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Sexta-feira, 18/11/2005
Internet 10 anos – 1996
Julio Daio Borges

(Começa aqui...)

Em 1996, eu estudava francês e fui passar uma temporada em Paris. Mas não ouvi falar de internet lá. Nem me passava pela cabeça. Imagine que sem e-mail eu escrevia longas cartas para os meus amigos, esperando que eles me respondessem, porque ia ficar lá "longos" dois meses. Eu tinha saudade dos meus amigos, mas eles não me responderam pelo correio.

Minha maior relação com tecnologia em Paris, em 1996, foi que eu comprei os CD-ROMs que eu invejara de um professor da Poli: comprei os do Louvre e o do Musée d'Orsay (não havia pirataria ainda). Hoje isso não faz o menor sentido porque provavelmente todas as imagens estão disponíveis (e muito mais acessíveis)... na internet. Mas em 1996 não havia quase internet. (Eu não sei se eu já falei pra vocês...)

Em 1996, também, eu comecei a namorar uma colega do francês, já em São Paulo, e ela me contou secretamente que seu pai tinha um e-mail...! "Nossa, seu pai deve ser importante", disparei - naquele então, expliquei, nem as empresas (brasileiras) tinham e-mail direito... Como disse, eu acessava a Web desde 1995, mas não sabia distinguir - acreditem - um endereço de site de um endereço de e-mail.

O grande impulso para meu contato mais estrito com esse mundo foi outro estágio que fiz numa consultoria em meados de 1996 (com a ida a Paris, acabei abandonando o estágio da Poli em 1995). Lá, nessa empresa, pude entender o que era a internet na prática. Eu administrava uma rede e, longe de toda a teoria da faculdade, pude me apaixonar novamente pela computação.

Com o dinheiro desse estágio comprei o primeiro computador do meu bolso, onde fui instalando cada coisa. E perdendo finais de semana em instalações e reinstalações de periféricos... Meus colegas mais radicais compravam a placa-mãe e montavam. Inclusive a "torre", com ventilador, fonte (de alimentação), BIOS, aquelas coisas (alguém um dia soube dessas coisas?).

Mas o texto é sobre internet, não é mesmo? Pois então. Em 1996, eu comprei o meu primeiro fax-modem, da US Robotics. E instalei o bicho. Antes, antes de 1996, as pessoas até tinham fax-modem, mas como eram poucas pessoas, nem conseguiam se descobrir, nem se encontrar, muito menos se comunicar... utilizavam mais a porção "fax" do que a "modem".

Instalar a internet era o ó do borogodó. Eu já havia instalado no escritório, assim em casa foi relativamente fácil. Você pegava um CD-ROM de um provedor - eles distribuíam em shoppings -, e seguia o manual passo-a-passo. O primeiro que peguei foi da IBM; não funcionou. O segundo, por influência de um colega da Poli, foi da MTECnet. Esse funcionou.

Meu e-mail era [email protected]. Eu achava fácil, minha namorada achava difícil. O e-mail mais fácil para ela era o de uma amiga da faculdade de direito: [email protected]. Tive ainda o [email protected] e o [email protected] - e seguia teimando com a minha namorada que os meus endereços eram muuuito mais fáceis de guardar...

Naquela época, a internet era uma coisa de dois ou três links. Na página do meu provedor, havia algumas indicações para navegação. Por exemplo, a loja CDNOW. A Amazon também estava lá, mas dela eu já sabia, por causa de um colega de trabalho que adorava comprar livros na língua do Tio Sam, e que tinha até mousepad da Amazon - um luxo só.

Naquela época, também, era preciso instalar, além do fax-modem, o navegador. Hoje o Internet Explorer já vem pré-instalado no Windows, mas em 1995-96 todo mundo usava o Netscape - e disquetes eram passados com a versão 2.0 e 3.0 (gold). O Explorer ainda gerava dúvidas e eu me lembro de um colega defendendo-o ardentemente, porque, através dele, era possível clicar com o botão da direita do mouse e salvar imagens...

Surgiam as primeiras homepages. E esse mesmo colega meu queria porque queria que a sua abrisse ao som de Beethoven. Era sua maior preocupação. Outro, outro colega da Poli com homepage, ficava preocupado se o GIF animado que havia colocado na sua página efetivamente girava em outros browsers... Os professores - coisa rara - estimulavam e até concediam espaço no servidor da USP para quem quisesse tentar.

Eu não tentei. O que eu ia colocar lá? Mas participei da feitura do site da empresa de alguma forma. Um consultor, quase tão jovem quanto eu, justamente com experiência anterior numa empresa de internet, montava o mgdk.com.br aos poucos e me mostrava. Baixava o tal do HotDog e quebrava a cabeça por causa de bobagens como: a cor de fundo; o link para envio de e-mails; e, até, se ia aparecer "LTDA." ou não.

Na empresa, fiquei com a incumbência de administrar os e-mails corporativos e, de uma hora pra outra, me senti o Master of the Universe. (Também quando me deram a chave do escritório, durante uma mudança, mas essa é outra história...) Eu criava os endereços das pessoas (primeiro ponto último nome arroba etc.), detinha todas as senhas e infernizava todo mundo com o uso indiscriminado do endereço [email protected], que espalhava mensagens para obviamente todos na empresa.

Surpreendentemente, em 1996, não havia quase spam. Minha namorada da época, inclusive, usava um cliente de e-mail (Outlook da vida) que, quando não havia mensagem, confortava assim a pessoa: "Sorry, you have no e-mails". Foi ela quem descobriu o Hotmail, que insistia em chamar de "Hotline". Ah, e logo que saiu a versão (nova?) do Outlook Express que permitia administrar múltiplas contas de e-mail, eu dei pulos de alegria e anunciei a boa-nova aos quatro ventos.

Era sinal de status ter o e-mail da empresa em que você estagiava ou trabalhava. Era um sinal de vínculo e praticamente de reconhecimento. A minha empresa era nova e pouca gente conhecia (tinha de explicar), mas meus colegas de faculdade ostentavam e-mails arroba banco-não-sei-quê, e-mail arroba corretora-não-sei-das-quantas, e-mail arroba consultoria-não-sei-de-que-tipo.

Agora não sei se foi em 1996 (ou em 1997), mas peguei minha primeira peça usando e-mail falso nesses anos. Por algum motivo que agora me é obscuro, um professor, temido na Poli, entrou na nossa lista de discussão. Ele era um dos poucos que tinha, e fornecia, seu e-mail, e parece que - como castigo - todo mundo o copiava em todas as mensagens.

Configurei meu Outlook para enviar e-mails como se fosse ele. Funcionou. E vinguei o professor. Comecei a responder às mensagens mais banais da turma ameaçando reprovar os mais brincalhões. Um colega meu que dependia da aprovação na matéria desse professor para se formar naquele ano (ou no outro) arrepiou os cabelos, tremeu na base e gelou. Até hoje não tenho certeza se me perdoou pela brincadeira, mas que foi engraçado, foi.

No dia seguinte, a suposta mensagem do temível professor era o comentário. Estimulado, inventei uma porção de coisas sobre a vida do professor. Inventei, por exemplo, que sua filha (admirada pela sua beleza por todos) estudava no Mackenzie e que sua faculdade (a dela) colocava no chinelo a PUC e até a USP. A lista de discussão ferveu e os quebra-paus foram aumentando.

Até o dia em que eu me enchi e revelei que era eu por trás de tudo. "Genial!", exclamou um colega bem-humorado; já os outros não sei ao certo o que acharam... Quando da minha formatura, no momento exato em que fui pegar o canudo, foi o tal professor quem me entregou e apertou minha mão. Pensei que ele fosse me repreender de alguma forma (ou até me agradecer, quem sabe) mas apenas sorriu e nada falou.

A internet para nós era quase uma brincadeira, mas para muita gente, principalmente nos Estados Unidos, já era coisa séria. Nessa mesma época, estavam sendo inventados (ou aperfeiçoados) o Yahoo!, o AltaVista, o mesmo Hotmail e até - como embrião num paper dos acadêmicos Larry Page e Sergey Brin - o Google. Eu não sei se - podendo ou sabendo - teria começado antes. O Cadê - como eu já disse aqui - tinha metade dos visitantes que o Digestivo tem hoje e era a grande sensação da internet brazuca (foi vendido por milhões logo depois).

Eu comecei no outro ano, 1998, pelo e-mail, via newsletter, como o CardosOnline. Jamais acreditaria, se me dissessem em 1995-1996, que meu futuro estaria na Web. Naqueles anos, quem investia em internet, investia em infra-estrutura. A mesma consultoria em que eu trabalhava, por exemplo, pensou em abrir um provedor - e me convocaram para uma minirreunião...

"Olha, provedor, eu não sei, não... Mas tem um negócio muito, muito bom, chamado Digestivo Cultural, o problema é que vocês vão ter de esperar uns anos..."

Julio Daio Borges
São Paulo, 18/11/2005

 
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