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Segunda-feira, 26/9/2005
O enigma de Michael Jackson
Marcelo Miranda

Hoje em dia é moda fazer troça de Michael Jackson. Desde o estouro das acusações de pedofilia contra o músico, o bom humor parece pedir que debochemos dessa figura tão estranha e bizarra. Mas houve um tempo em que isso era diferente. Houve um tempo em que não era vergonha dizer que se era fã de Michael Jackson. Houve um tempo em que um disco do cantor vendeu mais de 40 milhões de cópias, marca até então absolutamente inacreditável e histórica. Então, para começo de conversa e antes de mais nada: eu fui fã de Michael Jackson.

Deixemos claro: não da pessoa, mas do astro pop. Não de sua personalidade, que é dele e ninguém tasca, mas do talento, da genialidade no palco, da música, da dança, das inovações. Poucos artistas criaram parâmetros tão sólidos para gerações de novos músicos e milhares de fãs. Elvis Presley, Beatles e Michael são peças raras e nunca igualadas. Frente à desmoralização a que ele vem sofrendo (muito por sua própria culpa, como veremos mais adiante), é preciso relembrar quem é, na verdade, esse Jackson que surgiu na constelação musical ainda criança para revolucionar o conceito da indústria e dos fãs a respeito de vendagens e sonoridade. Nesse sentido, o livro Michael Jackson: A Magia e a Loucura (Globo, 2005, 688 págs.), do jornalista J. Randy Taraborrelli, chega em hora apropriada. Pode não ser capaz de resgatar do poço o verdadeiro MJ, mas pode, no mínimo, fazer reconhecer sua importância fundamental.

Logo no início, o autor deixa clara sua relação com o biografado. Afirma conhecê-lo desde quando ambos ainda eram moleques e acompanhou cada passo de sua carreira, através de coberturas para jornais e revistas onde trabalhava. Ao longo de décadas, fez entrevistas com familiares, amigos, empregados, conhecidos, psicólogos, e, claro, com o próprio Michael. Decidiu juntar todo o material de uma vida e organizá-lo numa espécie de biografia definitiva sobre o ídolo de gerações. Taraborreli leva a sério a proposta e entrega um trabalho de mais de 600 páginas, narrando com riqueza impressionante de detalhes o cotidiano de MJ, do nascimento até o ano passado. Obviamente, boa parte do livro destaca a trajetória do Jackson 5, grupo formado por quatro irmãos e um amigo e coordenado pelo patriarca Joseph Jackson com mão de ferro (o uso de força física de Joseph contra os filhos é notório). Michael era o vocalista, e foi quem chamou mais atenção desde o começo.

A forma como o jornalista desenvolve o texto é instigante. Intercala descrições com citações de entrevistados, tornando o texto leve e agradável de acompanhar. Mais que isso: às vezes romanceia determinados acontecimentos, formando uma história que, por vezes, esquecemos ser verdadeira. E Taraborrelli não se fixa só na carreira. Importa a ele, em especial, três aspectos: as relações familiares, com um Michael caminhando sempre à independência e, quando adulto, sendo dono do próprio nariz, disco e carreira; o lado artístico, o que inclui negociação com gravadoras, criação de discos e dados numéricos; e o contato do próprio autor com Michael, quando ele relata entrevistas exclusivas ou conversas informais ao vivo ou telefone. Nesse sentido, o livro é extremamente eficiente por abarcar Michael Jackson de todas as formas possíveis, através do olhar de alguém que, ainda que fã assumido do astro, não se deixa cegar e critica duramente desde comportamentos inapropriados a trabalhos de má qualidade.

Assim, viajamos pelos anos 60, quando os Jackson 5 surgiram e, no fim da década, assinaram com a mítica gravadora Motown um contrato cheio de problemas. Ainda assim, foram sucesso estrondoso com músicas que ainda hoje são contagiantes ("I Want You Back" e "ABC", principalmente). Acompanhamos a traumática mudança para a CBS, deixando para trás um dos irmãos (Jermaine) e o nome original, que era direito da Motown. Agora apenas Os Jacksons emplacaram novas sensações, até Michael decidir tocar sozinho e lançar o álbum solo Off The Wall. Mas a independência viria em 1982, com Thriller. Perfeito do início ao fim, com apenas nove faixas, mas todas memoráveis (além da música-título, temos "Beat It", "Human Nature" e "Billie Jean", entre outras), o disco alcançou a marca das 40 milhões de cópias - isso porque o produtor Quincy Jones apostava que não passava dos 2 milhões, o que muito irritou Michael.

Aliás, o temperamento de Michael Jackson foi um dos grandes culpados pela catástrofe na qual sua carreira se afundaria a partir do fim dos anos 80. Tentando a todo custo superar a força de Thriller, ele lançou um álbum apenas razoável (Bad) e começou a querer pessoalmente aparecer mais que sua obra musical. Plantou notícias na imprensa, causou polêmicas gratuitas (como anunciar a compra dos ossos do homem-elefante) e sempre fez questão de aparecer em público acompanhado de garotos menores de idade ou deixar clara sua predileção por cirurgias plásticas e embranquecimento da pele (apesar de sempre negá-las). Ora, uma coisa seria ele ter suas idiossincrasias no conforto do lar; outra foi escancarar manias e deboches para todos os fãs (e não-fãs). Com isso, Michael armou a bomba que, poucos anos depois, explodiria em cima dele mesmo: a fama de figura esquisita e estranha e, o mais grave, as acusações de pedofilia.

O ano de 1993, particularmente, deve ter sido o pior da vida de Michael Jackson (ao menos até seu julgamento no meio de 2005). Foi quando ele se viu acuado pela família do adolescente Jordie Chandler, que confessou ter sido molestado pelo músico. Taraborrelli conta o quanto a situação se complicou e provocou traumas em Michael, a ponto dele cancelar shows, entrar em depressão e se viciar em remédios. É, certamente, a parte mais sombria do livro, quando o autor mergulha no drama de seu personagem principal e descreve um processo judicial dos mais dramáticos e espetaculares, prato cheio para uma mídia sedenta por fofocas de peso - e originadas de MJ, então, era a glória.

Neste ponto do livro, até Taraborrelli parece se seduzir pela glamorização dessa fase na vida do biografado e simplesmente pára de falar de sua carreira. O lançamento do disco e da turnê Dangerous é apenas citado, sem nenhum tipo de análise sobre as músicas (como havia sido feito com extrema eficiência até ali). O lado artístico de Michael é quase completamente ignorado (só não o é porque tudo o que acontece se dá durante a continuidade das turnês mundiais), ficando apenas longos comentários e entrevistas dos envolvidos no escândalo. Mesmo quando o litígio acaba, a sedução continua: Taraborrelli avança sobre o relacionamento do astro com a filha de Elvis e outros lances polêmicos - como brincar com o filho numa janela, como se fosse soltá-lo lá de cima. Outro pecado do livro é não trazer a discografia listada em separado de MJ, algo que seria de enorme valia para pesquisas ou simples informação.

Apesar dessa última parte infinitamente mais especulativa que todo o resto, A Magia e a Loucura é indispensável dentro dos registros da cultura pop. Poucos livros têm essa força de ressurgir com a importância de um mito moderno sem deixar de apontar seus maiores pecados e mistérios. E o mais complexo: apesar de relatar a vida toda de Michael Jackson, o leitor termina as páginas sem saber exatamente o que pensar. Admirá-lo? Odiá-lo? Temê-lo? Não se sabe, e Taraborrelli não fez o livro para dar respostas. Michael segue sendo uma das personalidades mais enigmáticas do show business. O ideal, depois da leitura, é colocar um de seus bons discos (seja da fase com os irmãos ou sozinho) e curtir uma música que ainda não envelheceu. Isso, podem vir ou ir escândalos, ninguém tira de Michael Jackson - porque, no fim, é o que realmente importa a nós, meros mortais, alguns ainda assumidamente fãs de seu trabalho.

Nota do Editor
Leia mais em "Quem somos nós para julgar Michael Jackson?".

Para ir além





Marcelo Miranda
Juiz de Fora, 26/9/2005

 
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