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Sexta-feira, 14/4/2006
Web 2.0 (ou uma tentativa de)
Julio Daio Borges


A Web 2.0, ilustrada por Kevin Cornell

Desde o final do ano passado, eu não paro de ler sobre Web 2.0. Eu ia dizer "eu não canso de ler sobre Web 2.0", mas não é verdade: estou ficando cansado já. Então chegou a hora de escrever a respeito. De certa forma, esgotei o terma, para as minhas pretensões de pesquisa. E de certa forma também, novidades toda semana aparecem, a Web 2.0 não pára nunca. Então, em ambos os sentidos, é melhor escrever logo sobre o assunto antes que a hora passe.

Foi por culpa dos agregadores de conteúdo que eu descobri a Web 2.0. Tentei explicar, para as pessoas, o que são os agregadores de conteúdo, ainda no ano passado, mas não sei se fui muito bem-sucedido, porque o feedback foi praticamente inexistente. Em compensação, escrevi recentemente sobre o Gmail e o feedback, tanto em termos de acessos, quanto em termos de qualidade nos comentários, foi surpreendente. É sinal de que, em alguns meses, já está mudando a percepção das pessoas em relação à Web 2.0.

Mas o que é Web 2.0? Então: esse é o problema. Definições estritas não existem, e naturalmente eu não me arriscaria. Tentar responder é como tentar responder a Sócrates quando ele pergunta "o que é o belo?", nos diálogos de Platão. Eu, como os interlocutores de Sócrates, não vou tentar responder o que é "o próprio belo", a natureza do belo - ou da Web 2.0 -, mas vou responder com exemplos do belo - com exemplos de Web 2.0. Para mim, a Web 2.0 diz respeito a três aspectos, que acontecem na seguinte ordem: o tecnológico, o social e o econômico.


Foto de Anna Maj Michelson, retrabalhada por Leigh Blackall

O tecnológico diz respeito ao Ajax. O que é Ajax? (Pô, esse cara não define nada...) A melhor definição que eu encontrei para Ajax foi: Ajax é o Javascript que deu certo. Há dez anos, quando eu era estagiário, o "quente" era Java (pelo que sei, uma decorrência da linguagem C). E quando eu entrei na faculdade, um colega me gozava porque eu conhecia Basic(!): "Basic já era, meu; o negócio agora é C". Na época, estudávamos Pascal (uma linguagem que, acho, precedeu o C...).

Bem, não quero entrar aqui numa discussão muito técnica sobre linguagens de programação, embora já tenha entrado. Enfim, desde que eu comecei a programar, em 1985, assisto a uma disputa eterna entre o Basic e o C. O Basic, só para te situar, se manteve graças ao Visual Basic, padrão Microsoft, que se expandiu graças à ampla adoção do MS Office. Já o C ressuscitou com a Web, que começou com HTML, depois adotou Javascript - e, por fim, desenvolveu a manipulação de bases de dados, e as tais páginas dinâmicas, graças ao ASP (descendente - adivinhe - do Basic...!).

Para resumir a ópera, embora o Javascript tenha caído um pouco em desuso, como caiu o Flash e as aplicações em Flash (aqueles filminhos, por outros motivos), continuou se desenvolvendo e, agora com a Web 2.0, desembocou no Ajax. O Ajax, para entrar num exemplo prático, permite que se tenha uma verdadeira aplicação na Web, como se ela estivesse instalada (e rodando) em seu computador, como um outro software qualquer. (Vamos lá, vamos lá, leitor, já estamos no meio do aspecto técnico da Web 2.0, daqui a pouco acaba...)

Quem usa o Gmail, sabe do que eu estou falando. O Gmail não parece que roda na Web, porque responde rapidamente aos comandos e não atualiza a página inteira toda vez em que você executa uma ação. Graças ao Ajax, o servidor Web é acionado menos vezes do que o normal e a página é atualizada parcialmente, quando muda um dado ou outro - o que dá esse aspecto geral de movimento.

Por que dizem que o Google vai acabar com a Microsoft? Entrando um pouco no aspecto econômico, porque o Google, passo a passo, está acabando com o MS Office, o produto de maior rentabilidade da Microsoft Corporation. No meu texto sobre o Gmail, eu disse que havia aposentado o meu Outlook. Uma ou duas semanas depois, a Microsoft anunciou que vai aposentar também o Outlook, em favor do que estão chamando de Windows Live Mail: uma mistura do velho Outlook com o Hotmail (que a Microsoft habilmente adquiriu mas não teve tempo de adaptar...). O Gmail, então, é o sonho de juntar as duas coisas. Só que realizado.

Do mesmo jeito, o Google adquiriu, há poucas semanas também, o Writely. O Writely é o MS Word na internet. Não foi o Google quem fez, mas foi o Google quem comprou. Agora adivinhe se ele não vai destruir o Word, como o Gmail destruiu o Outlook? Não espanta, portanto, que a Microsoft tenha atrasado, para o ano que vem, a entrega do novo Windows Vista - depois de cinco anos de último lançamento, o Windows XP. Quem sabe a Microsoft não desiste do Word também (como já desistiu do Outlook)...?

Isso é Web 2.0. Ainda no aspecto técnico, além do Ajax, e da aplicação na Web, vai acabar esse negócio de lançamento e de atualização de softwares. Como o exemplo do Gmail, a atualização vai ser feita - sempre - na Web. E você, usuário, nem vai perceber, porque não vai ter de instalar mais nada na sua máquina, só vai ter de acessar. O Digestivo não é Web 2.0 ainda, mas quando eu atualizo aqui, você não sente aí, eu só te aviso - e você já passa a usar. Web 2.0 é assim, mas com aplicações muito mais sofisticadas.

Por isso, uma das marcas registradas da Web 2.0 são os sites permanentemente em versão "beta". Já fizeram até piada sobre isso. Repare nos logotipos. "Beta", antes da Web 2.0, era uma versão que se disponibilizava - antes da versão final - para testes e que, portanto, poderia conter alguns erros - os usuários, que faziam uso por sua própria conta, não podiam reparar. Aliás, não podiam reclamar, mas eram incentivados no sentido de apontar falhas - para que o software se aperfeiçoasse.

Assim, você entra no Gmail e ele é "beta", mas não porque contenha ainda erros, e, sim, porque está constantemente mudando. Afinal, quando eu finalizei meu texto sobre o Gmail, eles tinham acabado de inaugurar a função de chat, para você conversar com outros usuários de Gmail enquanto respondia às suas mensagens (e, sim, você acertou: visando acabar com o MSN também). Por isso, é impossível concluir qualquer coisa sobre a Web 2.0: ela muda o tempo todo.


Foto de Leigh Blackall, retrabalhada por ele mesmo

Agora, o aspecto social. A Web 2.0 se caracteriza pelo que estão chamando de "social media". No Brasil, o exemplo mais patente - e mais próximo a você, muito provavelmente - é o Orkut. Já reparou que o Orkut ninguém controla? Você vai lá e faz, e publica, o que bem entende. Isso é "mídia das pessoas", para as pessoas, pelas pessoas. Ao contrário de uma publicação tradicional (sei que não é exatamente o caso...), o Orkut não tem editores. O Orkut não tem, nem nos fóruns, mediadores apontados pelo próprio Orkut. O Orkut será - como eu já disse aqui - o que as pessoas fizerem dele.

Do mesmo jeito, é o Digg, que não é o exemplo mais citado de Web 2.0 (normalmente preferem o Slashdot), mas é o que eu prefiro usar aqui. O Digg, de certa maneira, é uma publicação, é um tipo de site de conteúdo. Mas o Digg não produz conteúdo. A equipe do Digg não produz conteúdo. Como funciona então? Os usuários do Digg indicam, por meio de links, matérias publicadas por toda a Web e eles mesmos votam, para que as matérias entrem na homepage, e eles mesmos comentam, no Digg, as matérias indicadas. O Digg se alimenta das indicações das pessoas. Os donos do Digg não têm de fazer nada, a não ser dar manutenção ou aperfeiçoar o site.

Outro exemplo - esse muito citado - é o Flickr. No Brasil, "pegaram" os fotologs (blogs de fotos ou imagens), mas, nos Estados Unidos, o que "pegou" mesmo foi o Flickr. O Flickr é uma imensa comunidade de fotógrafos, amantes de fotografia ou simples usuários de câmeras digitais. Você está cansado de ter de descarregar suas fotos e de ter de enviá-las pelo e-mail aos familiares e amigos (entupindo a caixa postal deles)? Ou então está cansado daqueles "albinhos" vagabundos da Web 1.0? Para você, existe o Flickr. No Flickr, você cria sua área (ou seção), descarrega suas fotos de graça (até determinada cota mensal), e disponibiliza imediatamente para todo mundo acessar. Monta, igualmente, álbuns (e slideshows), abre para comentários de outros usuários do Flickr - e pode classificar suas fotos com rótulos, labels ou etiquetas virtuais (tags).

Você tira uma foto da sua geladeira, por exemplo, faz o upload dela no Flickr e classifica-a com o rótulo "geladeira". Outras milhões de pessoas estão fazendo, ao mesmo tempo, isso, com suas fotos, então quando você clica no link "geladeira" (gerado a partir do rótulo), você vai ver milhões de geladeiras ao redor do mundo. Esse rótulo é o que estão chamando de "tag" e esse processo, de classificar, de clicar e de encontrar - através das tags - os conteúdos de outras pessoas, é o que estão chamando de "tagging" ou "folksonomy", a "taxonomia das pessoas".

Na Web 2.0, são as pessoas que editam e são as pessoas que classificam o conteúdo. Isso quando elas próprias não geram o conteúdo inteiro, como no caso do Orkut, no Brasil, e como no caso do MySpace ou do Slashdot (entre outros), nos Estados Unidos. Na Inglaterra, muitos jornais, em sua versão eletrônica, estão começando a se pautar de acordo com os interesses das pessoas que lêem - e não mais de acordo com os interesses da redação, ou dos donos do jornal (ou das assessorias de imprensa).

Existe, ainda, um site de bookmarks (ou favoritos), que é outro grande exemplo de Web 2.0: o Delicious. No Delicious, você abre uma conta e vai estocando links interessantes que encontra. Mais ou menos como nos seus favoritos, do Internet Explorer, mas sem limitação de espaço e por assunto ("tags" e não pastas). Se você usa - outro exemplo clássico - a tag "web 2.0", para classificar este artigo, pode clicar sobre ela depois e ver o que o mundo inteiro está classificando como "web 2.0". O Delicious, uma invenção de um rapaz de pouco mais de trinta anos, nas suas horas vagas, foi vendido para o Yahoo por 30 milhões de dólares (logo depois do Flickr). E, agora, entramos no aspecto econômico da Web 2.0...


Foto de Tom Harpel, retrabalhada por Leigh Blackall

Lembra do "open source", que você ignorou porque achou que fosse algum slogan da esquerda festiva então ligada ao socialismo retrô? Ou ainda uma bandeira desses ativistas chatos que aparecem por aí e que macaqueiam o discurso sem nem saber do que estão falando? Acontece que o "open source" não é brincadeira, não. O open source nada mais é que o chamado "código aberto". Uma história que começou com o Linux e que se espalhou graças à internet.

O fato é que, enquanto o Windows mantinha seu código "fechado", e o seu desenvolvimento guardado a sete chaves, o Linux (nada mais nada menos que outra plataforma ou outro sistema operacional) ganhou a adesão de programadores voluntários no mundo todo, e até o apoio de governos, como o brasileiro. O resultado é que a Microsoft, mesmo com os seus bilhões de dólares, foi se sentindo ameaçada pelo padrão Linux, até que teve de abrir também o seu padrão Windows...

O que isso tem a ver com Web 2.0? Tem muito... A história da conquista dos mercados pelo Linux, que é gratuito, contra o Windows, que é pago, ilustra o conceito de colaboração que se espalhou pela internet como um vírus. Do mesmo modo que a Microsoft, com seus milhares de programadores de Windows, de repente percebeu que não consegue competir com os milhões de programadores, anônimos e não-remunerados, do Linux, o New York Times já assumiu, publicamente, que, por maior e "melhor" que seja a sua redação, ele não tem como competir - pela notícia - com milhões de bloggers pelo mundo inteiro. Ah, e o Guardian, inglês, também já admitiu o mesmo, há poucas semanas. O Guardian, inclusive, declarou que o jornalismo que se faz na Web hoje é melhor do que o que se faz no papel. (Melhor e, não, "maior".)

Os blogs são pré-Web 2.0, conceitualmente falando, mas ilustram bem o fato de que as tecnologias estão cada vez mais baratas e mais acessíveis a todos. Com ferramentas, virtualmente, ao alcance de todo mundo, a inovação será cada vez mais rápida e a competição, cada vez mais acirrada. Dos exemplos que eu dei de Web 2.0, só o Gmail foi desenvolvido pelo Google: o Delicious, como eu disse, por um único executivo inglês, na casa dos 30 anos; o Digg, por dois norte-americanos na casa dos 20; e o Flickr, se eu não me engano (correct me if I'm wrong), por um casal de fotógrafos, na casa dos 40.

A onda de inovação da Web 2.0, que vai muito além desses exemplos considerados básicos, está tão violenta agora nos Estados Unidos que os especialistas já estão prevendo um novo boom (e, não, uma nova bolha). Boom porque as aquisições, principalmente por parte do Yahoo e do Google, já estão chacoalhando, novamente, o mercado das start-ups - a ponto de "veteranos" da internet pré-Bolha estarem retornando. Um deles é Marc Andreessen, o lendário engenheiro da Netscape, a primeira IPO da História, com seu Ning (uma solução para redes sociais, como o Orkut). E outro é Sabeer Bhatia, um dos criadores do Hotmail, um dos cases mais bem-sucedidos de marketing viral.

O boom vai acontecer também por causa da Microsoft, que, a exemplo do Google e do Yahoo, vai ter de fazer algumas aquisições, se quiser sobreviver na Web 2.0. E dizem que a Microsoft tem 40 (quarenta) bilhões de dólares em caixa, para investir. Você sabe o que é isso? É o dobro do que a Alemanha pretende atrair em investimentos para o país durante a Copa 2006. E vocês ainda se preocupam com Ronaldinhos e afins? Deveriam é olhar para a Web 2.0!

Reza a lenda que Michael Arrington - aquele do blog de Web 2.0, que eu citei em outro texto - foi, finalmente, chamado para almoçar na Microsoft, por Robert Scoble, o blogueiro oficial da empresa de Bill Gates (que eu também já citei). A idéia era que Arrington - um blogger (vale repetir) - conhecesse Ray Ozzie, o CTO, ou Chief Technology Officer, da Microsoft Corp. No meio do almoço, Scoble anuncia uma surpresa para Arrington: Ozzie não poderá vir; no seu lugar, Bill Gates.

Vamos recapitular (se você se perdeu no raciocínio...): um blogueiro de Web 2.0 e o fundador da Microsoft Corporation (40 bilhões de dólares, no bolso, para investir) almoçando juntos. Depois de amenidades mil, em torno de risotos e "comidinhas" no refeitório da Microsoft, com seguranças espalhados até pelo teto, Bill Gates enfim pergunta a Michael Arrington: "Mike, se você tivesse X milhões de dólares, hoje, onde investiria?"

A resposta não importa tanto quanto a conclusão a que chego neste momento: a Web 2.0 é questão de Estado agora. É a revolução dentro da revolução (ou, para quem prefere suavizar, é a evolução dentro da evolução), acontecendo debaixo do nariz de gente como eu e você. É por isso que eu sempre digo aqui (e como é chato ser repetitivo): leiam a internet, informem-se pela internet, não percam mais tempo com as fontes tradicionais de informação. Os jornalistas não sabem patavina do que está acontecendo; os jornalistas não têm a menor idéia... Estão mais desinformados que eu e você. E pior: fazem questão de estar. Uma coisa é certa, porém: quem compreender a Web 2.0, vai sobreviver na internet e nas suas ramificações; quem não compreender... será engolido por elas.

O Digestivo, como você percebeu, caminha para a Web 2.0.

Bill Gates talking with Michael Arrington of TechCrunch
Bill Gates e Michael Arrington em foto de Robert Scoble no último dia 20

Para ir além
All Things Web 2.0 (the list)

Julio Daio Borges
São Paulo, 14/4/2006

 
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