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Quinta-feira, 20/10/2005
O erótico e o pornográfico
Adriana Baggio

O pornográfico sempre me pareceu mais relacionado à imagem do que ao texto. Está mais presente em revistas com poucas palavras e muitas fotos, filmes com muitos closes e pouco roteiro, quadrinhos com muitos desenhos e poucos balões. Mas se existe uma situação em que essa relação se inverte é no livro O banquete: as gostosas de Caco Galhardo revisitadas por Marcelo Mirisola (Editora Barracuda, 2004, 77 páginas). Enquanto os traços do cartunista dīOs pescoçudos são elegantemente eróticos, a pornografia fica mesmo é por conta do texto de Mirisola, que acompanha cada ilustração.

Esse banquete oferece 31 pratos, ou melhor, mulheres "gostosas", que Caco foi desenhando e colocando em seu site (só para assinantes do UOL). Como ele mesmo diz, "deu trabalho, mas que mulher não dá"? Talvez tenha sido a dedicação a essas meninas que levou o cartunista a decidir reuni-las em livro. Como acompanhamento, histórias apimentadas.

Mesmo com a nudez, as poses provocantes e os elementos de fetiche, o resultado é eroticamente bem-humorado. Difícil não sorrir com os traços de Galhardo. As formas estilizadas e as indefectíveis sombras dão leveza aos desenhos. No entanto, também foram capazes de inspirar Marcelo Mirisola a escrever para cada uma delas um pequeno conto, normalmente meio sórdido. O da "Tati", a primeira que ele mandou para Galhardo, pode ter deixado as catarinenses meio ofendidas: "Veio do oeste de Santa Catarina. A mesma região que exporta barbies longilíneas pras agências de modelos e pros puteiros de luxo em São Paulo".

É um estilo de texto que está meio na moda, acho eu. Com certeza, é uma proposta válida, com qualidades literárias que alguém mais afinado com o tema poderia descrever aqui. Mas desde que eu deixei de me interessar por aqueles belos livros de capa dura com figuras de fadas e príncipes, é a primeira vez que prefiro a ilustração às palavras. Os meninos talvez gostem mais, porque o texto transmite uma espécie de ressentimento com o feminino. A leitura pode até servir como reelaboração de alguma emoção mal-resolvida.

Não que isso signifique alguma mágoa pessoal de Mirisola com as mulheres. É absurdo interpretar o conteúdo da ficção como se fosse o pensamento do escritor. Mas existe uma certa recorrência de assuntos que, se não fazem parte da opinião do autor, devem ser algum tipo de informação do inconsciente coletivo masculino. Por exemplo, percebe-se uma ligeira implicância com essa história de comidinhas diferentes, restaurantes da moda, culinárias exóticas de diversas partes do mundo. É algo de que as mulheres gostam, talvez mais do que os homens. Então, veja só o que os rapazes dos contos do Mirisola acham disso:

Em "Donna"
"(.) ela pediu alguma meleca ao molho curry no restaurante indiano (.)"

Em "Glorinha Fuad"
"Nada poderia justificar o fato de ela ter mencionado uma posta de salmão ao molho de maracujá servido não sei em que 'bistrô' perto do (.)

Em "Lisa"
"(.) pagou a conta do bistrô (dois queijos quentes metidos a besta.) e me disse (.)"

Além das 29 "gostosas" iluscritas pelo Marcelo Mirisola, o livro tem mais duas de bônus. "Suzie Q. on the beach" é uma participação especial de Mário Bortolotto, menos crua, mais fluida, quase cavalheiresca. E a trigésima segunda. bem, essa não tem nome. Ainda. É uma "gostosa" especialmente reservada para o leitor se inspirar e escrever seu conto. A mulher está deitada de lado na cama, com calcinha preta. Pode ser vista de costas por quem abre a página. Compre seu livro, escreva o texto e mande para [email protected]. Na época do lançamento do livro, alguns foram postados no blog da editora. Se houver uma nova onda de textos, talvez eles voltem a publicar...

Curiosa para conhecer algumas dessas tentativas dos leitores, andei fuçando no site da Barracuda e descobri um link para o blog (Homem Baile) de um cara que fez sua versão. Acho que se ele não tivesse se preocupado em parecer com o Mirisola ("ajeito os bagos", "big de uma ereção"), o resultado teria ficado melhor. No entanto, gostei da estrutura com começo-meio-e-fim - tão fora de moda, né? - e do fator surpresa. Aí vai, para você conferir e dar sua opinião também:

O fotógrafo

Valkyria tem um rabão.
"Val, empina um pouco a bundinha?"
"Assim tá bom?"
Está perfeito. Escolho bem os ângulos e capricho nos cliques, pois é a primeira vez que fotografo para um site de acompanhantes. Enfio a mão por dentro da cueca e ajeito os bagos; estou com uma big de uma ereção.
"Isso aqui não vai aparecer? Tá meio vermelho por causa da depilação..."
"Não tem problema. Se aparecer, eu tiro com o Photoshop."
Na cama, Valkyria com a calcinha enfiada no rabo (dava para enxergar a marquinha de biquíni). Eu em pé, câmera na mão, a cueca apertando o meu pau. Já estava achando que não ia prestar, que a sessão de fotos acabaria em sacanagem.
"Quer mais vinho, moça?"
"Eu quero."
Mais vinho, mais fotos, eu doido pra furar o couro. Rosto de criança, ela jura que não tem silicone na bunda: "só um pouquinho nos peitinhos". Boca carnudinha, piercing no umbigo, coxas gostosas, pés pequenininhos. A pedido meu, ela tira a calcinha e se vira de frente.
"Você quer mesmo operar?"
"Tou juntando dinheiro pra isso."
Desperdício: por que jogar fora um pau assim bonito, tão maior que o meu?

.

Mudando (um pouco) de assunto

Os traços limpos e coloridos de Caco Galhardo, as sombras que caracterizam seu estilo e o humor dos seus desenhos tornam mais leve o tema de um outro livro, nada a ver com O banquete. Ele ilustra as situações que são abordadas em A saúde mental do jovem brasileiro (Edições Inteligentes, 2004, 175 páginas).

A publicação é obra de quatro psiquiatras, Bacy Fleitlich-Bilyk, Ênio Roberto de Andrade, Sandra Scivoletto e Vanessa Dentzien Pinzon. Ao contrário do nome imprununciável de seus autores, o texto do livro é de fácil compreensão. Aborda de forma didática e explicativa os distúrbios mentais que acometem os adolescentes, descrevendo alguns deles e sugerindo atitudes de prevenção e tratamento que podem ser adotadas pela família, pela escola, pela comunidade e pelo poder público.

Além do conteúdo importante e acessível e das ilustrações de Galhardo, o livro possui outros atrativos. Tem diagramação leve, impressão de qualidade e um contundente prefácio de Frei Betto: "(.) investir no aumento dos índices de desenvolvimento humano e, em especial, na educação das meninas, é o caminho adequado para uma sociedade mais justa e em melhores condições de lidar com a saúde mental dos jovens".

Foi viabilizado pela Fundação Djalma Guimarães, responsável pelas ações de responsabilidade social da CBMM - Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração, de Araxá. O site da Fundação mostra que, entre os vários projetos apoiados pela empresa, muitos são relacionados aos cuidados com a infância e com a adolescência. Tomara que, na prática, seja verdade.

Para ir além








Adriana Baggio
Curitiba, 20/10/2005

 
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