Diário do Farol, de João Ubaldo Ribeiro | Ricardo de Mattos | Digestivo Cultural

busca | avançada
105 mil/dia
2,0 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Cultura Circular: fundo do British Council investe em festivais sustentáveis e colaboração cultural
>>> Construtores com Coletivo Vertigem
>>> Expo. 'Unindo Vozes Contra a Violência de Gênero' no Conselho Federal da OAB
>>> Novo livro de Nélio Silzantov, semifinalista do Jabuti de 2023, aborda geração nos anos 90
>>> PinForPeace realiza visita à Exposição “A Tragédia do Holocausto”
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
>>> Soco no saco
>>> Xingando semáforos inocentes
>>> Os autômatos de Agnaldo Pinho
>>> Esporte de risco
>>> Tito Leite atravessa o deserto com poesia
>>> Sim, Thomas Bernhard
Colunistas
Últimos Posts
>>> Glenn Greenwald sobre a censura no Brasil de hoje
>>> Fernando Schüler sobre o crime de opinião
>>> Folha:'Censura promovida por Moraes tem de acabar'
>>> Pondé sobre o crime de opinião no Brasil de hoje
>>> Uma nova forma de Macarthismo?
>>> Metallica homenageando Elton John
>>> Fernando Schüler sobre a liberdade de expressão
>>> Confissões de uma jovem leitora
>>> Ray Kurzweil sobre a singularidade (2024)
>>> O robô da Figure e da OpenAI
Últimos Posts
>>> Salve Jorge
>>> AUSÊNCIA
>>> Mestres do ar, a esperança nos céus da II Guerra
>>> O Mal necessário
>>> Guerra. Estupidez e desvario.
>>> Calourada
>>> Apagão
>>> Napoleão, de Ridley de Scott: nem todo poder basta
>>> Sem noção
>>> Ícaro e Satã
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Ed Catmull por Jason Calacanis
>>> O cinema brasileiro em 2002
>>> O cinema brasileiro em 2002
>>> O cinema brasileiro em 2002
>>> Conduzinho Miss Maggie
>>> Relações de sangue
>>> Unsigned and independent
>>> Pô, Gostei da Sua Saia
>>> Poesia e inspiração
>>> Painel entalhado em pranchas de cedro *VÍDEO*
Mais Recentes
>>> Lady Killers Profile: Belle Gunness (capa dura) de Harold Schechter pela Darkside (2021)
>>> Ressureição (capa dura) de Liev Tolstói pela Companhia Das Letras (2020)
>>> Reino Das Bruxas: Natureza Sombria (capa dura) de Kerri Maniscalco pela Darkside (2023)
>>> Reino Das Bruxas: Irmandade Mistica (capa dura) de Kerri Maniscalco pela Darkside (2022)
>>> O Rei De Amarelo. Edicao Definitiva (capa dura) de Robert W. Chambers pela Darkside (2023)
>>> Pinoquio - Wood Edition (capa dura) de Carlo Collodi pela Darkside (2024)
>>> O viajante do tempo de R.L. Stine pela Ediouro (1985)
>>> Corrida ao passado de Megan Stine e H. William Stine pela Ediouro (1985)
>>> Terror no Museu Mal-Assombrado de R.L. Stine pela Ediouro (1985)
>>> Discurso Sobre A Servidão Voluntária de Étienne De La Boétie pela Folha De S.Paulo (2021)
>>> Missão de Espionagem de Ruth Glick e Eileen Buckholtz pela Ediouro (1985)
>>> Voz Do Silencio, A - Colecao Dialogo de Giselda Laporta Nicolelis pela Scipione (paradidaticos)
>>> A Vingança Do Poderoso Chefão de Mark Winegardener pela Record (2009)
>>> Os Homens Que Nao Amavam As Mulheres de Stieg Larsson pela Companhia Das Letras (2008)
>>> Expedição a "Vernico 5" de Megan Stine e H. William Stine pela Ediouro (1985)
>>> Humor E Crítica de Luiz Gama pela Folha De S.Paulo (2021)
>>> Clínica de identificação de Clara Cruglak pela Companhia de Freud (2001)
>>> Inovação Como Rotina. Como Ajudar Seus Colaboradores A Transformar Ideias Criativas Em Realidade de Paddy Miller pela Mbooks (2013)
>>> Discurso Sobre A Servidão Voluntária de Étienne De La Boétie pela Folha De S.Paulo (2021)
>>> Neuroses Atuais E Patologias Da Atualidade de Paulo Ritter pela Pearson (2017)
>>> Manual De Medicina De Família E Comunidade de Ian R. McWhinney; Thomas Freeman pela Artmed (2010)
>>> Padrões De Cultura de Ruth Benedict pela Folha De S. Paulo (2021)
>>> Diário De Pilar No Egito de Flavia Lins E Silva pela Pequena Zahar - Jorge Zahar (2014)
>>> Clarice, Uma Biografia de Benjamin Moser pela Cosac & Naify (2013)
>>> Auditoria Fácil - Série Fácil de Osni Moura Ribeiro; Juliana Moura pela Saraiva (2013)
COLUNAS

Quinta-feira, 15/8/2002
Diário do Farol, de João Ubaldo Ribeiro
Ricardo de Mattos
+ de 19200 Acessos
+ 1 Comentário(s)

. O homem é o necessário câncer da terra

Esta afirmação encontra-se na página 266 do Diário do Farol, de João Ubaldo Ribeiro, lançado em março último. É seu primeiro livro que leio, mas acompanho sua coluna dominical no Estadão desde a primeira, o que significa uma assiduidade de prováveis dez anos. Talvez em decorrência deste acompanhamento eu tenha adiado a leitura dos livros, pois como cronista o autor anda fastidioso, repetitivo, e tal ânimo deve ter contaminado minha disposição. Calculei até que ele morrendo, ou ganhando o Nobel, alguma editora lançaria sua Obra Completa e eu poderia então fazer uma leitura em bloco.

Entretanto, João Ubaldo Ribeiro está vivo, não ganhou o Nobel, e recebi um exemplar do Diário para ler. Sabia já da desenvoltura intelectual e cultura do escritor, e por isso mesmo impliquei-me com suas crónicas: por algum motivo ele fica aquém do que pode ir. Quando não mantém um rame-rame político, cria os terríveis diálogos "Num Boteco do Leblon", nos quais o coloquial cede ao vulgar. O seu último livro, porém, mostra o quanto o autor pode fazer, ainda que o quarto final perca o ritmo e o desfecho seja inferior ao prometido, decaindo para uma mistura de Zíbia Gasparetto e Marquês de Sade (o marquês é citado nominalmente, inclusive).

Para uso próprio, dividi a obra em 31 capítulos. A narrativa é contínua, mas a cada número de páginas há pequenas pausas no texto, nas quais incluí um número. O próprio personagem diz estar dactilografando seu livro (pág. 179), e esses intervalos dão a impressão de sua quota diária. Trata-se da autobiografia de um padre cuja vida foi orientada para o alcance de dois objectivos (mesmo o segundo tendo surgido de forma acidental no decorrer da narrativa): matar seu pai e a mulher que o desprezou. Apesar da ausência de datas, ele afirma ser proposital esta lacuna, informa ter sessenta anos completos (pág. 14), e esse dado permite-nos localizar seu nascimento na década de quarenta do século XX.

Ao ler as resenhas sobre o Diário, imaginei tratar-se de obra semelhante à Memórias do Subsolo (ou do Subterrâneo), de Dostoievski, mas enganei-me. O autor russo criou um pateta antipático, ao qual falta um serviço mais consistente a ocupar-lhe a vida. O funcionário russo teria o Padre, um virtuose do ódio, como ídolo, caso o conhecesse.

O narrador é anónimo, assim como seus pais. Os locais são precariamente definidos, e o que lhe interessa é contar sua história sem maiores dispersões. Directo e objectivo: eis seu modo de escrever. Abomina não só as entrelinhas, mas quem as procura (pág. 236). "Exige" crédito em cada facto narrado, narrativa esta entremeada de trechos nos quais se dirige sem cerimónia ao leitor, muitas vezes ofensivamente: "... se você não for realmente muito burro ou burra ..." (pág. 235).

Ao matar-lhe a mãe e trocá-la por uma madrasta de temperamento oposto seu pai desperta-lhe logo cedo tais ódio e rancor, que o parricídio não é decidido, mas descoberto como consequência natural aos maus tratos infligidos. Em sua infância, o Padre não recebia da família o tratamento que se espera. Era tido como um incómodo, alguém a que se não podia permitir vínculo algum, para não acostumar mal. Tanto fazem entre espancamentos imotivados e desrespeito moral, que aos dez anos o personagem decide ser definitivamente mau, alegando não ter a Vida apresentado-lhe motivos para agir em contrário. Antes disso, escolhe a dissimulação (no velório da mãe), mas tenho impressão de que tal raciocínio em um menino fere a verosimilhança mencionada logo nas primeiras páginas. Na velhice chega à conclusão: Bem e Mal são coisa única. Essa afirmação não é feita de acordo com o argumento vulgar tão em voga segundo o qual "o que é bom para mim pode não ser para você", nem também a historinha de "duas faces da mesma moeda". Bem e Mal são uma coisa só, e essa coisa pode nem existir, pois a conduta do Padre privilegia o Útil, opta pelo Eficaz, radicalizando os argumentos do Cardeal Mazzarino em seu Breviário dos Políticos. Este apego ao Útil permite-lhe o uso de pessoas, mesmo que nada tenha contra elas, como será demonstrado em relação ao seu colega Virgílio, no episódio da perseguição ao padre Corelli. O Útil, enfim, leva-o a aceitar o mundo em sua realidade. Não é perfeito, mas nele, as personalidades doentias como a sua encontram lugar para pleno desenvolvimento.

Dentro de casa suas primeiras vítimas são seus irmãos unilaterais, escapando-lhe a madrasta, morta no parto do segundo filho. Como as crianças eram tratadas com mamadeira, prepara-lhes o envenenamento. No duplo puericídio, dois pontos chamam a atenção. Um, é a primeira vingança directa contra seu pai, pois fê-lo sentir a mesma impotência experimentada quando menino, ao vê-lo trazer sua mãe morta sobre a sela do cavalo. Sabia ser o pai o assassino e nada podia fazer. Este vendo-se na mesma situação, pode apenas expulsar o filho de casa. Dois: o privilégio do Útil é constatado quando o vemos encarar com indiferença a prisão e morte da única empregada que o tratava bem e tentava compensar-lhe a falta materna.

Da mãe, pouco se sabe. Sua actuação é maior depois de morta, nas constantes conversas com o filho, num recurso ao fantástico. Lembro-me de do autor ter contado em crónica sobre uma visita feita a um centro espírita em certa época de sua vida, não muito distante no tempo. Gostaria de saber se teve contacto com livros de espiritismo e se foi neles que colheu subsídios para criar esta personagem. O contacto com o além reforça a solidão do Padre em meio aos terrenos, solidão apontada como irreparável, na página dez.

O parricídio é certo, mas demorado. Ocorrendo, revela-se frustrante. Tanto discursou o personagem, tanto discutiu com o espírito materno, tanto tal sombra reiterou-lhe o sucesso, que imaginamos uma cena de marcante sanguinolência. Muita pólvora foi usada, mas toda ela molhada, resultando em uma detonação falha. Faz um pouco de barulho, e só. Ao entrar no quarto paterno, vomita-lhe todo o ódio acumulado, confirma o duplo infanticídio, e informa-lhe do assassinato que se aproxima. Executa o crime sufocando o pai com um travesseiro. Está certo que havia uma lógica a seguir, a culpa a esconder, mas mesmo assim... Por isso falei da inconsistência do quarto final. Nas páginas 242/253, há a descrição pormenorizada do relacionamento do Padre com uma secretária, Dona Vilma. Da narração deste caso, com a lógica de um filme pornográfico, não se tira consequência alguma para a trama. É um excesso que poderia ser substituído por um incremento ao parricídio, ou mesmo que fosse simplesmente extirpado, não faria falta. Melhor caracterização do personagem? Não, porque àquela altura já se tem perfeita ideia a respeito dele. Ataques à Igreja Católica? Não também, pois ele avisa não ser esta sua intenção. O que incomoda, enfim, é que toda a obra foi elaborada visando este objectivo do Padre. Toda sua vida foi organizada para nada atrapalhar esta determinação.

Todavia, há uma possibilidade. Inaugura a obra o aforismo: "Não se deve confiar em ninguém". O Padre, na constante exigência de crédito, sempre lembra que o final, e só o final, pode ser falso. Se falso em relação à morte de Maria Helena, nada se perde. Se falso em relação à morte do pai, a frustração mantém-se. Se falso em relação aos dois casos (sugere que seu auto exílio na ilha pode ser falso, e ele pode ser um louco a escrever do manicómio) a obra perde seu sentido.

Já o assassinato de Maria Helena ocorreu em conformidade com o espírito doente do Padre. Esta mulher quase o faz abandonar a vida clerical, e desconfia-se que o homicídio paterno também seria afastado do plano inicial. Após ter "aberto a guarda", o Padre é rejeitado e os argumentos usados por Maria Helena parecem recolhidos pelo escritor nas ruas, de gravador em punho. Que a desforra do Padre não vire moda. Há uma breve ladainha sobre a falta de palavra que melhor descreva a cena, e se foi intenção do autor, neste ponto, realçar o desequilíbrio do sacerdote, conseguiu.

Encerra o livro a seguinte observação: "De qualquer forma, é bom lembrar que, mesmo eu morto, alguém como eu sempre poderá estar perto de você".

Para ir além






Ricardo de Mattos
Taubaté, 15/8/2002

Quem leu este, também leu esse(s):
01. O comerciante abissínio de Guilherme Pontes Coelho
02. Confissões de uma ex-podcaster de Tais Laporta
03. A inteligência, por Sandy & Junior de Paulo Polzonoff Jr


Mais Ricardo de Mattos
Mais Acessadas de Ricardo de Mattos em 2002
01. A Erva do Diabo, de Carlos Castaneda - 14/11/2002
02. Diário do Farol, de João Ubaldo Ribeiro - 15/8/2002
03. Moça Com Brinco de Pérola, de Tracy Chevalier - 24/10/2002
04. Cidade de Deus, de Paulo Lins - 17/10/2002
05. O Oratório de Natal, de J. S. Bach - 26/12/2002


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

ENVIAR POR E-MAIL
E-mail:
Observações:
COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
10/1/2010
12h23min
Acabei de ler o livro e também fiquei com a impressão de que no caso do parricídio foi muito barulho por nada. E que a primeira metade é bem superior à segunda. Começo muito bom, e final decepcionante.
[Leia outros Comentários de César Pinheiro]
COMENTE ESTE TEXTO
Nome:
E-mail:
Blog/Twitter:
* o Digestivo Cultural se reserva o direito de ignorar Comentários que se utilizem de linguagem chula, difamatória ou ilegal;

** mensagens com tamanho superior a 1000 toques, sem identificação ou postadas por e-mails inválidos serão igualmente descartadas;

*** tampouco serão admitidos os 10 tipos de Comentador de Forum.




Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Minutos de Oração para a Mulher de Fé
Stormie Omartian
Mundo Cristão
(2011)



Livro Gibis Nana Volume 7
Ai Yazawa
Jbc
(1999)



Câncer, Vida e Sensualidade
Lourdinha Borges
Bandeirantes



O Tamanho do Céu
Thrity Umrigar
Nova Fronteira
(2009)



Rio Liberdade
Werner Zotz
Nordica



Hotel Paradise
Martha Grimes
Record
(1999)



Pego em Flagrante
José Carlos S. Moraes
Ftd
(1998)



A Revolução dos Campeões
Roberto Shinyashiki
Gente
(1996)



Livro Ensino de Idiomas Romeo and Juliet
No Fear Shakespeare
Sparknotes
(2003)



Máquinas velozes
Shane nagle
Girassol
(2008)





busca | avançada
105 mil/dia
2,0 milhão/mês