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Terça-feira, 26/8/2008
Olímpica
Ricardo de Mattos

O senso de adequação das proprietárias da escola onde cursei grande parte do meu ensino primário ― hoje dito "fundamental" ― revelou-se na escolha da cor dos uniformes para as atividades. Para a maior parte da semana, quando ficávamos em sala de aula, o uniforme era composto por calça azul-marinho e camisa azul-turquesa. Para os dias de Educação Física, em que rolávamos no pó, brigávamos e suávamos com o calor de maçarico típico de Taubaté, vestíamos branco. Minha mãe agradecia.

As aulas semanais não disciplinavam, não despertavam o interesse do aluno e muito menos informavam sobre a importância da atividade física. Sem qualquer preparo ou alongamento, os professores determinavam que nós disparássemos em corridas sem sentido e fizéssemos todos um mesmo número de exercícios, independente de nossa compleição física. Depois simplesmente jogavam uma bola no meio da quadra e viravam as costas para a carnificina. Quando o número de meninos era ímpar eu conseguia sempre me desvencilhar.

― O Ricardo não sabe jogar bo-laaaa!!!
― E daí? Quem tem que saber é você, para ter o que fazer quando for preso e tiver que tomar banho de Sol.

Ao menos o afeto entre os companheiros se desenvolvia. Na outra escola que freqüentei, os professores levavam-nos para um campo distante alguns quarteirões e nos esqueciam. Quem quisesse jogar futebol, que jogasse. Quem quisesse invadir casas vizinhas, saqueá-las e agredir os moradores, que ficasse à vontade. Eventuais homicídios deveriam ser cometidos após o horário regulamentar, para não complicar o instrutor nem a instituição. Outra condição: o exato número que saiu deveria voltar, nem a mais, nem a menos. Escola cara, uma das melhores da cidade na época. Escola que recentemente deu um exemplo ecológico ao cortar um centenário pé de alixia para terminar de construir a quadra coberta

No colegial, as aulas de Educação Física foram tão úteis como as de Informática e de História da Arte. Eu soube dar valor e continuidade ao que aprendi com a professora Ondina, mas foi fácil espalhar entre os colegas a notícia do roubo da Santa Ceia, de Leonardo Da Vinci. Da mesma forma, quem se engajou com alguma prática esportiva, o fez por espontânea iniciativa, nada devendo ― acredito eu ― ao incentivo escolar e colegial.

No primeiro ano da faculdade, foi imposta a freqüência à aula de ginástica, sob pena de reprovação por falta. Entretanto, bastava comparecer e o professor anotava a presença. No começo ele tentou explicar a importância da atividade física para pessoas destinadas à vida sedentária e à morte prematura, mas as que passaram pelas etapas acima descritas não deram maior confiança. Fracassada a tentativa de nos exercitar, determinou: "Dez voltas naquele campo e sumam". Encerrado o primeiro ano, o alívio: nunca mais tanta perda compulsória de tempo.

O saldo não foi dos piores. Inativo não fiquei, pois sempre gostei muito de andar de bicicleta e de caminhar. Meu exercício físico era muito maior à tarde, andando de bicicleta com os amigos do que nas famigeradas aulas. Sozinho, caminhava pelo bairro e redondezas com minha bóxer, a Gabi. Quando aos 28 anos eu me percebi sem muito fôlego para subir dois lances de escadas do prédio ― entre o térreo e o escritório ― decidi freqüentar a academia do clube e escolhi a esteira e a bicicleta. As atividades que realizo durante a noite não me permitem continuar, mas um final de semana ou outro ainda perambulo com a Carmela à guia ― minha outra cadela, a Bahiana, não suporta sair de casa. Por alguns meses, creio que em 1987, fiz aulas de equitação. Uma vez na vida eu caí do cavalo, e mesmo assim porque eu não estava acostumado com o pelego utilizado no Rio Grande do Sul.

Tenho algum esporte preferido? Não... O fato de eu nascer torcedor do maior time de futebol brasileiro deixou-me acomodado. Leio o jornal apenas para confirmar mais uma vitória do Palmeiras ou entender a tática adotada e velada por uma aparente derrota. Creio até que, em vez de se manter uma "Seleção Brasileira", deveria-se logo mandar este grande time representar o país nas Copas. Em relação às demais categorias, assisto algo aqui ou ali, mas sem envolvimento. Sempre assim durante as Copas e as Olimpíadas. Para mim, são festas quadrianuais, intercaladas de forma que a cada dois anos uma delas exija a atenção do público. Nas Copas, assisto aos jogos do Brasil, enquanto ele permanece na disputa. Nas Olimpíadas, contento-me com a suma jornalística.

Em relação a esta Olimpíada, meu interesse pelo assunto esgotou-se há meses, tal o bombardeio de informações. Até o ano passado eu vinha acompanhando o que se pode chamar de "reapresentação" da China ao Ocidente e recolhendo calmamente dados sobre a história, a cultura e as religiões predominantes no país. Descobri os importantíssimos textos de Lao-Tsu ― Tao Te Ching ― e de Confúcio ― Os Analectos ―, bem como encontrei uma edição excelente d'A Arte da Guerra, desprovida de qualquer ranço de auto-ajuda. Falta ainda o I Ching e algo consistente como China ― Uma nova história, de John Fairbank e Merle Goldman. Assisti com prazer O clã das adagas voadoras, A maldição da flor dourada, O tigre e o dragão e Lanternas Vermelhas. Reprovo a tomada do Tibet, a invasão do mercado por produtos cujos preços baixos tenham bases condenáveis, bem como reprovo a gastronomia em que um dos componentes é a carne canina. Alinho-me, portanto, à média das pessoas.

"Você não come carne bovina e suína? Porco e boi sofrem muito mais durante o abate"! Concordo. Tanto concordo que hoje sou cerca de 90% vegetariano. De qualquer forma, não consigo imaginar na panela uma criatura igual a que tenho em casa, que em momentos de faniquito segura-me pela roupa e me guia até o lugar onde ela acha que eu deva ficar, ou onde haja algo que lhe interessa, como uma banana ou uma garrafa plástica pronta para ser mordida. Da mesma forma, se comprei alguns animais de plástico para o meu afilhado, impressionado pelo "realismo" deles, logo parei: o moleque os levava na escola para acertar colegas na cabeça. Até agora só não encontrei "senão" para a beleza das mulheres orientais em geral, chinesas e japonesas em especial.

Ricardo de Mattos
Taubaté, 26/8/2008

 
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