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Quarta-feira, 17/12/2003
Com o coração na boca
Aline Pereira

Nunca consegui compreender as motivações que levam algumas pessoas a amarem o futebol sobre todas as coisas. Às vezes penso que é um tipo de vírus, daqueles que têm a resistência duplicada a cada nova invasão ao organismo humano. Quando se trata deste esporte, acho que esse intruso percorre a corrente sanguínea da "vítima" e se aloja no coração. É a única explicação (louca) para justificar tanta paixão por um time.

Provavelmente algum agente patogênico contagiou o imortal José Lins do Rego Cavalcanti (1901-1957), paraibano e flamenguista até debaixo d'água. O autor de consagrados títulos da literatura brasileira - Menino de Engenho, Doidinho, Bangüê, Fogo Morto, Usina, entre outros - me pregou uma peça: vascaína que sou, li as 111 crônicas de Flamengo é puro amor - publicado em 2002 pela José Olympio Editora.

Em "Sangue para o Vasco", escrita em 1948, o autor narra com humor e ironia requintados a ocasião em que doou sangue para um doente, no Hospital Jesus (Vila Isabel, RJ). Quando resolveu trocar uma idéia com o menino, perguntou para qual clube ele torcia. O doente foi categórico: "Doutor, sou Vasco". E com muita classe encerra a questão: "E assim se explica como o rubro-negro José Lins do Rego teve a honra de dar o seu sangue ao Vasco". A sutileza desta e de outras crônicas fica a critério do leitor.

É certo que as crônicas de Lins do Rego não são isentas; são apaixonadas. No entanto, emoção e razão parecem estar equilibradas em algumas delas, quando ele não desconsidera a importância de clubes como Botafogo, Vasco e Fluminense - este último retratado como um dos gigantes do futebol carioca (contrariando a realidade contemporânea - que me desculpem os tricolores, e o maior deles: Nelson Rodrigues). Ao ressaltar o clássico "Fla x Flu", em texto de mesmo nome, o autor afirma: "restam dois grandes de sempre. O aristocrático das Laranjeiras, com o luxo das suas rendas de fidalgo, e o rude, o desmedido, o sem medo, o impávido, quase que louco, o generoso e bom Flamengo, o clube de todo o Brasil"

A paixão de José Lins do Rego pelo Flamengo é, sobretudo, um sentimento de exaltação à brasilidade. Por considerar este clube popular e democrático, "Zelins" - como foi carinhosamente apelidado por amigos, já que assinava seus textos simplesmente como Zé Lins - afirmava que o Flamengo é o time do povão, aquele que expressa o brasileiro: um exímio guerreiro.

As crônicas são um prato cheio para aqueles flamenguistas de carteirinha, e também para os amantes e pesquisadores do futebol. Eles terão uma grata surpresa com a brilhante contribuição de Marcos de Castro, responsável pela seleção dos textos, introdução e notas da obra - há uma para cada crônica. Seus adendos são importantes porque transportam o leitor para o final da década de 1940 - época em que José Lins do Rego se dedicava à coluna diária "Esporte e Vida", publicada no Jornal dos Sports (RJ). Entre 7 de março de 1945 e 20 de julho de 1957, Lins do Rego escreveu mais de 1500 crônicas sobre futebol. O último texto foi publicado quando ele já estava doente e necessitava de um escriba - no caso, o poeta e amigo Thiago de Mello.

A melhor expressão do livro e dos indícios que me auxiliaram a construir a "teoria" de que a paixão pelo futebol é virótica estão na declaração de amor de Zelins ao clube, na crônica "O Flamengo", escrita em 15 de novembro de 1951, quando o "vermelho e preto" completava 56 anos: "Mais um ano do meu querido Flamengo. Amo-o como um dos mais ardentes amores de minha vida. E por ele este meu coração de 50 anos bate no peito com as 120 pulsações dos minutos apertados da torcida. Sinto-o na angústia e não me amargo com isso. Aí está a minha paixão incontida, o meu arrebatamento de homem, confundido na multidão".

Se você é flamenguista, há de ter concordado com ele. Não é o meu caso.

Uma dica que não tem a ver com futebol

Até 04/01/2004, o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB: Rua Primeiro de Março, nš66 - Centro/ RJ) exibe a exposição Arte da África. Mais de 300 obras-primas da coleção do Museu Etnológico de Berlim estão à disposição do público, de terça-feira a domingo, das 11 às 20h; ou quinta-feira, das 11 às 22h. E o melhor: a entrada é franca!

Da mostra, fazem parte objetos da Nigéria, Congo e Camarões. Algumas das peças datam do séculos XVII ao XX, desmitificando a idéia de que a arte africana é primitiva, e/ou de que está somente ligada ao aspecto religioso.

Dividida em quatro partes - Aspectos da História da Arte, Escultura, Performance e Arte do Cotidiano - esta exposição é, sem dúvida, imperdível pela sua exuberância. Seu mérito está em não ter se restringido somente às máscaras ou esculturas figurativas, mas sim, por auxiliar na (re)construção de um passado histórico e valorizar os artistas do maior continente do mundo.

Para ir além





Aline Pereira
Rio de Janeiro, 17/12/2003

 
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