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Sexta-feira, 7/11/2008
Carros? Caraca!
Fabrício Carpinejar

Duas coisas que o homem não tolera ouvir de uma mulher: insinuações sobre o tamanho do seu sexo e que dirige mal. O resto é negociável.

É óbvio que o tamanho do sexo somente se refere ao diminutivo. Quando ela pedir sua "coisinha", mesmo carregada de ternura, mesmo sem querer, é para falir na hora.

"Cadê o teu pauzinho?" merece uma resposta sem piedade:

― Calma, mulher, estou procurando. Estranho, eu o vi ontem.

Ternura às favas. Homem ― no seu íntimo ― quer ser dotado de "trabuco". Ele empregará somente a régua na adolescência com a certeza de que ultrapassará os quinze centímetros. Na indecisão, não ousará enquadrar seu instrumento de trabalho ao longo da vida e se ausentará de qualquer discussão sobre os animais superdotados da National Geographic. Será adepto do escuro e do clique do abajur. Não coçará muito o saco para não chamar atenção. É educado por insuficiência de recursos. Tanto que uma das melhores invenções higiênicas foram as paredes que colocaram entre mictórios nos aeroportos, preservando a identidade secreta dos rapazes.

Não necessita ser algo descarado. Sugestões femininas aniquilam um relacionamento.

Alguém imagina o desespero de um homem ao escutar de sua parceria que ele vá mais fundo, mais fundo, aos gritos lânguidos de "mete mais", quando ele já não tem mais o que oferecer?

De acordo com suas potencialidades, o cara está lá no útero, e o corpo sinuoso dela permanece insensível. Isso é o que caracterizo de "Nervos de aço", sr. Lupicinio Rodrigues. Dor-de-corno são nervos de alumínio.

Os atenuantes deprimem tanto quanto. Receber a comiseração de frases como "tamanho não é documento". Qual é o motivo dessa pérola, senão a de lembrar que seu órgão é diminuto?

Duvido que Long Dong Silver, ator descomunal no sentido físico, confessasse numa mescla de sabedoria e arrependimento: "tamanho não é documento". Quem tem tamanho, não precisa de documento. Quem não tem, provará todo o momento que é normal. Ou será extremamente sensível para compensar a ausência de protuberâncias.

Demorei um tempão para usar sunga. Não cheguei à façanha de empregar a branca, que transparece até o pantanal. Compro as mais coloridas e extravagantes, com desenhos e mapas, para distrair o volume das espectadoras praianas. Não me peça mais, estou no grau máximo de minha evolução, em comparação às largas bermudas da adolescência. Sunga sortida significa minha aposentadoria por invalidez.

Pior do que as indiretas em relação ao corpo é suportar as mulheres comentando o desempenho no trânsito. Carro é a prótese masculina.

Um risco na lataria revela uma cicatriz nos países baixos. Amasso é sífilis. Num vendaval, telhas voaram ao capô. Afundou uma mera impressão digital. Envergonhei-me da versão que transmiti ao corretor, de que teria que pintar o carro inteiro. Exagerei, parecia que a casa havia soterrado o veículo. Quando ele foi vistoriar, não encontrava o arranhão. Nem eu.

Curiosamente compro carros cada vez maiores. De um Fusca para um Gol, de um Gol para Cross Fox, minha próxima aspiração é um jipe e devo terminar com uma colheitadeira. O carro é a vingança peniana. O revide ao complexo, uma revolução no carma. Entre o psiquiatra e a concessionária, fico com a concessionária.

A única chance que tenho para exibir minha virilidade. De me sentir alto e gostoso. É um instinto filial à máquina. Ela me protege das suspeitas. As guerras são carros à última potência de sujeitos com desproporções eretas.

Feliz era meu pai que estacionava um Galaxy preto nos anos 70. Feliz era meu avô que transitava com um Studebaker vinho na década de 50. Os carros eram naturalmente banheiras de hidromassagem. Dava até para transar em seus estofados ― glória chauvinista ― sem encontrar o câmbio.

Na primeira vez em que eu saí com uma menina, ela inventou de cochichar: "você muda a marcha de forma grosseira!". Seu propósito generoso era interromper o nosso terrível silêncio e puxar assunto. Para quê? Nunca mais a vi. Sequer justifiquei o sumiço. Desapareci por completo num maço de cigarros. Ela nunca entendeu. Tomara que leia este texto.

Foi muito infeliz e sincera, infeliz porque sincera. É igual a olhar para ela e disparar: "percebi celulite, estrias e gorduras localizadas, mas gosto de você assim". Alguma mulher agüentaria o tranco?

O carro para o homem é seu salão de beleza, sua massoterapeuta, sua cirurgia plástica.

A reprovação no exame de habilitação produzirá mais estrago emocional do que rodar no vestibular. A tragédia será completa acrescida da aprovação no mesmo exame e no mesmo dia da namorada. Há homens que não dirigem para não enfrentar esse constrangimento. Preferem ônibus, táxis e trens, com a esperança ecológica de que ajudam o planeta e, de tabela, sua estima.

Minha mais ácida discussão com a esposa não foi no quarto. Ocorreu em plena estrada quando, nervosa pela cobrança, me aviltou de "motorista burro". Reagi com excessivas maldades de que me arrependo amargamente. Nosso casamento não terminou por um triz ou terminou ali e começou de outra forma e não percebemos. Tomei uma via errada porque ela me aconselhou a permanecer à direita e o acesso era na esquerda. Ela não tinha obrigação de me orientar, eu estava ao volante enxergando as placas. Homem quando decide errado culpa a mulher. Foi o que fiz. Mas ela poderia ter me chamado de "burro" que o sangue não subiria à cabeça, inclusive a ajudaria na acusação. O "motorista burro" me encrespou. Uma reação defensiva. É o equivalente a debochar da ejaculação precoce.

Se carro tivesse caixa-preta, descobriríamos que a maior origem dos divórcios são os diálogos banais e conflituosos entre o piloto e a co-piloto.

No fim do ano, o condutor de uma D-20 apanhou meu carro num cruzamento. Deixou a faixa do canteiro, obrigado a fazer curva, e seguiu reto. Como um jogo de xadrez, pulou pistas e se esqueceu de localizar as demais peças. Entrou na minha porta lateral enquanto eu dobrava.

A imperícia foi dele. Pulei do carro pronto para refrega. Mas o motorista logo admitiu a falha, passou seus telefones e dados, antecipou que o conserto seria por sua conta. Uma gentileza em pessoa. Dispensei as testemunhas, a ocorrência e o diabo das desconfianças. No dia seguinte, era um homem distinto, arrogante e veemente. Avisou que não cometeu nenhuma infração, e desligou o telefone na minha cara, ameaçando que iria me processar. Sua seguradora endossou a história de um modo invertido: que eu cruzei o carro dele. Sua mulher também descreveu essa versão. Já desacreditava de minha sanidade. Entendi uma das estratégias masculinas para fugir da responsabilidade em acidentes. Fingir-se de cordial para evitar o flagrante. Ao mesmo tempo, dificilmente um homem admitirá que falhou no trânsito. A questão não é financeira, é de orgulho. Não pretende carregar o estigma de que é "facão" diante dos seus próximos. É colocar sua sexualidade à mostra. Prefere mentir a enfrentar a gozação dos amigos e a dúvida de sua segurança com as mulheres.

Diante de peças irrefutáveis, forjará teses de que foi vítima. Repetirá infinitamente sua versão fantasiosa até convencer sua memória.

Excesso de velocidade, infalibilidade e truculência são variações de homens mal resolvidos. Carro é evidente drama de reconhecimento sexual. A pista vira uma cama; o retrovisor, espelho no teto. Garanhões sobrevoam com vidro fumê, confundindo o automóvel com a extensão das pernas.

Falta humor no trânsito, aceitar as imperfeições para não repeti-las. E mais honestidade. E mais colhão. Ainda que seja pequeno.

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado no blog de Fabricio Carpinejar.

Fabrício Carpinejar
Porto Alegre, 7/11/2008

 
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