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Quinta-feira, 19/8/2004
Publicidade gay: razão ou sensibilidade?
Adriana Baggio

A publicidade acompanha a liberalidade dos novos tempos. Não porque a publicidade seja revolucionária ou inovadora: os publicitários moderninhos até podem ser, mas as mensagens que produzem precisam de eco na sociedade, e a sociedade ainda é conservadora.

A presença de negros, gays e idosos na propaganda deve-se a uma exigência do consumidor, que na maioria das vezes não está relacionada à quebra dos preconceitos. A exigência refere-se a obrigação que temos de contribuir, de alguma forma, com o bem-estar social. Se não temos tempo ou caráter suficiente para isso, fazemos nossa parte consumindo produtos que sejam (ou que dizem ser) socialmente responsáveis. O arroz tem a marca de uma fundação que luta contra o trabalho infantil, a empresa de cosméticos auxilia em campanhas de prevenção ao câncer de mama, outra tem uma atuação responsável junto às comunidades extrativistas da Amazônia.

A presença dos três representantes de grupos de consumidores marginalizados, citados acima, nos planejamentos de marketing e comunicação das marcas, faz parte dessa lógica de consumo. Além de angariar a simpatia do público, as empresas têm em vista um objetivo muito mais concreto: a manutenção da lucratividade, ameaçada pela saturação dos mercados. Essa saturação é forte nos Estados Unidos e já começa a ser sentida em alguns segmentos no Brasil. A saída? Buscar públicos que ainda não tinham tido o privilégio de ser alvo dessas empresas. Um desses grupos é o de homossexuais.

Se formos observar criticamente os anúncios que, de alguma forma, se utilizam da temática homossexual, é possível perceber os objetivos por trás da veiculação destas mensagens. A sutileza da abordagem é maior ou menor dependendo de uma combinação de fatores como: se o serviço ou produto é dirigido ao público gay; se a publicação é dirigida ao público gay; se o objetivo da utilização da temática gay é de identificação com o público ou para, simplesmente, chamar atenção.

Marcas de produtos ou serviços não dirigidos, mas que queiram abordar o público gay, tendem a usar uma linguagem mais sutil, para não correr o risco de perder outros clientes. Essa sutileza aumenta ou diminui dependendo do local de veiculação. Em revistas dirigidas, onde se pressupõe que só os leitores gays verão o anúncio, a linguagem é um pouco menos sutil. Em outras publicações, a sutileza alcança o nível da ambigüidade, onde cada leitor entende e mensagem como quiser.

Por outro lado, marcas de produtos que são dirigidos ao público gay e não dependem de consumidores não-gays, utilizam uma linguagem mais explícita. Da mesma maneira, a linguagem também é explícita quando a homossexualidade é apenas mais uma "sacada criativa" utilizada na construção do anúncio e não tem relação com o produto/serviço ou com seu público-alvo.

Já que a publicidade é um termômetro da sociedade, o fato de existirem anúncios com a temática homossexual indica um progresso, um princípio de aceitação. Porém, a maneira como a homossexualidade é representada revela que a visão sobre o tema ainda é estereotipada.

Mesmo que, nos anúncios, a homossexualidade esteja aparentemente aceita e legitimada, nas entrelinhas o que se percebe é uma visão ainda restritiva e preconceituosa. O homossexual masculino é aceito, mas não "oficializado". O gay já não sofre mais a opressão física de antes. No entanto, as condições para a manifestação e vivência da homossexualidade são restritas, tanto no âmbito social, como no âmbito dos direitos civis.

A temática homossexual utilizada pela publicidade não significa, necessariamente, um desejo de falar especificamente com o público gay. Quando usada apenas como recurso criativo, ela perde seu significado de representação para se tornar um adereço. Enquanto adereço, essa temática encaixa-se na mecânica de produção da Indústria Cultural, onde a necessidade de massificação exige uma padronização, um nivelamento que apara as arestas e mantém apenas o que pode ser facilmente distribuído e consumido. Nesse sentido, a estética gay pode mais prejudicar do que contribuir para uma legitimação da homossexualidade, porque não considera as diferentes personalidades dos homossexuais e reforça apenas um estereótipo que, se não é degradante, pelo menos não reflete a realidade desse universo.

Quanto às empresas que realmente perceberam a importância de especificar suas estratégias de comunicação e marketing para o público gay, vale lembrar de Naomi Klein. No livro Sem logo, a autora mostra que as empresas adotam essa postura muito mais por uma necessidade mercadológica do que por consciência social. Junte isso ao desejo dos homossexuais por uma maior e melhor representação na mídia e tem-se o contexto ideal para o surgimento de uma onda de anúncios e ações dirigidas ao público gay, o que já vem acontecendo.

Como separar as iniciativas sinceras das "oportunistas"? O consumidor brasileiro ainda não percebeu o poder que tem nas mãos. As empresas que não têm coerência entre suas campanhas publicitárias e suas atitudes não conseguem conquistar o consumidor homossexual. De nada adianta anunciar apresentando a temática homossexual se, internamente, a empresa adota políticas restritivas. O resultado é o boicote por parte do público, como aconteceu com a United Airlines. Em 1999, a empresa ficou em posição difícil ao abordar o mercado gay ao mesmo tempo em que sofria um processo por parte de seus funcionários homossexuais, que exigiam benefícios para seus parceiros. O caso é relatado por Mike Wilke, idealizador do site Commercial Closet, especializado em discutir a publicidade homossexual.

Oportunistas ou não, desde que as empresas sejam coerentes no que falam e no que fazem, as ações de comunicação socialmente responsáveis podem representar a diferença em mercados cada vez mais concorridos. Especialmente no Brasil, onde infelizmente ainda engatinhamos como consumidores, a postura de rejeição ou aceitação de uma marca em função de sua atitude social é a arma que temos para melhorar a qualidade do nosso consumo e, porque não, contribuir também para um sociedade mais saudável.

Adriana Baggio
Curitiba, 19/8/2004

 
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