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Terça-feira, 24/10/2006
A favor do voto obrigatório
Luis Eduardo Matta

De, mais ou menos, uns dez anos para cá, nos meses que antecedem as eleições, saio às ruas e ouço, em toda parte, sempre a mesma cantilena raivosa: "Que droga, as eleições estão chegando. Lá vou eu ter de votar de novo. Por que somos forçados a votar se os candidatos são os mesmos pilantras e malandros de sempre, que só querem roubar, fazer politicagem, empregar parentes, etc.?". A revolta que alimenta frases assim não nasceu por obra do acaso. É o resultado óbvio da profunda desilusão que a política brasileira trouxe ao povo nas últimas décadas. Com a redemocratização do Brasil, nos anos oitenta, acreditava-se que a temporada de trevas e atraso ficara para trás e que o país, finalmente, encontraria sua rota de desenvolvimento, liberdade e ética. Não foi bem o que aconteceu e o que vemos hoje é uma nação sufocada por problemas que se arrasta, tropeçando na própria letargia e nos vícios políticos, ideológicos e burocráticos, que parecem perpétuos e incuráveis.

Eu compreendo essa desilusão dos brasileiros com a política, porque compartilho um pouco dela. Digo "um pouco", porque não sou alguém propriamente desiludido, já que nunca tive grandes ilusões, nunca fui alguém que nutriu uma paixão pela política ou por esta ou aquela ideologia. As ideologias sempre me pareceram insuficientes para resolver as questões de um país complexo como o Brasil. Elas me dão a sensação de servir muito mais como objeto de retórica e de promoção pessoal e intelectual do ideólogo (independente da linha ou pensamento que ele segue), do que o fruto de uma vontade genuína de solucionar, de forma prática e pragmática, sem rodeios, os problemas nacionais. Ao longo dos anos, li e ouvi muita lenga-lenga dessa gente: discursos bonitos, depoimentos arrebatados, embates acalorados de idéias (ou pseudo-idéias) e quase nenhuma providência real. O Brasil continua estacionado no atraso e tudo o que se faz é debater, discutir, elaborar estudos sobre determinado tema e repetir as mesmas bravatas de trinta, quarenta anos atrás, enquanto o povo agoniza na ignorância e o país submerge num lamaçal putrefato e repugnante de corrupção e mau-caratismo generalizado.

O panorama é desanimador, mas tem saída. E ela se dá por duas vias: a primeira é, naturalmente, a educação universal e de qualidade, combinada com um forte incentivo à produção e à apreciação cultural. Uma educação que forme seres pensantes e letrados, com juízo crítico e capacidade de reflexão e não apenas vestibulandos com matérias decoradas. Essa via ainda não começamos a trilhar, pois investimentos em educação são altos, requerem o sacrifício da corrupção e do assistencialismo imediatista, levam anos para dar resultados e isso é uma verdadeira heresia para políticos que se candidatam hoje, já de olho no próximo pleito eleitoral, daqui a dois ou quatro anos.

Já a segunda via, igualmente importante, é a democracia que, a despeito das suas inúmeras deficiências, ainda é o melhor sistema político possível. Essa já começamos a trilhar, mas ainda estamos longe de usufruir dela plenamente, pois a maior parte da população brasileira, muitas vezes privada de necessidades elementares para uma vida digna, não foi capaz ainda de desenvolver uma cultura política que lhe dê instrumentos para conhecer a fundo a realidade do poder e discernir sobre o que é, efetivamente, melhor para o Brasil, premiando os bons homens públicos e condenando as legiões de patifes e oportunistas ao ostracismo. Também a miséria no Brasil foi responsável por criar uma classe doente de revolucionários patológicos que, cegos pelo próprio credo ideológico, parecem completamente despidos da capacidade de pensar racionalmente, optando por fundamentar sua retórica em devaneios febris e sem sentido que, se postos em prática, certamente conduziriam o Brasil para uma calamidade apocalíptica.

A minha pergunta é: se o voto é tão importante, por que, então, queremos abrir mão dele? Não podemos nos esquecer de que há trinta anos, pessoas morreram e desapareceram neste país, lutando para que pudéssemos votar, numa época em que esse direito nos havia sido seqüestrado pela repressão. O voto é uma conquista extraordinária e, ao contrário daqueles que reclamam das eleições e vão às urnas com o semblante contrafeito, acredito que num país como o Brasil, ele deve continuar sendo obrigatório, pelo menos por enquanto. Isso porque não atingimos ainda um grau de desenvolvimento social e humano que nos permita adotar o voto facultativo, comum nas nações desenvolvidas. Caso ele fosse implementado, a democracia e a representatividade poderiam sair seriamente abaladas e teríamos uma acelerada deterioração do ambiente político. Afinal, apesar de estarmos no século XXI e de inegáveis avanços terem acontecido nos últimos anos, é sabido que no Brasil ainda são comuns os chamados currais eleitorais e práticas espúrias como o voto de cabresto e que a maior parte do povo não tem acesso suficiente à informação e nem tampouco a capacidade de processá-la, para saber quem é quem de fato no cenário eleitoral e as suas reais intenções. Caso o voto se tornasse facultativo, a parcela mais revoltada da população - ou seja, a classe média esclarecida e informada, que assiste estupefata ao desenrolar dos acontecimentos nos bastidores do poder e do sistema partidário - desiludida com a classe política e incrédula quanto aos rumos do país, deixaria automaticamente de votar, inclusive fazendo desta decisão um ato de protesto, ainda que com resultados nulos. Ao mesmo tempo, as massas, manipuladas (e muitas vezes compradas) por políticos populistas e oportunistas, compareceriam em peso às urnas e os resultados dos pleitos seriam ainda mais desastrosos do que vêm sendo.

A verdade é que somente quando tivermos reduzido a desigualdade cultural do povo e nivelado as pessoas por cima na sua capacidade de pensar e refletir é que poderemos nos dar o luxo de flexibilizar o sistema eleitoral, dando às pessoas o poder de escolha sobre votar ou não. Se queremos nos igualar aos países europeus em matéria de voto, que primeiro busquemos essa igualdade no plano sócio-cultural. Até lá, que o voto continue obrigatório. E que possamos, cada vez mais, celebrar a democracia em nosso país e lutar para que ela não seja mais interrompida, relembrando sempre as lições que o passado nos legou.

A volta da Razão Cultural

A Editora Razão Cultural foi fundada em 1997, pela escritora Clair de Mattos, autora de livros como Paixão na Casa Morta e Grãos Vermelhos no Vale. Com sede em Copacabana, no Rio de Janeiro, a editora notabilizou-se por lançar exclusivamente autores brasileiros em edições bonitas e com design diferenciado. No começo de 1999, a Razão Cultural abriu em plena avenida Copacabana uma das mais simpáticas livrarias que já existiram no Rio. O espaço compreendia um café, um agradabilíssimo jardim de inverno e a própria a sede da editora, que ficava no mezanino. Em poucos meses, a Livraria Razão Cultural tornou-se um badalado ponto de encontro, graças, não só ao seu ambiente acolhedor como, sobretudo, aos eventos que lá aconteciam semanalmente.

A livraria funcionou até o final de 2001 quando, por motivos de saúde, Clair de Mattos viu-se obrigada a afastar-se da editora e vendeu-a. A Razão Cultural foi, então, incorporada à Editora Palavra & Imagem e mudou-se para um outro endereço em Copacabana, onde funcionou até 2004, quando encerrou suas atividades. Agora, em 2006, com a saúde recuperada, Clair de Mattos resolveu retomar seu antigo projeto e reabriu a editora com o nome de Nova Razão Cultural, restaurando-lhe o antigo logotipo que a celebrizou e instalando-a num edifício no coração de Copacabana, coincidentemente o mesmo imóvel para o qual a editora se mudara em 2001, após o fechamento da livraria. Com a mesma proposta original de dedicar-se à literatura nacional, a Nova Razão Cultural já lançou dois títulos: O Terrorista (Nova Razão Cultural, 2006, 125 págs.), da própria Clair de Mattos, romance que narra a caça a um terrorista iraquiano ligado à Al-Qaeda, que resolve abandonar a luta armada e fugir para o Brasil; e Trocas e Truques de Moda (Nova Razão Cultural, 2006, 123 págs.), da jornalista e consultora de moda Helen Pomposelli, um guia ilustrado de autoprodução para a mulher, com dezenas de dicas para combinações modernas e bem resolvidas entre roupas e acessórios.

Podemos aguardar novos lançamentos, já que a Nova Razão Cultural criou quatro pequenos selos, dedicados a gêneros e assuntos distintos, como o Perfil Clássico e o Perfil Mulher. Esperamos que a editora reviva os seus momentos de glória do final dos anos 90 e que, desta vez, venha para ficar.

Duas novas livrarias em Copacabana

E já que falamos da extinta Livraria Razão Cultural, não podemos deixar de celebrar a abertura, neste segundo semestre, de duas novas livrarias em Copacabana, bairro que andou carente de lojas do ramo, por alguma razão que me foge à compreensão. Dado o seu elevado número de habitantes com poder aquisitivo de médio a alto e à expressiva população flutuante que visita ou trabalha no bairro todos os dias, era de se esperar que Copacabana contasse com mais livrarias, de modo que não me causa nenhuma espécie passar pela filial da Livraria Siciliano, na esquina de Copacabana com Raimundo Correa, e observar que a loja vive sempre lotada de gente.

Agora, com a abertura da nova filial da celebrada Livraria Argumento, na rua Barata Ribeiro ao lado da megastore de música Modern Sound e da Livraria Bolívar, na rua Bolívar, 42-A, a poucos metros do cinema Roxy, Copacabana ganha novas opções para os leitores que, ao longo dos últimos vinte e cinco anos, viram desaparecer do bairro livrarias célebres como Xanam, Globarte, Eu & Você, Contra Capa, Livraria Edições de Ouro, Curió, Entrelivros, Unilivros, Livraria Francesa, entre outras. Como carioca que conhece o Rio de Janeiro muito bem, aproveito o ensejo para sugerir aos administradores da Livraria Cultura de São Paulo - parceira deste Digestivo Cultural e que sei ter planos de abrir uma filial carioca - que os melhores endereços, hoje, na cidade do Rio para um empreendimento com o perfil da Cultura não são os shopping centers, já saturados, tampouco os perfumados quarteirões de Ipanema e Leblon, que já contam com bom número de livrarias e sim, as cercanias da avenida Rio Branco, entre as avenidas Presidente Vargas e Presidente Wilson, no Centro ou a avenida Copacabana, entre as ruas Barão de Ipanema e Siqueira Campos, em Copacabana. São regiões de grande fluxo de pessoas, com perfil semelhante às que freqüentam o Conjunto Nacional em São Paulo, onde fica a matriz da Cultura, e localizadas em áreas centrais e de fácil acesso. Uma Livraria Cultura em qualquer desses dois endereços se tornaria um marco na cidade e o sucesso seria mais do que certo.

Luis Eduardo Matta
Rio de Janeiro, 24/10/2006

 
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