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Quinta-feira, 16/8/2007
Meta-universo
Adriana Carvalho

Meta-universo é uma palavra na moda. Mas eu duvido que os não-sei-quantos-agora-milhões de secondlifeanos saibam o que ela significa. Se soubessem, iriam descobrir que são totalmente megalomaníacos: além de se autodenominarem divindades descidas à Terra (é o que quer dizer "avatar"), acreditam também viver em um lugar maior que o nosso universo, essa minúscula bolinha de gude perdida no espaço. Vejamos, pois: universo, conforme uma das definições do Aurélio, é o "conjunto de tudo quanto existe". Meta-universo é a reunião de vários universos e que pressupõe, portanto, a existência de universos paralelos. Um sinônimo para meta-universo é multiverso.

Eu não sou dada a muitas ciências, não sei até hoje como passei em provas de física no colégio. Mas o fato é que me peguei desenvolvendo minha própria teoria de universos paralelos. A pergunta inicial para formulá-la foi: coexistir no mesmo espaço físico significa pertencer ao mesmo universo? A minha opinião é que não. Para mim, os universos paralelos existem sim, aqui e agora. Não é preciso ir ao Second Life para conhecê-los e nem viajar milhões e milhões de anos-luz no espaço.

Um exemplo para mim foi o encontro que tive certa vez com "Deus", em uma loja abandonada na londrina Oxford Street. Pelo menos era esse nome que ele colocou na placa sobre a mesa do estabelecimento, se é que assim poderia ser chamado. Só entrei ali graças a uma greve do metrô que me fez andar e praguejar no caminho para casa e porque não é todo dia que você vê uma faixa gigante anunciando: "Martians are coming!". "Deus" era um homem gordo, nada de barbas compridas e brancas ou auréolas sobre a cabeça. Nem notou a presença desta sua humilde criatura na loja. Apenas me deu o troco da compra do jornal que ele vendia ali e no qual explicava "tudo". Comprei, claro! Quem não quer um jornal que explica "tudo"? Saí da loja desviando de uma montanha de cacarecos espalhados pelo chão e só lamentei não ter mais dinheiro na hora para comprar também a camiseta que anunciava a invasão dos marcianos.

A explicação de "tudo" ocupava poucas páginas do jornal número 0 e único: além de ser "Deus", ele dizia ali que era também um marciano que veio do futuro, depois que a Terra explodiu devido a problemas ambientais. Todo o lixo do nosso planeta após o sinistro caiu na cabeça dos marcianos. Sua missão era voltar no tempo e vender de volta pra gente os cacarecos que jogamos neles. Para isso, abriu uma loja, ou melhor, invadiu um espaço abandonado no coração do Reino Unido. Muito justo, não? Ah! E detalhe: Paul McCartney também é marciano e segundo ele pode ser visto cavalgando nu pelos campos ingleses em noites de lua cheia. Por Saint Martin in the Fields! Alguém ousa dizer que essa criatura está no mesmo universo que o nosso? Que diríamos então do guardador de carros da rua onde mora meu amigo, que diz que sua família foi clonada e que no porto de Santos os navios estão lotados com todas, vejam bem, TODAS, as prostitutas da Europa? Adriana, você não vai para o céu, você sabe muito bem que Jung ou até mesmo aquele chato do Freud devem ter boas explicações para tudo isso. O que não invalida a minha teoria de que não estamos no mesmo universo. No meu conjunto de tudo que existe não há pessoas clonadas e nem marcianos-vendedores.

Só tomamos conhecimento e travamos contato com universos que não o nosso por interseções eventuais como as dos círculos que desenhamos nas aulas básicas de geometria. A encontra com B em um espacinho chamado C. Pessoas, por exemplo, como o João Dória Jr., que recentemente deu entrevista para a revista Um e disse que já foi pobre porque "até andou de ônibus", eventualmente se encontram no espaço C com pessoas como Antônia, seus 410 reais mensais e a certeza de que viajar nas Festas não pode ser mais do que ir de Guarulhos a São Bernardo do Campo, onde mora seu irmão. E ali, o espaço C pode ser o breve momento em que ele pega um canapé na bandeja que ela oferece, anônima, pelo salão.

No espaço C de 15 minutos em que durou minha viagem no carro de um taxista, conheci sua explicação de porquê o tempo está passando cada vez mais rápido. Afinal, a gente já está em agosto e o ano novo foi ontem. "Ontem!", bradava ele, convicto de que tinha sido ontem mesmo enquanto eu pulava de susto no banco de trás. A culpa de tudo, segundo ele, é do superaquecimento global. Ele está derretendo as calotas polares e com isso a Terra está mais leve e, por isso, rodando mais rápido, fazendo o tempo passar mais depressa. À noite, no espaço C em que me encontro com o inconsciente, sonhei que meu filho, Francisco, já era adolescente. E tão lindo... "Gugu!" - eu o chamo assim desde pequeno - "você já está quase do tamanho da mamãe!". Eu o abraçava e apertava contra mim dizendo repetidamente "o tempo passou tão rápido, o tempo está passando tão rápido". Acordei angustiada, quase chorando. Que alívio, Francisco dormia ali ao meu lado, ainda com seus quatro aninhos e os brinquedos espalhados pelo chão. Mas já tem um metro de altura e tenho hoje que passar na loja para trocar o sapato que comprei para ele e não serviu. Já calça 26. Meu Deus, o tempo passou rápido. Está passando tão rápido. Na foto da estante ele era um bebezinho, tão lindo, de azul sobre o edredom azul. Meu bebê azul... Detenham o degelo das calotas polares! O planeta precisa girar mais devagar.

Adriana Carvalho
São Paulo, 16/8/2007

 
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