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Segunda-feira, 22/5/2006
Spamzines, blogs e literatura
Ana Eliza Nardi

Eu já quis fazer parte da nova literatura, mas percebi que o tempo passou, não serei parte dos chamados "novos autores", talvez por falta de talento ou indisciplina, só sei que não serei um deles. Lá pelo fim dos 90 fui apresentada a um spamzine, a CardosOnline, que foi minha primeira incursão no mundo da "literatura de internet". Era 1999 e eu me encantei com os textos que recebia em minha caixa de e-mails. Era só abrir minha caixa postal pra ter contato com pessoas da mesma idade que eu e que estavam dispostas a mostrar o que escreviam. Foi graças a isso que comecei a escrever com mais vontade, afinal, eu queria ser como eles quando crescesse.

Uns três anos mais tarde, quando criei meu primeiro blog, estava fuçando na internet quando caí no blog da Clarah, o Brasileira Preta, e voltei a me interessar pelo que escrevia "essa gente de internet". Aqui cabe dizer que graças a Clarah nasceu uma geração de pós-adolescentes adoradores de Bukowski e Leminski, e que são só isso: adoradores. Mal leram e entenderam os dois autores e saem por aí alardeando essa adoração boba, pra não dizer infantil, e isso definitivamente me irrita. Li Máquina de Pinball, influenciada muito mais pelo que ela escrevia no blog do que pelo que já tinha lido da autora no COL, e não gostei.

Notei que a grande maioria dos blogs que me interessavam eram escritos por pessoas que tinham as mesmas referências literárias e musicais que eu, e tive a certeza de que grande parte daqueles autores se tornariam escritores. Não demorou muito e virei fã de carteirinha do Randall Neto, do Febre Alta, autor de Além das Portas, Clichê de Verão e do inédito (e delicioso) Filho do Meio. Sem contar que li e reli algumas vezes o Clube dos Corações Solitários do André Takeda. Sou leitora voraz de gente interessante, e vejo os blogs como sendo literatura, sim, se não fossem eles eu nunca teria lido Inagaki, Carpinejar, Daniela Langer, além dos autores supracitados, que são escritores melhores do que alguns membros da ABL. A maior parte, pra não dizer todos, dos "novos autores" usaram a internet para serem lidos e conhecidos antes de conseguirem publicar livros de papel, tem muita gente boa escrevendo e ainda surgirão outros tão bons ou melhores, tudo isso graças aos blogs e sites literários. É literatura fácil, quase gratuita e acessível.

Assim como eu, muita gente procura literatura boa nos blogs e sites literários e fazem desses autores referências. Muito do que li e consumi nos últimos anos veio dos blogs que costumo ler. Foram resenhas, opiniões, citações soltas, que despertaram em mim o interesse de comprar determinado livro ou de ouvir certa música. Também já me emocionei, já chorei, já senti raiva lendo blogs. Por tudo isso que pra mim não há muita diferença entre ler um bom post de um dos meus autores de internet preferidos e um texto de algum autor consagrado (e não de internet) que me agrade. O objetivo é um só: ler textos de boa qualidade.

Não comparo os "novos autores" com autores já consagrados da literatura brasileira, pois, aqui cabe um clichê, cada um é cada um. Quando começou a ser publicado, Machado de Assis era autor de folhetim, mas o tempo e os leitores fizeram dele um dos maiores autores brasileiros. Então por que não posso aceitar que, talvez, um desses autores de blog vire um dos grandes nomes da literatura brasileira no futuro? É ingênuo achar que não surgirão autores melhores do que os já consagrados. Soa como aqueles roqueiros quarentões que gostam de dizer que depois do Pink Floyd não surgiu nenhuma outra banda decente de rock no mundo. Gênios nascem todos os dias.

Mas não é porque acredito que existam ótimos escritores na internet que generalizarei a ponto de dizer que tudo o que é publicado nos blogs e sites literários é aproveitável. Se o fizesse, a ingênua (e estúpida) seria eu, por não conseguir localizar a quantidade de subliteratura maquiada que existe publicada na grande rede. É preciso, antes de mais nada, de uma boa dose de discernimento para encontrar bons autores na infinidade de sites e weblogs existentes.

Voltando aos "novos autores", eles já saíram do underground literário da internet e estão caindo no gosto popular. Há algumas semanas a revista Veja falou sobre o Mãos de Cavalo, o novo livro do Daniel Galera, "sim, aquele mesmo que eu lia na COL, o garoto da Livros do Mal" pensei quando li a notícia, e é bem interessante ver que aqueles autores de internet hoje são "escritores de verdade" e amanhã serão referências literárias no país. Senti a mesma coisa quando vi o livro do Cardoso numa livraria ou o do Roger Jones na loja de conveniência aqui perto. É um misto de orgulho, felicidade e satisfação ver aqueles que, até poucos anos atrás eu já lia e quase ninguém conhecia(sim, esse quase ninguém é um exagero, eu sei), estão sendo lidos, comentados e conhecidos por aqueles que movimentam a indústria literária no país. E não é porque não faço parte dessa leva de novos autores que não vibro com o sucesso deles, sinto-me quase como uma participante especial nisso tudo. E é isso, eu não sou nem serei parte deles mas me orgulho de cada linha deles publicada.

Ana Eliza Nardi
Campinas, 22/5/2006

 
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