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Segunda-feira, 12/6/2006
Sob o sol da crítica
Eduardo Mineo

Eu sei que se eu falar que gostei do filme Sob o sol da Toscana vocês vão cuspir café em seus monitores e resmungar alguma coisa sobre minha calvície, mas, poxa, o filme é legalzinho.

Sim, sim. E não se deixem enganar pela sinopse. Ela deprime com tanta força que sempre vejo gente na Blockbuster segurando este filme junto ao peito, olhando para cima e tentando pateticamente conter as lágrimas. Às vezes, a emoção é tanta que gritam "Ó meu Deus" e correm chorando e fazendo caretas até tropeçar no banquinho da Disney e bater a cabeça no balcão. Mas o filme não tem nada disso, oras. Deixem de bobagem.

É sobre uma mulher que escreve críticas literárias, interpretada pela Diane Lane. Ok, eu também não sei quem é essa Diane Lane, mas isto não importa muito.

O que importa são as reações que os escritores tiveram ao serem criticados pela protagonista. Neste filme, dois destes escritores surgem com reações opostas: um truculento no começo e outro compreensivo no final, mostrando assim que nem sempre os escritores são idiotas com seus críticos. Eles podem ser piores.

Claro. Uma pessoa minimamente honesta que ouve alguém dizendo que seu trabalho é uma porcaria só pode reagir desejando, pelo menos, que aquele sujeito amargue em ruínas para poder torturá-lo e humilhá-lo com algum comentário bem perverso e sair sustentando um olhar de satisfação e vitória. Mas existe gente que, quando criticada, abre um sorriso cínico e fala obrigado. Dá para ser mais babaca?

Eu sou mais ou menos experiente nisso. Quando decidi escrever meu primeiro conto, ainda na escola, eu o levei para o melhor professor de literatura que conhecia e pedi sua opinião. Me disse que leria e depois me procuraria. Nunca mais o vi. Uma crítica brutal, sem dúvida. E até hoje guardo seu retrato na minha carteira para não me esquecer de sua cara mesquinha, má, odiosa e suja.

Hoje eu concordaria que o conto estava uma droga, mas não enxergava isto na época. Para mim, estava sublime, genial. E aquele sujeito que menosprezou meu trabalho só podia ser um calhorda.

Em partes eu ainda o considero um calhorda. No começo, eu procurava escrever textos melhores apenas para esfregá-los em sua cara. Hoje, eu continuo esfregando textos nas caras dos calhordas, mas compreendi a importância desses fulanos no meu processo de desenvolvimento. Sem eles, eu continuaria achando que aquele conto estava sublime enquanto que, na verdade, estava uma droga. E acredito que, daqui a alguns anos, eu também acharei este texto aqui uma droga, mas, por enquanto, ele me parece genial.

Calhordas são necessários, portanto. E são necessários principalmente enquanto somos novos escritores. Aliás, os novos escritores deveriam ser lidos apenas por gente calhorda. Às vezes, me vejo sendo um professor velhinho, calhorda de tudo, que ri malignamente segurando a barriga e, vez por outra, grita "misericórdia, que coisa mais ruim!" tapando as orelhas enquanto seus alunos lêem, cabisbaixos, suas mais sinceras linhas. Serão bons escritores, aposto.

Isto porque os escritores, assim como os cachorros, precisam estar constantemente cientes de seus lugares. Dê muita confiança e eles acabam se esfregando na sua perna. Em verdade, muitos escritores teriam sido salvos se seus leitores, de vez em quando, fechassem a cara e dissessem "Feio! Feio!".

Lidar com este conservadorismo não é tão ruim quanto vocês estão pensando, pelo que suponho olhando para suas caras de terror. É meio traumatizante no começo, confesso, mas depois vira um tipo de proteçãozinha. Sem isso, eu só seria capaz de conviver com gente do calibre intelectual dos, digamos, ursinhos carinhosos, cujas opiniões são formadas basicamente por coraçõezinhos e arco-íris. Seria tedioso.

Agora imaginem, por exemplo, se alguém se pusesse diante do João Cabral segurando seu Sevilha Andando e dissesse com cara de nojo: Cara, você não sente vergonha? Só por diversão. Aposto minha coleção de tampinhas de garrafa que, no dia seguinte, ele reinventaria a noção de poesia. Isto, claro, após sete horas chorando e jurando que nunca mais encostaria numa caneta.

Ou Camões. Duvido que este Lusíadas que lemos hoje seja a obra original. Ele deve ter feito alguma coisa bestinha e entregado, todo orgulhoso, para sua amante ler enquanto tomavam café da manhã. Consigo até visualizá-la mentalmente de camisola, descabelada e dizendo de forma cruel "Código secreto do Leonardo Da Vinci? Quem vai ler essa porcaria?". Foi aí que Camões furou o próprio olho com uma faca suja de margarina e se trancou no quarto todo emburrado para escrever a maior obra da língua portuguesa.

O ódio aos críticos é um sentimento perfeitamente válido e produtivo. De uma forma ou de outra, os críticos esperam que as reações das pessoas as melhorem. Eu, pelo menos, penso assim. Quando eu critico alguém, só o que eu espero é uma boa reação. E, depois, podem me xingar, fazer piadinhas sobre minhas orelhas de abano, etc., mas, por favor, sem sorrisinhos cínicos e obrigados. Toda vez que alguém faz isso, minha alma sangra por dentro. Enfim, reajam da forma como lhes agradar, mas reajam. Ou, pelo menos, guardem um retrato meu em suas carteiras para não se esquecerem da minha cara mesquinha, má, odiosa e suja.

Nota do Editor
Edward Bloom é autor do blog Introibo ad altare Dei.

Eduardo Mineo
São Paulo, 12/6/2006

 
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