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Sexta-feira, 23/5/2003
A Mente dos Outros
Alexandre Soares Silva

Um dos aspectos horríveis dos blogs é ver que pessoas bonitinhas escrevem feio. Uma amiga do colégio ouve você dizer que tem um blog. Sorri e diz que também tem um. Você contrai o esfíncter de desgosto, porque sabe que a sua amiga é tão normal, tão normal, que só pode escrever bestamente.

Ou essas garotas altas de dezesseis, que andam por aí carregando no alto de um corpo lindo uma mente brega. Mas você só descobre isso ao ver o blog dela. Antes disso, poderia pensar que é uma leitora de Cioran.

Quem poderia dizer que a minha vizinha linda escreve posts assim?: Ah... Ontem eu fiz um jantar aki em casa e convidei a dani, a luisa, a joana e o paulim!* foi masaaaaaaaaaaaa; * *** adoreeeeeeeeiiiiiiii1!!! ; ******* fikamo keimando o povo lah e falando sobre nossas experiências amorosas! ; ) kkkkkkkkkkkkkk :P

Pessoas bonitas deviam escrever bem; seria uma extensão natural do cuidado que têm com a pele. Ainda mais que essa garota usa oclinhos na ponta do nariz. É linda em tudo, mas tem uma prosa deformada; é uma mutilada-de-guerra da prosa. Uma menina-feia da prosa, com aparelhos dentários na sintaxe e acnes nas orações.

Também me dói saber (se a mente dela é como o blog dela) que sua mente é decorada por unicórnios, que num passado mítico foram símbolo de pureza, e agora são só símbolo do retardamento fofo.

Ah, e ela termina todos os posts com um bjauM. É importante colocar esse M final em maiúsculas, repare. bjauM.

Como também se recomenda a troca de todos os Cs por Ks, e a alternância enTrE leTraS mAiÚsCulaS e minÚsCulAs. Vieira faria assim, se fosse uma garotinha meiga chamada *Ingrid*, e fosse amiga da dani, da luisa, da joana e do paulim.

Sabe do que eu estou falando? Conhece o tipo?
Há mulheres que só chamamos de mulheres por uma espécie de cortesia - mas é estranho usar a mesma palavra para Lauren Bacall e Marilena Chauí. E não se trata de beleza: certas mulheres feias são inegavelmente mulheres. Nem de virilidade; não estou dizendo que certas mulheres na verdade são homens. Estou dizendo que certas mulheres - como por exemplo aquelas que trabalham nas secretarias de faculdades - são uma coisa à parte, como potes de iogurte, xaxins ou girinos.

Sim, o tipo a que me refiro é invariavelmente burocrático - um ser humano sem pênis, às vezes até mãe, freqüentemente tia, que se recusa a carimbar o seu papelzinho porque falta outro papelzinho, e que ri com desprezo da sua tragédia burocrática - sim, aposto que na secretaria da sua faculdade a pessoa que atende é assim (ela e um rapazinho usando dreadlocks, cara de percussionista, provavelmente chamado Tim). Reparem no sorriso de desprezo dela, como ela acha engraçado que você não saiba que a secretaria do SACSP não abre às quartas ou que para obter um cadastro de aluno especial classe 4 você precisa de um folheto verde preenchido, afixado a um boleto de pagamento e duas fotos. E você já está saindo da secretaria quando ela diz: Mas o prazo venceu ontem, viu?

Vocês estão vendo - não estão? - a cara amassada, o cabelo ruim, o penteado de Gal Costa circa 1983, o paletó bege com as mangas arregaçadas, o cigarro comprido? Estão ouvindo a voz rascante, mandona?

E isso é uma mulher? Como Louise Brooks era uma mulher?

Os Polemistas Mortos
É impressionante como todas as bestas amam os polemistas mortos. O mais irresponsável dos polemistas, porque morreu, é elogiado por um acadêmico fanho que seria sua vítima, mas não sabe disso.

Um polemista sábio deveria xingar a posteridade, para que os acadêmicos fanhos nunca pudessem achar que seriam amados pelo polemista. Deveria descrever os tipos que acha abomináveis, e proibi-los sequer de gostar dele. E cem anos depois, o acadêmico fanho leria aquilo, e secretamente se reconheceria, e teria convulsões de amor não-correspondido.

Porque é realmente duro ler textos de bestas reclamando contra polemistas vivos, dizendo que eles são irresponsáveis, como se a graça de todo polemista não fosse sua irresponsabilidade; e pior, batendo nos polemistas vivos com o busto dos polemistas mortos.

Acadêmicos exangues, ouçam, de uma vez por todas: Camilo Castelo Branco detestaria vocês; Mencken os xingaria; Paulo Francis não lhes daria bom-dia.

Literatura, amor e greve
Duas espécies de prostituição na literatura: por dinheiro, e por respeitabilidade.

No Brasil ninguém quer se prostituir, literariamente, por dinheiro. É muito difícil, nem parece possível. Donde a mais perigosa prostituição é a que é feita para ganhar respeitabilidade. Adota-se seja qual for o estilo considerado respeitável no momento, e seja qual for o tema. No Brasil, seria de fato uma virtude, para um escritor, se prostituir por dinheiro.

O que me parece ideal para um escritor seria fazer muita força para ser conhecido como escritor comercial, só como escritor comercial - passando uma vida inteira escondendo sua própria genialidade em pequenas passagens. Só depois de morto os leitores mais inteligentes diriam: olha a delicadeza deste parágrafo, olha a beleza desta cena. No século vinte, me parece que Patrick OŽBrian foi assim.

O talento devia ter o talento de se esconder um pouco. Nem sempre a Grande Arte vem pela Estrada da Grande Arte. Etc, etc.

Nota do Editor
Alexandre Soares Silva assina hoje o soaressilva.wunderblogs.com, ondes estes textos foram originalmente publicados.

Alexandre Soares Silva
São Paulo, 23/5/2003

 
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