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Sexta-feira, 19/5/2006
Autores novos reloaded
Julio Daio Borges

Há pouco mais de um ano eu escrevi um texto que ficou famoso: "Autores novos". Agora relendo os comentários deixados, vejo que ele foi fecundo e rendeu muitas reações elaboradas que eu não esperava. Mas houve, também, um efeito colateral. Eu sempre soube que estava numa posição delicada, ao criticar e, ao mesmo tempo, ser amigo de autores novos. Sim, amigo. Principalmente porque eu já publiquei - e ainda publico - nomes desconhecidos do grande público que, mais dia menos dia, acabam se destacando.

Já briguei com alguns deles, mas passaram por aqui (ou ainda estão) - mais ou menos pela ordem, entre autores, blogueiros e até jornalistas - Fabio Danesi Rossi, Paulo Salles, Paulo Polzonoff Jr. e Rafael Lima, só na primeira fornada. Depois, na intermediária: Alexandre Soares Silva, Eduardo Carvalho e Bruno Garschagen. Mais adiante: Rodrigo Gurgel, Marcelo Barbão e Adrian Leverkuhn. Mais recentemente: Ana Elisa Ribeiro, Ricardo de Mattos, Luis Eduardo Matta, Andréa Trompczysnki, Marcelo Maroldi e Marcelo Spalding. Recentissimamente: Yuri Vieira e Elisa Andrade Buzzo. (E para provar minha tese: não dou um mês até que apareça alguém dizendo: "Ei, você esqueceu de me citar!".)

Enfim, de alguma maneira, eu revelei ou ajudei a revelar essas pessoas e, para mim, no sentido mais amplo, são todos potenciais autores novos. Acontece, porém, que, quando eu falo no Digestivo em literatura, eu falo de livros publicados e eu falo, de um jeito ou de outro, de grande literatura... Então, gera-se o impasse. Os autores que eu revelei ou ajudei a revelar não são, necessariamente, os mesmos que eu consagro como escritores, digamos. (Como, naquele texto homônimo, Michel Laub e Fabrício Carpinejar - este com um último livro que me gera dúvidas... E, há menos de um mês, Daniel Galera.)

Depois daquele texto, "Autores novos", eu recebi desde e-mails afirmando que eu estava generalizando até livros de autores (para mim, desconhecidos) ansiando por consagração. E, nesses momentos, eu sempre lembro daquele trecho da canção de Ângela Rô Rô: "E, quando eu te encontrar,/ Meu grande amor,/ Por favor,/ Me re-co-nhe-çááá...!". O sujeito que vem atrás de mim, seja para discordar, seja para se apresentar, tem certamente o meu juízo em alta conta, mas, ao mesmo tempo, deseja ardentemente que a minha opinião bata com a dele. Ou seja: deseja que eu vire e fale: "Você é a grande revelação que eu estava procurando há tempos!".

No documentário Imagine, sobre John Lennon, há uma situação análoga que me ocorre agora. (Consideradas as devidas proporções, por favor...) Enquanto Lennon grava Imagine, o álbum, um fã ronda o estúdio implorando por um encontro com seu ídolo... No limite da obsessão, o fã já não come nem dorme e, até por uma questão de humanidade, não resta outra alternativa a John senão recebê-lo. Entre amarfanhado, barbado e sujo, o fã pergunta ao ex-Beatle se não era a ele - fã - que o John Lennon compositor se endereçava em suas canções. Ao que Lennon prontamente responde: "Você me desculpe, mas, não. Eu nem tinha como saber da sua existência...! Como poderia imaginar, então, você como meu interlocutor?". O fã, cabisbaixo, sai de cena.

O que existe de perverso nessa situação é que o pretenso interlocutor se humilha até o limite para obter um reconhecimento que não tem nenhum valor: é apenas piedade ou, no máximo, solidariedade humana. Do mesmo jeito, quando insistem muito à procura de um juízo favorável meu, eu, invariavelmente, me irrito e prefiro me abster. O que os interlocutores não entendem é que esse tipo de manifestação, de reconhecimento, tem de ser espontâneo - e não deve, obrigatoriamente, responder a estímulos, como quando alguém te pergunta "oi, como vai?" e você responde "eu vou bem, e você?".

Eu nunca publiquei um livro, claro, eu não sei... Nem imagino a ansiedade de ter um nome na capa, no frontispício. De alguma forma, penso, como introduzi alguns dos autores ao universo da internet, eles me enxergam, psicanaliticamente falando, como uma espécie de "pai" do qual se espera algum reconhecimento. Eu digo que posso reconhecê-los aqui pelo que publiquei deles, pela amizade que tenho por eles, pelas ricas vivências que acumulamos juntos - mas, por favor, não me peçam para apontar um livro como uma obra-prima se ele não é; e nem me peçam para considerar como literatura algo que eu, pessoalmente, não acho que seja.

Fora que há, ainda, o seguinte: É - sempre, sempre, sempre - a minha opinião, a minha leitura. A minha; a do Julio. O Julio é uma pessoa: o Julio falha; o Julio erra. E, apesar de ser humano, o Julio não quer, deliberadamente, favorecer aos amigos - em seus juízos - apenas por isso: apenas porque eles são amigos! Procuro ser honesto e justo na maioria das vezes pois, particularmente, penso que um dos grandes males que assolam a literatura brasileira é - até hoje - esse festival de condescendência que é a crítica literária na imprensa.

Eu, por exemplo, perdi o respeito pela chamada Geração 90 porque, ao que parece, eles têm um "pacto de não-agressão", elogiando incondicionalmente uns aos outros. Por isso, publicam, volta e meia, livros sofríveis que ninguém critica porque, no mais das vezes, são eles mesmos que se resenham! Quando alguém ousa levantar a voz - como foi o caso do mesmo Polzonoff, no Rascunho - é execrado em praça pública. Lembro, agora, de um escritor que, à época da Flip 2004, eu chamei de "escritor" (entre aspas)... Pra quê? Fui pedir, meses depois, um livro da sua editora e ele, ainda rancoroso, disparou por e-mail: "Pra quê, Julio? Pra que você quer esse livro? Só tem escritor 'meia-boca'". (Quando se fala em "Geração 90", o mercado editorial está nas mãos desse tipo de gente.)

Não digo que haja sempre essa carga de "emoção" à minha espera, quando me cai uma obra no colo para resenha: há, também, uma espécie de "reciprocidade inerente", a qual é praticamente regra nos meios... Já tive gente me respondendo: "Mas eu leio você há milênios! Como é que você me faz uma coisa dessas?". Ora, veja: então eu deveria pedir ao Millôr Fernandes, ao Rubem Fonseca e ao Paulo Francis que me elogiassem sempre, afinal eu sempre li eles! Outro dia, até, eu irritei um amigo meu, que insistia que eu concordasse com ele - sobre o seu livro que eu ainda nem lera - apenas porque não-sei-quem havia dito que ele era "mais poeta" que o Carpinejar, "mais romancista" que o Galera... e eu retruquei, também, comprando a briga: "Ora, você deveria era apresentar o seu livro - já que é um romance - a um romancista de peso! Por que não tenta o Milton Hatoum?". (Procurar os amigos, nessas horas, é quase uma garantia de elogio recíproco ou - estourando... - o silencio respeitoso de uma condenação leve.)

E, óbvio, tem quem jogue, como nesse caso, as opiniões, que me pertencem, contra mim mesmo (!) - como se, não obtendo o reconhecimento pelo qual tanto anseia, o interlocutor partisse para desqualificar o que eu penso, o meu juízo enfim. Numa discussão com outro amigo, essa "ao vivo", ele começou a cair de pau no Michel Laub - pelos simples fato de que eu o havia reconhecido como "valor", voilà, em "Autores novos"... Eu fico espantado como, a certas pessoas, a minha opinião marca como ferro em brasa - ou, pior, como uma condenação... E eu sou obrigado a reforçar o sentimento que perpassa este texto: eu sou um ser falível, eu mudo - e, convenhamos, não estou com essa bola toda (digo isso para você não ficar, aí, se martirizando pelo que eu, um dia, escrevi...).

Como dizia Leonardo da Vinci (apesar de que eu tenho dúvida se foi mesmo ele...): a verdade é filha do tempo. Autores novos, relaxem: se vocês forem bons mesmo, eu um dia hei de, inevitavelmente, reconhecê-los. Livro vai, livro vem - de repente, alguém me pega no contrapé... Por exemplo, o Daniel Galera. Eu já havia quase que desistido dos Autores do Mal, com os livros não tão bons de Mojo e Cardoso, quando ele me aparece com esse Mãos de Cavalo, que, para a nossa geração - a da internet -, é um marco! O que mais eu posso fazer senão reconhecê-lo? Nunca o havia lido, mas, sei lá, não sou cego, nem daltônico - então... E eu espero, francamente, que a Geração 00 - como querem alguns - renda ainda outros Daniéis-Galera; mesmo sabendo que só vai conseguir quem continuar escrevendo apesar de todos os contratempos (apesar de críticos como eu)...!

Nota do Editor
Leia também "A crítica e o custo Brasil".

Julio Daio Borges
São Paulo, 19/5/2006

 
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