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Terça-feira, 22/5/2007
A trilogia da vingança de Park Chan-Wook
Marília Almeida

Após ter dirigido Zona de risco (2000) e Oldboy (2003), o sul-coreano Park Chan-Wook foi reconhecido pelo público, que tornou seus filmes os mais lucrativos de todos os tempos em seu país, alcançando a marca de 5,8 milhões de ingressos, e também pela crítica, ao ganhar o Grande Prêmio do Festival de Cannes em 2004. Porém, o cineasta também ficou conhecido por seus filmes serem apreciados por outro sul coreano: Cho Seung-Hui, que recentemente matou 32 pessoas na universidade de Virginia Tech, nos Estados Unidos. A motivação do crime? Vingança, sentimento que Wook mostra belamente e de forma superior no último filme de sua trilogia dedicada ao sentimento, Lady Vingança (Sympathy for Lady Vengeance, 2005), em cartaz nos cinemas desde 11 de maio.

Mas é preciso retirar o sensacionalismo da discussão e tratar a sua produção cultural como uma das formas mais criativas de se fazer cinema da atualidade, que utiliza estilo e recursos únicos, como grandes closes e cores fortes para misturar as mais pesadas formas de violência com toques de drama e até bom humor de forma balanceada, utilizando-se de pequenos efeitos especiais inesperados que complementam suas histórias de forma onírica e imaginativa. Mas, não deixa de ser verdade que, se a honra tão caracteristicamente oriental retratada em seus filmes realmente inspirassem o mundo, todos estariam perdidos.

Muito da qualidade de seu novo filme se deve à manutenção de uma equipe que já se mostrou bem-sucedida em produções anteriores. Um desses núcleos é o de atores. Ao contrário dos dois primeiros, Sympathy for Mr. Vengeance (2002) e Oldboy, agora a protagonista é uma personagem feminina. Geun-ja é uma bela jovem que sempre chamou atenção por sua sensualidade natural misturada com inocência e agora é acusada pelo assassinato de um garoto. Nos 13 anos na prisão, ela se esconde sob pele de cordeiro para conquistar todas as amizades possíveis enquanto rumina uma vingança contra o causador de seu intenso e misterioso sofrimento: seu ex-professor, Sr. Baek, interpretado por Choi Min-sik. Mas a história dará uma grande reviravolta e tornará sua vingança muito mais complexa e, digamos, requintada, a ponto de sentirmos uma simpatia real por ela.

Geun-ja é interpretada perfeitamente por Lee Young-ae, atriz popular na Ásia por atuar em séries de TV e que já tinha atuado com Wook em Zona de risco. Ao contrário de Choi Min-sik, o protagonista que foi alvo da vingança de Oldboy e que agora faz o papel de um vilão incrivelmente sereno em Lady Vingança, e Song Kan-ho, de Sympathy for Mr. Vengeance, cujas agressividades eram expressas de forma crua nos outros filmes, Young-ae opta por mostrar um tormento interno que transparece em seu rosto delicado como uma perturbação permanente, que alterna momentos de dor e arrependimento com uma força brutal que, afinal, toda mulher teria, mesmo a mais sedenta por vingança.

De cara, é a trilha-sonora, de autoria de Cho Young-wuk, compositor de música clássica a canções populares que já havia trabalhado com Wook em Oldboy e Zona de risco, que se sobressai. Clássica, imponente e, ao mesmo tempo, suave, possui jogo de cintura para uma história grave que contém, ao mesmo tempo, cenas de profunda delicadeza. A fotografia é de Chung Chung Hoon, de Oldboy, que, juntamente com o design de produção do filme, priorizou a naturalidade de cores e ambientes. Assim como em Oldboy, o que se sobressai nos filmes de Wook é a perfeição de cores e iluminação, sempre medidas minuciosamente.

Duas relações vêm à cabeça quando assistimos ao filme. A primeira é Kill Bill vols. 1 e 2 (2003/2004), do diretor norte-americano Quentin Tarantino que, não por acaso, se inspirou nos filmes de artes marciais asiáticos da década de 70 para criar o seu dueto. Assim como em Lady Vingança, a protagonista de Tarantino também é feminina e usa de todos os artifícios, obtendo a ajuda de muitas pessoas, para alcançar um único objetivo: matar a fonte de todos os seus males. Mas tudo seria fácil se não houvesse a mais poderosa marca que uma mulher poderia carregar no caminho de ambas. A diferença é que Tarantino usa e abusa da violência estilizada e do cinema como entretenimento, repleto de ação. Wook opta por um caminho mais sombrio e profundo, com uma violência, apesar de subentendida, muito mais arrepiante e dolorosa.

A segunda é o enigma do nome do primeiro e o último filme da trilogia, que lembra um clássico do rockīnīroll mundial, "Sympathy for the Devil", música dos Rolling Stones de autoria de Mick Jagger e Keith Richards. Isso equivaleria relacionar os personagens de Wook com o próprio diabo, que, na letra, se apresenta como o responsável e observador das maiores tragédias ao longo da história, aquele que "roubou a alma e o destino de muitos homens". Além disso, também afirma que quem matou os Kennedys foi ele e você, além de que, e essa parece ser a chave para entender as motivações do personagem de Wook, principalmente Geun-ja, cuja vingança pode ser encarada como uma redenção, "todos os pecadores são santos".

Lady Vingança já foi premiado no Festival de Veneza de 2005, agraciado com o Pequeno Leão de Ouro e ganhou o CinemAwenire de melhor filme.

Marília Almeida
São Paulo, 22/5/2007

 
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