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Segunda-feira, 30/1/2006
A crise dos 28
Marcelo Maroldi

Onde está a certeza de outrora? Sobrevive escondida?, ou levaram embora?

Na última terça-feira completei 28 anos de idade e isso me causou um problema muito sério. Eu entrei na "crise dos 28", se é que você me entende...

Em primeiro lugar, é necessário um dado social e histórico antes de prosseguir com este texto. Se eu tivesse nascido na idade média e tivesse tido a sorte de ter chegado aos 28 anos, faltariam apenas alguns poucos anos para meu fim, e está crise teria sido pelo menos uns 15 anos antes. Entretanto, se eu tivesse nascido no século 19, estaria na metade de minha vida, e a crise dos 28 talvez tivesse ocorrido aos 20, ou menos, sei lá! Mas, como nasci apenas no final da sétima década do século passado, já vivi, segundo me contou um cigano que trabalha no IBGE, 1/3 da minha vida. É ai que surge a "crise dos 28", compreende? Eu, homem branco, classe média, não fumo, não vou para guerra, sem doenças degenerativas herdadas, não trabalho para o tráfico, etc., vivi a primeira das 3 partes da minha vida, se nada de errado ocorrer com ela. E entrei na crise supracitada ...

Depois, eu agravei a crise pensando no Torquato Neto, que se suicidou na madrugada seguinte ao 28 aniversário dele e deixou aquele bilhete que se inicia com "FICO". Não, amigo leitor, eu não pensei em me matar feito aquele poeta, até mesmo porque já se passaram algumas madrugadas depois do meu 28 aniversário (e se é pra imitar alguém eu imito direito!). Mas, o cara viveu o mesmo tempo que eu (3 dias a menos, a propósito), e fez muito - muito - mais do que eu. É isso que me incomoda: parece que eu passei 28 anos da minha vida fora de mim e não fiz nada, nada, nada... Eu nem sei mesmo se já vivi tudo isso, parece que foi ontem que passei pela crise dos 20, aquela logo depois da dos 15! Uma sensação estranha se apoderou de mim, uma sensação de que o tempo passou e continua passando muito rápido e que eu não fiz nada em todos esses milhares de dias! 28 anos de vida nenhuma, sabe? Deus, onde estive durante todo esse tempo?

Bom, não entrarei nas minhas inquietações pessoais. Aliás, você que está se perguntando o que esse meu papo tem a ver com jornalismo cultural, respondo: não tem! Nada a ver, eu estou delirando! Mas, como sempre sou cobrado (editores, leitores, colegas) por ainda não ter escrito um texto de apresentação pessoal, pensei que eu tinha o direito de redigir essas linhas que agora redijo. Mais que isso: eu me abri com vocês, fui sincero, estou na crise dos 28!, embora ela tenha se configurado aos 27, mas para não estragar a teoria, pularei essa parte.

Eu sou um cara normal, parece. O editor deste Digestivo já disse que eu tenho uma verve que precisa ser mantida. Nunca haviam dito da minha verve, fiquei até meio metido por isso. Uns outros malucos por aí já me disseram que eu sei escrever, alguns leitores mais simpáticos e de bom coração me paparicam sempre. Essa é a parte boa, a ruim é que as editoras não pensam como estes meus amigos.

Ainda que eu já tenha vivido em Campinas e Brasília, o único local que realmente considerei minha casa foi São Carlos, no interior de São Paulo. De fato, isso é um mistério, pois embora adore a cidade em si, esse ar provinciano, conservador e aristocrático dos habitantes dessa cidade me incomoda. Em cidade pequena, quem tem um pouco de dinheiro se sente superior culturalmente também, entende? E é isso o mais estranho...

Já não tenho mais muito pra contar, contei um bocado de coisas nos textos "Clássicos? Serve Fla x Flu?", "Nós, os escritores derrotados" e "Dos livros que li". Inclusive, nesse exato momento estou com um problemão, porque descobri que não tenho mais como preencher esta coluna. Pois é, deve ser por isso que acho que o tempo passou tão rápido assim. Nunca fui lavar pratos no Reino Unido, nunca me internei numa clínica para dependentes químicos, nunca casei, nunca fui preso, só fui abduzido uma vez (mas estou proibido de contar), jamais conheci e nem namorei alguma artista, não fiz mestrado e nem doutorado, não tenho filhos, não gosto do Caetano Veloso, na infância eu era apaixonado pela Simony, eu não gosto de camisa Polo, não como carne de porco, já fiz sexo virtual, já li um livro do Paulo Coelho (ai, Jesus!), uso óculos, estou no orkut... já é suficiente?

É claro que eu fiz outras coisas nesses anos todos, mas, tem sempre o gostinho de quero mais, a sensação de querer faz mais, de outras maneiras, de querer viver mais, de encontrar mais razões, mais certezas (para depois jogá-las todas fora!), mais motivos pra continuar e persistir até a próxima crise chegar...

Por hora, deixo meu acerto de contas:

Há gerúndio em todo sentimento.
Sou condenado
a fingir quando escrevo.

Tenho pirexia. Tenho sede.
O inquilino que mora em mim
não paga mais o aluguel.

Da minha vida, presto contas
a mim mesmo

Marcelo Maroldi
São Carlos, 30/1/2006

 
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