qual vida apresenta alguma utilidade"? Mesmo Stolz apenas ajuda a melhorar as condições de vida, mas não consegue livrar definitivamente Oblomov de sua estagnação. Com a morte deste, aquele consegue a guarda do filho nascido da união com a proprietária do último apartamento onde refugiou-se. Stolz pensa em cortar o mal da inércia, impedir sua propagação, através da educação dinâmica do filho de Oblomov (aqui verifica-se uma ligação com "Os Maias" de Eça de Queiroz, pois no começo desta obra, Afonso da Maia horroriza seus comensais de Santa Olávia por dar a Carlos uma educação liberal, laica. Interessante reparar nesta ligação entre Gontcharov e Eça de Queiroz, ambos criticando um modelo arcaico e sugerindo a mudança pela educação).

Oblomov não é uma pessoa má. Ao longo da obra isso é reiterado e a certa altura definitivamente esclarecido: "Oblomov passara a adolescência entre uma juventude que nada ignorava, que tinha uma solução para cada problema da existência, que não acreditava em nada e submetia todas as coisas a uma análise fria e judiciosa. Guardava, entretanto, na alma a fé na amizade, no amor, na honra. Cada vez que se enganava a respeito dos homens, cada vez que reincidia em erro, o coração sofria, mas, nele, nunca os fundamentos morais foram abalados e sua crença no bem permanecia intacta. Tinha o culto secreto da pureza da mulher, reconhecia-lhe a qualidade e os direitos e chegava mesmo a sacrificar-se por ela. Não possuía, porém, carácter bastante para reconhecer abertamente os direitos da virtude, o respeito pela inocência. Inebriava-se furtivamente com seu casto perfume, mas juntava-se frequentes vezes ao coro dos cínicos que mofavam só de ouvir as palavras 'castidade' e 'respeito'. Às estrepitosas zombarias daqueles acrescentava sempre um motejo" (pág. 304).

Se o Oblomov adolescente distingue-se entre, outros traços, pela fraqueza de carácter, a maturidade só veio cortar-lhe últimos brotos de eventual vigor. Da fraqueza passou à indiferença e à indisposição. Nada o anima. Percebe-se que se não trata de covardia ou medo, e sim, a ausência de resposta para uma pergunta tácita e exaustivamente repetida: "Para quê"? "'Para quê' levantar-me hoje, se o dia será o mesmo de ontem"? "'Para quê' comparecer a este ou aquele evento social, no qual as pessoas e as conversas serão sempre as mesmas e nenhuma delas diz-me respeito"? "'Para quê' preocupar-me com minha propriedade, se bem ou mal ela rende algo que me permite viver" (pergunta esta que se feita realmente pelo personagem, seria desprovida de qualquer embasamento estóico, repare-se)? E adiante, uma pergunta cabível apesar da indignação que causa: "Por mais que eu a ame, 'para quê' unir-me à esta mulher, se ela foge e pretende tirar-me deste atávico modo de vida"? No meio da narrativa, Oblomov encontra Olga, jovem que lhe corresponde ao afecto, mas acaba perdendo-a. No desenrolar da trama, esta vem a unir-se a Stolz, e Oblomov liga-se definitivamente a sua senhoria, mulher cuja convivência remete-o à Oblomovka de sua infância. Há que se reparar na inexistência de rancor em Oblomov por ter sua amada trocado-o por Stolz: reconhece que foi melhor assim, e nesse reconhecimento assume seu estado de ânimo. A alegria de Oblomov ao saber da união de Olga e Stolz é de tal inocência e sinceridade que se torna uma das passagens principais do livro. É até delicado afirmar se é a inocência ou se é a indiferença a tudo que faz Oblomov ser vítima de dois ou três patifes no curso da narrativa.

Fraqueza, indisposição, falta de objectividade e de motivação, entorpecimento do ânimo e certo egoísmo (nada faz por si nem pelos outros). Ilia Ilich Oblomov é o herdeiro destas características destiladas no correr das gerações. Se possuiu algum impulso, aos trinta e dois anos já o perdeu. Em meio a tudo isso, o raciocínio é lúcido, ele é ciente de sua situação perante a vida. Não se revolta. Como não encontrou uma resposta que o faça progredir, recolhe-se em si mesmo. Durante a leitura, sente-se certa piedade do personagem. Tal desconforto é gerado, contudo, que começamos a duvidar se podemos fornecer-lhe a reposta que parece pedir. E mesmo que lhe respondamos suficientemente (pelo menos ao nosso ver), duvidamos da alteração de algo em sua vida.

No rastro de Oblomov
Em "A Vida de Lênin", de Louis Fischer, ficamos sabendo que Oblomov encontra-se entre as leituras de juventude daquele. A repercussão da obra foi tal, que à época de Lênin eram correntes máximas como "'Oblomovka' é o nosso torrão natal" e "Algo de Oblomov pode ser encontrado em cada um de nós". Nikolai Bukharin, editor do "Pravda" e pessoa de destaque no mundo soviético, antes de ser fuzilado sob o stalinismo (isso já na década de 30 do século XX), teria criticado a presença do oblomovismo na burocracia soviética.

Fiz uma infrutífera pesquisa na Internet, pois queria saber se é verdade que Freud teria classificado como "oblomovismo" uma espécie de depressão por ele estudada. Sobre isso, nada encontrei - infelizmente para mim mesmo, pois estou curioso -, mas acessei o sítio do "Euripes - Instituto de Studi Politici e Sociali" (http://www.euripes.it/) e encontrei um texto de Gian Maria Fara assim iniciado (tradução livre): "'Oblomovismo' é o nome de uma complexa patologia que não vem descrita em nenhum manual médico, mas no romance 'Oblomov', de Ivan Gontcharov, publicado em 1.955 (sic), no qual o protagonista acolhe em si os sintomas do caso clínico exemplar". Este texto é de 2.001, e embora eu não o tenha lido inteiro, percebi que o autor pretendia encontrar sinais de oblomovismo na Itália contemporânea. Pode até ser mera teoria, mas mostra que Oblomov não ficou restrito a sua época, nem é mero romance de entretenimento. Seu alcance é mais amplo e subtilmente manifestado.


Ricardo de Mattos
Taubaté, 23/7/2002

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