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Segunda-feira, 31/3/2008
Incoerente
Eduardo Mineo

Devo ser o primeiro bobo alegre a discordar da sua própria coluna aqui no Digestivo, mas textos ateus são muito eficazes para me convencer de que é claro que Deus existe. Devo ser como o Otto Lara Resende, que não pode ser apresentado ao demônio pois sofre a tentação de entender as razões do adversário. E o adversário ― bom, sim, os que acreditam em Deus: o papa, o diabo, essa gente ―, as tem de monte. O primeiro ateu que contestar São Tomás de Aquino ou Santo Agostinho vai levar com a Bíblia na testa pra largar a mão de ser besta.

Enfim, eu me li comentando que não acredito em Deus. É bem verdade. Vejo garotas lindas pagando jantares para seus namorados e me é claro que Deus não existe ― um deus jamais permitiria este tipo de barbaridade. Mas, bom, também ouço os concertos de Mozart e fica difícil explicá-los sem uma intervenção divina e das bravas. Me recuso a acreditar que um mero ser humano, um bicho que foi condenado a usar uma privada para sempre ― provavelmente a forma mais baixa que Deus encontrou para nos mostrar quem é que manda aqui ―, pudesse conceber tamanha nobreza em pensamentos. Como Antonio Salieri diz em Amadeus, é óbvio que era Deus cantando através daquele serzinho pornográfico e insignificante.

Portanto, dá pra entender quem acredita em Deus. Por exemplo, lá pelas tantas no meu texto ― aliás, um texto muito simpático, muito agradável, muito leve, inteligente etc. etc. ―, eu falo em R.G.Ingersoll dizendo que o cristianismo valoriza mais a fé do que toda a vida das pessoas e que isso é um absurdo porque, onde já se viu, valorizar mais a fé que a vida das pessoas, oras, oras, oras... Mas é possível dizer em contrapartida que o bom comportamento ― ignoro a sua opinião sobre bom comportamento ― implica necessariamente em seguir as premissas de Deus ― porque, sei lá, ele é o próprio conceito de bondade, não é? ― e que, portanto, mesmo inconscientemente, aquele que vive, digamos, harmoniosamente, estaria agindo sob a força da fé em Deus.

Mas esqueçam, esqueçam isso. Está chato. Vamos falar sobre a igreja católica, esta instituição muito legal que admiravelmente continua a existir, mesmo com os padres se esforçando tanto para acabar com ela. No final do ano passado, fui a um casamento e o padre resolveu falar sobre sexo. Quase tive um troço. "Deus está presente na hora", me lembro do padre dizendo. Juro por Deus ― opa! Sinceramente, não imagino Deus sendo tão desagradável, tão bronco, tão perfeitamente sem educação a ponto de invadir este tipo de privacidade. Que andam ensinando nos cursos de teologia, será? Cadê aqueles padres que faziam os alunos rezarem com os joelhos sobre milhos porque não decoraram a tabuada ou algo do tipo? Pode ser rigidez demais, e talvez até seja, mas isso não me representa nada perto de alguém que acha normal discursar sobre qualquer coisa relacionada a pinto numa igreja.

Digo isso porque não consigo evitar em ter simpatia pela igreja católica e pelo que ela representa, não apenas na arte, mas mesmo nos costumes e valores. Óbvio que não estou incluindo aí a missa brasileira, que é um porre, convenhamos três vezes, uma ofensa a tudo no mundo em matéria de oratória. Os católicos se chateiam bastante quando digo isso, mas, poxa vida, estou mentindo? Sinceridade, os católicos me parecem ir às missas e tentar ler a Bíblia (sempre as piores partes, sempre) muito mais por um sentimento de obrigação que interesse verdadeiro e isto é, sorry, ridículo. Sei, ou suponho saber, que a missa tem algum tipo de significado espiritual e que o ritual, em si, é apenas um componente da coisa toda, mas, sem brincadeira, não podia ser melhorzinho? Preparar melhor aquela gente que fala lá na frente? Eu pagaria de bom grado se soubesse que a igreja estaria usando o dízimo para comprar livros do Padre Vieira, por exemplo. Outra coisa que sempre quis saber dos católicos: por que precisamos ficar nos levantando e sentando o tempo todo? Pra não dormir? Pra evitar a artrose? Ou por algum tipo de demonstração caipira de respeito a Deus? Provavelmente Deus se sentiria mais respeitado se conseguisse pelo menos focar direito nas pessoas que estão lhe visitando.

Agora, o problema de se dizer que se tem simpatia pela igreja é que logo aparece um ateu enchendo o saco. Já ouviram um ateu resmungando sobre a igreja? É a coisa mais irritante do universo! Um ateu reclamando da Santa Inquisição justifica toda a Santa Inquisição. Tudo bem, a igreja pode ter realmente torturado garotinhas lindas e ateado fogo em cidades felizes e prósperas, mas só o teto da Capela Sistina já me parece argumento suficiente para relevarmos o extermínio de umas três galáxias de plebeus metidos a cientistas.

É claro que estou falando sério. Relendo o que escrevi no parágrafo de cima, pode até parecer que eu fui meio indelicado e, tudo bem, ranzinza, mas não consigo pensar em outra forma para explicar esta situação. Sacrificar uma vida para salvar milhões de outras nem sempre é bom negócio: vai depender de qual vida será sacrificada e de quais vidas serão salvas. Assim como esta tentativa já fracassada de me explicar sobre religião e Deus. Aqui, fugindo do comum, mas continuando nele, fico na mesma: depende.

Eduardo Mineo
São Paulo, 31/3/2008

 
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