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Terça-feira, 24/2/2009
No line on the horizon, do U2
Rafael Rodrigues

No line on the horizon, décimo segundo trabalho de estúdio da banda de rock irlandesa U2, já nasce grande. Só de versões comercializadas, o disco terá cinco: uma "normal", em formato jewel case (leia-se caixa de acrílico), e quatro limitadas, que variam da mais simples ― em digipack, com encarte um pouco maior que o da versão "normal" e um minipôster da banda ― até a mais luxuosa ― contendo, além do CD, um DVD com o filme Linear, do cineasta britânico Anton Corbijn ― diretor do clipe de "Get on your boots", primeiro single do disco ―, um livro de capa dura com 64 páginas e um pôster.

O U2 é uma das raras bandas que pode se vangloriar de seu pior trabalho ser um bom disco. No caso, o equivocado Zooropa, no qual entre canções boas, mas que nem de longe fazem jus à reputação do grupo, podemos encontrar ao menos quatro de indiscutível qualidade, à altura da banda: "Numb", "Lemon" (belíssimas, apesar de poucos gostarem) e as maravilhosas "Stay (Faraway, so close)" e "The first time".

Pode-se dizer que Zooropa é uma tentativa mal-sucedida do estupendo Pop, lançado quatro anos depois, disco que é uma das obras-primas da banda e que, infelizmente, não foi bem recebido nem pela crítica nem pelo público, sendo ainda hoje alvo de críticas. Assumidamente prematuro, foi lançado às pressas, depois de uma gravação conturbada; o próprio Bono Vox já declarou que, se pudesse, regravaria o disco. Essa "pressa" fica mais evidente em uma das músicas de Pop, "Last night on earth", uma canção poderosa, mas que aparenta ter sido editada de maneira displicente. A maior prova de que o disco foi lançado antes do tempo e de que a própria banda de certa forma se arrepende disso está na coletânea The best of 1990-2000, na qual três faixas de Pop ― "Gone", "Discothèque" e "Staring at the sun" ― ganharam novas versões.

Zooropa e Pop sucedem Achtung baby, que inaugura de maneira sublime uma nova fase na carreira do grupo, encerrada de maneira brilhante por The Joshua Tree. (Entre os dois há Rattle and Rum, mas é um disco no qual predominam covers e versões ao vivo, poucas são as músicas inéditas.) Esta "nova fase" é marcada por uma espécie de atualização sonora. Até The Joshua Tree há ainda no U2 uma quase vontade de não se deixar levar totalmente pela indústria da música, como se isso significasse uma ruptura com suas raízes e sua nação. A banda era, sim, um grande sucesso em todo o mundo, mas nada comparado ao que veio depois. E isso veio com Achtung baby, lançado em 1991, que é considerado um dos melhores álbuns do grupo, atrás apenas de ― ou empatado com ― The Joshua Tree. É em Achtung baby que o U2 começa a flertar com o pop e a música eletrônica, fugindo um pouco do tom épico dos discos anteriores ― The Joshua Tree e The unforgettable fire. Em seus sucessores (os já mencionados Zooropa e Pop), essas características estariam ainda mais presentes.

Citar essa quase fuga das raízes e entrada no cenário luminoso da música eletrônica é importante para entender o novo álbum da banda, No line on the horizon, a ser lançado dia 27 de fevereiro na Irlanda e em 02 de março no resto do mundo (exceto nos Estados Unidos, onde o disco será lançado dia 03 de março). É também necessário um breve olhar sobre All that you can't leave behind e How to dismantle an atomic bomb, lançados em 2000 e 2004, respectivamente.

Quando a banda, depois do mal desempenho de Pop junto à crítica e ao público, anunciou que entraria em estúdio, a expressão mais utilizada era "volta às raízes". Depois de uma incursão à música "de discoteca", a banda desejava fazer o bom e velho rock'n'roll de sempre (do qual nunca se afastou, é bom deixar claro; nem mesmo em Pop), e o álbum citado como referência era, justamente, The Joshua Tree. De certa forma, All that you can't leave behind é uma "recriação" de TJT, mas guardando-se as devidas proporções, é claro. O disco de 2000 nada tem, a rigor, do glorioso álbum de 1987. Enquanto que em All that you can't leave behind os integrantes aparecem, nas fotos do encarte, num aeroporto, no encarte de TJT vemos a banda em fotos tiradas em campos. Em um, o clima é de modernidade; no outro, é bucólico. Sinal de que a banda estava se ajustando aos "novos tempos", mas de maneira sóbria (as fotos no aeroporto são discretas e em preto e branco, longe do excesso de cores, poses e adereços dos tempos de Zooropa e Pop). Não obstante essa diferença de ares e paisagens, o som de ambos discos é o U2 em estado puro. São os álbuns nos quais o U2 é mais U2. Houve quem criticasse o uso de equipamentos modernos e a descarada intenção de criar um hit ("Elevation" e seus sintetizadores), mas a verdade é que em All that can't leave behind pode-se sentir um pouco da aura épica do U2, presente com toda a magnitude em The Joshua Tree e, com um pouco menos de vigor, em Achtung baby.

Já em How to dismantle an atomic bomb a banda optou por seguir a trilha que o disco anterior indicava: a mescla de rock com músicas mais introspectivas, deixando um pouco de lado a influência eletrônica. É um álbum valoroso, de extrema qualidade, todas as canções poderiam ser músicas de trabalho. Pode-se dizer que How to dismantle an atomic bomb é um All that you can't leave behind mais maduro, apesar de a inspiração para ambos discos serem um pouco diferentes (o impacto do novo século/milênio que se desenhava foi o mote de All..., e a situação geopolítica do mundo pós-11 de setembro foi o que guiou a composição de How...).

Agora, em No line on the horizon, a banda traz o melhor do melhor de todos os seus discos. Não é à toa que Steve Lillywhite (que, juntamente com os lendários Brian Eno e Daniel Lanois, produziu o disco) vem dizendo que este é o melhor trabalho do U2 até hoje. Há, no novo álbum, a presença de Achtung baby e Pop, em músicas como a contagiante "Get on your boots"; em "Magnificent" há um quê de The Joshua Tree; "Moment of surrender" lembra um pouco The unforgettable fire; "I'll go crazy if i don't go crazy tonight" poderia estar em All that you can't leave behind ou em How to dismantle an atomic bomb. Mas, também, há canções completamente diferentes do U2 ― e, paradoxalmente, tão U2 quanto qualquer outra. A faixa-título, por exemplo. É diferente de tudo o que a banda já fez, mas nada é tão Bono-Edge-Mullen-Clayton quanto. Mesmo caso de "Stand up comedy" e "Fez ― Being born", por exemplo; esta última inicia sombria, soturna, mas caminha para um refrão redentor; "Stand up..." é uma mistura excepcional de pop/rock, com uma pitada de funk e, por mais incrível que possa parecer, rap. Outra canção brilhante é "Unknown Caller", muitíssimo bem construída e arranjada, com vocais perfeitos de Bono e The Edge.

Com mais de trinta anos de estrada, milhões de discos vendidos e dezenas de Grammys na estante, o U2 poderia perfeitamente encerrar sua carreira ou colocar no mercado álbuns não mais que razoáveis. Felizmente, não é este o caso. O que se vê é uma banda sem medo de arriscar e mudar ― inclusive o visual (Bono voltou a usar o cabelo curto, o "corte de exército" da época de Pop). Um grupo que não tem vergonha de assumir posturas políticas e pacifistas em seus discos e em suas vidas pessoais (vide a cruzada solitária de Bono em busca de um mundo menos desigual e belicoso). Uma banda que, de tempos em tempos, presenteia seus fãs com uma obra-prima ― como agora ―, e nos faz acreditar um pouco que o mundo ainda pode ser melhor e que, para isso, basta fazer como eles: dar sempre o melhor de nós.

Rafael Rodrigues
Feira de Santana, 24/2/2009

 
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