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Quinta-feira, 18/5/2006
Novos autores na poesia brasileira
Elisa Andrade Buzzo

Parece título de ficção científica. Geração 2000. Ela chegou? Aproxima-se, enfim, oferecendo algo inédito, tecnológica?

Quero pensar aqui na consistência dessa tal Geração 00 na poesia brasileira, se é que assim podemos chamá-la. Não digo poesia brasileira contemporânea, pois aí seria necessário abranger todos que estão vivos e inseridos numa produção poética, o que não é o caso desta conversa.

Mesmo que datas possam não ser os indicativos ideais para "classificar" um grupo de escritores, é quase irresistível falar numa Geração 00. Imagino os antecedentes dessa geração sendo de jovens que se iniciaram na poesia por volta da década de 1990, seja por meio de leituras e esboços, atingem certa maturidade e começam a encetar publicações e participar mais ativamente de projetos e rodas literárias nos primeiros anos do século XXI. Reducionismo? É uma maneira de estipular ordem na dispersão. Aqui falarei um pouco de minhas leituras mais apuradas, já que muitos outros autores certamente poderiam ser incorporados a este texto.

Os novos poetas podem ser jovens, daí chamá-los de "novos", como também podem não ser necessariamente "novos", mas que tenham começado a publicar neste atual século em livros, revistas, suplementos, sites, blogs pessoais ou coletivos. Também são aqueles que escrevem com qualidade, embora não publiquem; e ainda assim fazem parte da novíssima geração. Há quem faça alusões, citações mil, há quem rumine em silêncio, transformando capim em complexidade — o que está em jogo são variadas trajetórias e estilos (a poesia desta Geração 00 atende a vasto público, o que creio ser algo positivo).

Apostar no tenro mundo literário se assemelha às investigações preliminares de um pescador que laça objetos incertos do profundo escuro. À meia-luz, não consegue distinguir a dureza desses seres, sua vida útil ou capacidade criativa. Na volta paulatina da claridade, alguns podem se mostrar enganosos, pneu retrógrado, sapato decrépito. O arguto pescador também pode descamar um peixe indócil, e desse lustro saltar superfície fértil.

Quem queira embarcar na poesia dos novos autores deve, primeiramente, procurar as escondidas e minguadas prateleiras dedicadas ao gênero nas livrarias (porque raramente haverá espaço para estes livros nas mesas e gôndolas de lançamentos). Em seguida, com calma, mesmo sujeito a uma torção de corpo, deve abrir cada livro como quem abre uma concha. O leitor pode ser seduzido por uma capa mais vistosa ou um nome mais televisionado, mas que não se atenha ao desconhecido.

Coleções como a Guizos de Poesia da Editora 7Letras, e a Canto do Bem-te-Vi, da Editora Bem-te-Vi, ambas do Rio de Janeiro, têm publicado diversos livros de poesia nos últimos anos, em sua maioria de escritores estreantes. Surgem autores em livro como Annita Costa Malufe, Carlos Alexandre Artigas, Diego Vinhas, Rodrigo Magalhães, Virna Teixeira, entre outros — todos pela coleção Guizos, cujo lançamento data de 2004. Já pela Canto do Bem-te-Vi, lançada em 2005 com cinco livros, mantive contato com as belas edições de Mônica de Aquino (Sístole) e Marcos Vasques (Elegias Urbanas).

Além das coleções, ainda ressalto A casa azul ao meio-dia/The blue house around noon (Travessa dos Editores, 2005), onde Flávia Rocha mostra sua poesia em edição bilíngüe (português e inglês), Chantal Castelli com Memória Prévia (Com-Arte, 2000), Micheliny Verunschk, Geografia Íntima do Deserto (Landy, 2003) e ainda Ana Rüsche com Rasgada (Quinze & Trinta Edições, 2005).

Há ainda autores que não se encontram em blogs ou mesmo livros, água que se colhe e sorve com a mão em concha. Aí estão, por exemplo, os versos de Vinícius Guilherme Rodrigues Vieira. Depois dos malabarismos nas prateleiras, do contato íntimo com o livro, chegou a hora de espiar sites e blogs literários.

A internet através dos blogs, principalmente, funciona como um espaço de autopublicação e experimentação constante, papel em branco em que se rabisca e se escreve e se altera e se apaga. Impressionante a quantidade de blogs de literatura que brotaram nos últimos anos. Também entrei nessa euforia (ou será melhor dizer moda?). No fundo, parece sempre haver uma esperança juvenil de que essa produção seja "reconhecida" em livro, o que já aconteceu com alguns blogs de prosa. No entanto, creio que esse viés do blog, ainda que válido, seja apenas um resultado de sua importância. O blog possibilita que um texto entre em consonância (ou dissonância) com imagens, sons ou mesmo vídeos postados, sua reunião cria uma comunidade virtual ativa. Ainda há a interatividade, um canal de comunicação através dos comentários entre leitores-autores, autores-autores.

Blog pode ser sim literatura, mas antes de tudo é experimento, extensão do caderno de notas do escritor (pelo caráter da livre alteração das postagens), sujeito às ranhuras dos comentaristas. Depende das intenções do blogueiro em relação aquele espaço. Digo que blog pode ser literatura assim como um livro convencional também pode ser literatura.

Foi nessa dispersão virtual que tomei uma xícara de chá com Angélica Freitas no seu blog e mantive contato com Octávio Roggiero em suas delicadas Primícias poéticas.

No arquivo do blog de Reuben da Cunha, O trompetista gago ainda é possível conhecer jóias como "Madame Boudelaire", "Madame Lúcifer gosta de comer os meus olhos com mel" e outros poemas e pequenas prosas imantados de uma sofisticação coloquial como os de Angélica.

O recém-criado blog coletivo Algaravária une um belo visual com poesia inédita de onze jovens autores espalhados pelo Brasil. O que me parece ser uma tendência a ser explorada: reunião de um grupo de jovens poetas com estilos marcados de escrita, opção pela postagem semanal, tentativa de contemplar autores de diversos estados (o que demonstra uma preocupação em estimular parcerias entre outros eixos na roda literária), espaço para reflexão com a postagem de entrevistas.

É ainda tempo de formação e de se conhecer a Geração 00 na poesia. Por enquanto, ela se aquece com luz refratada. Sua apreciação, ainda à deriva, sua fruição, submarina.

Elisa Andrade Buzzo
São Paulo, 18/5/2006

 
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