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Quarta-feira, 10/9/2008
Tritone: 10 anos de um marco da guitarra rock
Rafael Fernandes

Em 1998 foi lançado um dos grandes discos de guitarra no Brasil, que considero um dos marcos do boom no mercado das seis cordas elétricas: de lá para cá os instrumentos melhoraram, há mais opções de compra, estudo, revistas, acesso à informação e aparecimento de uma enorme quantidade de novos músicos. Me refiro ao disco Just for fun (And maybe some money...), do Tritone, a feliz união de três ases da guitarra brasileira: Sérgio Buss, Edu Ardanuy e Frank Solari. O título define bem a intenção do disco: três amigos, de talento, se juntam com o intuito de trocar idéias musicais, fazer algumas canções e se divertir. E, claro, se ganhassem algum dinheiro, melhor.


Sérgio "Serj" Buss, em foto de Paulo Koglin

À primeira vista pode-se pensar que foi um projeto como o G3, criado por Joe Satriani, que em geral é acompanhado por Steve Vai e um outro guitarrista escolhido a cada turnê (já foi John Petrucci, Yngwie Malmsteen, Robert Fripp, entre outros). Mas o G3 é um projeto de shows, em que cada guitarrista faz uma apresentação solo reduzida, com sua banda, e que no final se juntam para uma jam. Tudo é registrado e acaba virando CD e DVD. Com o Tritone não foi assim. O que aconteceu foi a união dos três guitarristas que se propuseram a fazer um CD compondo juntos, interferindo nas idéias alheias e, mesmo nas canções criadas individualmente, todos aparecem com destaque. O resultado é ótimo, muito coeso nas composições e sons. E tem grande influência dos próprios guitarristas do G3, mas sem ser cópia ou pastiche.


Edu Ardanuy

Na época do lançamento, os músicos despontavam como os melhores do país, aparecendo com destaque nas revistas especializadas. Edu Ardanuy e Sérgio Buss moravam em São Paulo e Frank Solari em Porto Alegre. Edu já se solidificava como o grande guitarrista de rock do Brasil; no mesmo ano ficou entre "os 10 melhores" (do violão e da guitarra) numa eleição da versão nacional da revista Guitar Player, com votos dos próprios músicos, ao lado de nomes como Guinga, Heraldo do Monte e Toninho Horta. Com sua banda, o fabuloso Dr. Sin, fazia uma turnê de divulgação do ótimo disco Insinity, lançado no ano anterior. Buss colhia os frutos da sua formação no Musicians Institute em guitarra e gravação, e de uma passagem como assistente de estúdio de Steve Vai (tendo inclusive participado de uma turnê com ele); e começava uma carreira na criação de trilhas comerciais. Solari, no mesmo ano de Just for fun..., foi semifinalista do 1º Prêmio Visa de MPB, versão instrumental, e lançou um trabalho solo bastante criativo, Um círculo mágico que juntava rock, fusion, world music e até choro.


Frank Solari

Hoje os três estão finalmente estabelecidos como grandes no Brasil. Edu Ardanuy é tido como deus por grande parte dos aspirantes a guitarrista do país e impõe respeito mesmo perante os mais rigorosos músicos. Vendo e ouvindo seu tocar dá pra entender o porquê: continua evoluindo, surpreendendo, numa mistura explosiva de pegada furiosa, virtuose e melodia, sempre com novos "truques" para apresentar. No ano passado lançou um grande disco com o Dr. Sin, Bravo, e há alguns anos promete seu aguardado disco solo. Sergio Buss mudou-se para Curitiba e continua com seu trabalho de produção de trilhas. Também em 2007 lançou um disco brilhante: Liquid piece of me, em que demonstra apuro de sons, músicas marcantes e maturidade difíceis de encontrar em discos de guitarra ― até porque, mais que um disco de guitarra, é simplesmente de música. Frank Solari, depois de lançar o disco Acqua, em 2004, passou algum tempo morando e fazendo shows na Europa. Voltou recentemente ao Brasil e prepara um disco com um costumaz parceiro, o baixista André Gomes.

Just for fun (And maybe some money...) foi gravado todo no estúdio caseiro de Sérgio Buss, o Private Torture Room. Na época, apenas quem trabalhasse com música e conhecesse áudio poderia gravar um disco assim. Hoje sabemos que qualquer um está apto a fazê-lo ― claro que com resultados variados. Just for fun... conta com a participação do baixista Sergio Carvalho em todas as músicas e as baterias são programadas; se em 1998 apresentava um ótimo som por serem samplers, hoje já parecem ligeiramente datadas, apesar de não comprometerem o resultado. Da mesma forma, as guitarras ainda hoje aprensentam um som bom, fruto do conhecimento técnico de Buss.


Ouça um trecho de "Psycho Cocks"

Nas entrevistas da época são contadas algumas curiosidades da gravação como, por exemplo, o uso de amplificadores dentro de uma caixa de madeira forrada internamente com espuma, para burlar vazamentos tanto de dentro para fora, como o contrário: assim evitavam que o som alto incomodasse outros moradores da região, como também se preveniam de uma "participação especial" do cachorro do vizinho. E podemos observar declarações sobre o lançamento do CD, que sairia de forma independente. Os músicos argumentavam que era a única forma, que uma gravadora grande era inviável. Na época, a única alternativa era prensar algumas cópias por conta própria e fazer uma distribuição quase artesanal. Comparando com o panorama atual, é curioso perceber que as gravadoras majors ou estão se fundindo ou diminuindo de estrutura e procurando novos caminhos. Além de hoje ser bem mais fácil gravar e lançar músicas, pelo barateamento de equipamentos e distribuição pela Internet.


Ouça um trecho de "Tritone"

O disco começa poderoso com "Psycho Cocks", um rock em que as três guitarras, cada uma num intervalo diferente, vão surgindo para se unirem numa avalanche de riffs marcantes e poderosos . Os solos se alternam, privilegiando frases incendiárias. "Z3" dá uma vontade pegar uma estrada, num dia de sol. A melodia consegue nos contar uma história mesmo sem letra. "Tritone", a música, traz um riff tortuoso em outro trabalho incrível do trio, com observações musicais que engrandecem a canção, ao mesmo tempo em que mostram detalhes relevantes. "Rising", belíssima, é uma das mais climáticas do disco, numa estrutura que cresce, unindo dramaticidade e doçura.


Ouça um trecho de "Cruz"

"Cruz" é minha preferida do disco: tem uma estrutura bastante simples, de três partes: o riff, dramático; a parte A, rocker; e a parte B, agridoce. Uma boa cama para que os solos sejam despejados, um melhor que o outro, até o clímax final, com dois dos meus solos prediletos. Têm muitas notas, mas não são gratuitas. Pra quem acha que "feeling" é só um guitarrista fazendo um bend com careta, precisa rever alguns conceitos. Mas quem, de qualquer forma, tem birra de virtuosismo certamente vai achar uma porcaria. "Morning Shine", de clima lúdico, apresenta um jogo de guitarras irresistível quando ouvido com fones. Uma delas começa solitária, meio "perdida", e aos poucos as demais surgem para dar a "cara" da música: o sentido fica inteiro apenas quando as três se juntam. "The Last One", como o próprio nome diz, é a última e fecha com chave de ouro, belíssima, um dos meus discos preferidos. Ele mostra que é possível tocar guitarra rock no Brasil com competência e brilhantismo e prova que um disco de guitarras pode ter canções marcantes, com grandes melodias e não se ater apenas a pirotecnias. Sérgio Buss já declarou que um novo disco do Tritone pode sair. Com Edu Ardanuy, mas com Marcelo Barbosa substituindo Frank Solari. Agora é aguardar.

Rafael Fernandes
São Paulo, 10/9/2008

 
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