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Quinta-feira, 21/5/2009
Um Twitter só para escritores
Marcelo Spalding

Vou confessar uma coisa: morro de inveja do IMDB, o enorme catálogo on-line com informações sobre todos os filmes possíveis e impossíveis. O funcionamento é simples e o cruzamento de dados, completo: acessando Tom Hanks você pode clicar em Philadelphia e lá vai lembrar que Denzel Washington estava no elenco, e saber que um, ano antes, em 1992, Denzel esteve em Malcolm X, junto com Angela Bassett, que não me lembra filme algum mas é muito bonita.

Bem, agora imagine um grande catálogo de livros, com todos os títulos do mundo, organizados por título, autor, sinopse, ano de publicação, língua original, traduções... O sistema já teria até nome: Biblioteca de Babel, em homenagem a Borges. E ele, sim, teria informação sobre todos os livros; acessando Stern chegaríamos em Machado, e dele em Eça de Queirós, e de Eça em Saramago, e as teias que formam qualquer arte ficariam ali, escancaradas para o deleite dos leitores e aprendizes.

Outro sistema que invejo um pouco, menos que o IMDB mas o bastante para querer tempo e dinheiro para inventar algo semelhante voltado para a literatura, é o MySpace. Imagine um MyBooks? Mas nele não poderiam estar só os chatos que usam a internet como gaveta e abarrotam nossa grande rede, era preciso que os grandes escritores vivos aderissem ao MyBooks, que seria agregado a uma espécie de Twitter literário, e lá os autores postariam as novidades dos seus trabalhos, avisariam sobre eventos dos quais participariam, e por aí vai.

Como sonhar não custa, já fico imaginando quem eu seguiria, quais os 10 escritores vivos que eu não deixaria de seguir. Vejamos:

Jose Saramago: não é só para posar de intelectual que começo pelo Nobel, mestre de nossa língua e ofício, dono de obra vasta e complexa, reconhecido pelo mundo, amado pelos brasileiros e renegado em Portugal. Saramago coloca qualquer leitor no seu lugar, lembrando-nos do quão difícil é fazer boa literatura e mesmo acompanhar boa literatura. Por isso, tenho uma meta de ler um Saramago por ano; por isso e também para ler Saramago ainda por muito tempo. Até agora, O Evangelho Segundo Jesus Cristo é o que mais me marcou.

Gonçalo M. Tavares: já que estamos na terrinha, este poeta, contista, romancista e obstinado escritor merece ser seguido. O mais recente romance que li dele, Jerusalém, além de super premiado está em lugar de destaque na minha estante. Sem contar a belíssima série de minihistórias de seu O Bairro, como O Senhor Valéry e O Senhor Henri. Um caso raro de escritor que une inventividade com densidade.

Jonathan Safran Foer: confesso que só li um romance dele, Extremamente Alto & Incrivelmente Perto, mas quem escreveu algo tão magnífico merece ser seguido, ainda que provavelmente jamais faça algo parecido. A não ser que arriscasse uma continuação, com o pequeno Oskar já não tão pequeno mas ainda encantador, complexo, provocante. Devo a este romance do norte-americano Foer um outro olhar sobre o 11 de setembro.

José Luandino Vieira: este escritor angolano é um belo exemplar da literatura africana em língua portuguesa, já tão rica. Contista e romancista de mão cheia, foi preso na terrível prisão salazarista de Tarrafal (espécie de Guantânamo de Salazar), devido ao sucesso de seu volume de contos Luuanda. De tom subversivo, vide "A estória do ovo e da galinha", mistura elementos da cultura africana no léxico e nas temáticas, o que o tornou representante legítimo dos angolanos mesmo sendo branco e nascido em Portugal. Em 2006 ainda se notabilizou por ser o primeiro escritor a recusar o Prêmio Camões, mais importante da língua portuguesa. Ah, e seria importante seguir ele no Twitter dos escritores porque está publicando uma trilogia depois de muito tempo afastado da literatura, e quero notícias dos volumes.

Milton Hatoum: outro clássico, clássico no estilo e pela fama que conquistou. Professor universitário, romancista de mão cheia e com livro de contos quentinho na praça, Hatoum merece e precisa ser seguido por qualquer leitor brasileiro, sob pena de perdermos o que há de mais canônico em nossa literatura contemporânea. Nem que seja para criticar o estilo rebuscado e a overdose das paisagens manauaras. Com Dois Irmãos e três jabutis, Hatoum hoje é quem está mais perto de um dia, quem sabe, trazer um Nobel de Literatura para o Brasil.

Ana Maria Gonçalves: li um romance só dessa mineira, mas um romance de mais de 1000 páginas! Um defeito de cor merece ser lido e lembrado tanto pela abordagem de tema tão delicado na nossa história quanto, sobretudo, pela composição narrativa capaz de nos guiar ao longo das centenas de páginas. É uma impressionante epopeia que não ganhou prêmios ― e quem precisa deles? ―, mas me deixou com vontade de ler mais Ana Maria Gonçalves. Aliás, por que ainda é tão difícil para as mulheres ganhar um importante prêmio literário?

Fernando Bonasi: este paulista escreveu o que talvez seja a melhor novela do chamado neorrealismo brasileiro, este estilo que coloca a favela, o subúrbio em primeiro plano. Subúrbio, de 1994, abriu caminho para Cidade de Deus e as dezenas de contos à Marcelino Freire que temos por aí. Além disso, Bonasi é autor de um dos melhores livros de minicontos que eu conheço, Passaporte. Beleza de histórias, beleza de conjunto.

Ferréz: é possível que ele não estivesse nesse Twitter de escritores, pois na Wikipédia ainda não está. Mas Ferréz, um híbrido de Virgulino Ferreira (Ferre) e Zumbi dos Palmares (Z) e uma homenagem a heróis populares brasileiros, é um escritor que merece ser seguido porque toca em outro tom nessa orquestra quase uníssona que é nossa literatura brasileira. Nascido no subúrbio paulista e ligado ao movimento hip-hop, tem conseguido espaço entre os doutos da literatura e já figura em revistas, editoras, programas de TV e universidades, espaços sempre tão seletivos. Com aparente autenticidade, que falta para tantos narradores "marginais" ou "suburbanos".

Cristovão Tezza: que me perdoem Trevisan, Cony, Scliar, Assis Brasil, mas tenho optado por escritores da geração formada por eles. Com exceção, talvez, dos estrangeiros Saramago e Luandino. De Curitiba, então, quero seguir o Cristovão Tezza, romancista capaz de inventar e reinventar narradores, produzindo uma ficção de fôlego (eta palavrinha da moda) e interesse. O melhor que li, até agora, foi O Fantasma da Infância, mas iria segui-lo porque sei que vem muito mais por aí.

Cíntia Moscovich: pra não dizer que não falei dos meus pagos, a Cíntia merece ser seguida por tudo o que escreveu e ainda irá escrever. O melhor miniconto de todos já escritos, para mim, é dela: "Uma vida inteira pela frente. O tiro veio por trás". E sua produção contística já corre mundo pelo estilo clássico, eloquente, cuidadoso. Mestre em literatura com dissertação sobre a teoria do conto de Poe a Piglia, tem verdadeiras obras-primas como "A grande e invisível África" e "A gramática dos erros".

Bem, que me perdoem Philip Roth, Alessandro Baricco, Chico Buarque e tantos outros que ficaram de fora, listas são listas. Mas, e você, quais 10 escritores seguiria nesse improvável MyBooks, o Twitter da literatura?

Marcelo Spalding
Porto Alegre, 21/5/2009

 
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