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Segunda-feira, 1/6/2009
Guerra dos sexos: será o fim?
Pilar Fazito

Todo cérebro humano nasce feminino. Lá pela oitava semana de gestação, se os genes determinam que a criatura há de ser macho, o corpo começa a produzir uma enxurrada de testosterona que inunda a cachola e modifica as estruturas cerebrais. Nesse caso, por exemplo, ocorre a diminuição das áreas destinadas à capacidade verbal, à audição e à memória emocional. Por outro lado, a área destinada ao pensamento sexual mais do que dobra de tamanho, o que sustentaria, em parte, o fato de mulheres pensarem em sexo a cada 1 ou 2 dias, em média, enquanto os homens elocubram suas fantasias a cada 52 minutos (conforme testes feitos com homens e mulheres de 20 a 30 anos). Essas diferenças também explicariam o fato de as mulheres usarem mais de 20 mil palavras por dia, enquanto os homens só usam, em média, 7 mil. Isso quem diz é a neurociência que, nos últimos anos, tem conseguido responder a dúvidas ancestrais que sempre alimentaram os clichês machistas e feministas e, por conseguinte, a guerra entre os sexos.

A análise dessas diferenças estruturais, hormonais e comportamentais tem sido feita há mais de 20 anos por Louann Brizendine, uma neurocientista norte-americana que também tem formação em Psicanálise. Na década de 1960, em plena ebulição feminista, Brizendine levantou a mão em um seminário e perguntou ao palestrante quais haviam sido os resultados da pesquisa que ele descrevia obtidos em primatas femininos. Grosso modo, o pesquisador respondeu que as pesquisas nunca utilizavam cobaias fêmeas porque havia muita variação hormonal e isso esculhambava os resultados dos testes. A perplexidade diante da resposta a fez querer estudar o cérebro feminino e como as alterações hormonais afetavam o comportamento das mulheres.

Brizendine fundou, então, uma associação destinada a estudar o tema e andou se valendo do desenvolvimento tecnológico para conhecer melhor o cérebro feminino. O resultado está muito bem condensado em Como as mulheres pensam, publicado em 2006 no Brasil, mas que, talvez por causa de um título tão porcamente traduzido, não teve a repercussão que merecia. No original, Female brain é um daqueles livros que mereciam estar no topo de vendas por mais de cinco anos, desbancando bobagens que geralmente não merecem ficar ali por mais de duas semanas.

Female brain (ou em português brega, Como as mulheres pensam) traz explicações científicas em linguagem fácil e acessível para todo leigo. Cada capítulo é destinado a uma fase da vida e, necessariamente, aborda o funcionamento do cérebro masculino para fazer o contraponto da abordagem do cérebro feminino.

Como se não bastassem as alterações cotidianas do ciclo menstrual ao longo da maior parte da vida de uma mulher, elas reagem de forma diferente em cada fase de sua vida: da infância à maturidade. Enquanto os homens só sentem os efeitos de uma variação hormonal na velhice, quando a queda de testosterona (hormônio da agressividade e do sexo) se acentua e, talvez, quando experimentam os efeitos da prolactina e oxitocina na paternidade, as mulheres estão em uma eterna montanha-russa desde a puberdade. Algumas são mais sensíveis à variação mensal e aos efeitos da TPM, quando o estrogênio (hormônio da autoconfiança) e a progesterona (hormônio da calma) despencam. Outras sentem apenas desconforto. Mas todas as mulheres, inevitavelmente, se sentirão reféns de seus hormônios em algum momento da vida.

Em termos científicos, a autora considera a maternidade e a menopausa como os dois momentos mais importantes na vida de uma mulher. Em ambos os casos, a alteração hormonal é tão intensa que opera mudanças estruturais e físicas irreversíveis no cérebro feminino. No caso da maternidade, a alteração hormonal não decorre apenas da gravidez, que por si só já altera o olfato e os mecanismos de fome e sede, além de "sedar" a mulher e deixá-la mais sonolenta até o parto. O simples contato físico com crianças e o cheiro que elas exalam despertam a produção de oxitocina (o hormônio do cuidado com o outro), o que faz com que essa configuração única do cérebro materno também ocorra nos casos de adoção. A partir daí, áreas destinadas à defesa da prole (condição biológica para a perpetuação dos genes) e memória visual, por exemplo, se desenvolvem de forma tão intensa que os pesquisadores chegam a afirmar: a maternidade deixa a mulher mais inteligente. Isso não deixa de ser um consolo para um cérebro que passou pela redução de 20% do tamanho nas últimas semanas de gravidez e só voltou ao normal seis meses depois. Nesse período de encolhimento do cérebro, a amamentação libera oxitocina e prolactina, fazendo com que mãe e bebê se sintam mais tranquilos e calmos. Mas essa calma vem como uma espécie de neblina que pode ser alarmante, além da falta de concentração crônica e involuntária.

A menopausa é um desafio à parte para a ciência. Antigamente, a expectativa de vida de uma mulher coincidia com a interrupção da produção de estrogênio e progesterona. Ou seja, o fim da vida fértil significava, praticamente, o fim da própria vida. Hoje, sabe-se que a produção dos hormônios femininos começa a dar sinais de falência por volta dos quarenta anos e se arrasta até a interrupção total, que varia de uma mulher para outra. A reposição hormonal ainda é uma questão controversa porque pode melhorar muito a vida de uma mulher (desde questões físicas como a manutenção da elasticidade da pele até questões internas, como assegurar o bom humor e a continuidade da capacidade mental), mas também pode oferecer riscos ainda pouco conhecidos (e um deles é a possibilidade de desenvolver câncer).

Em todo caso, quando o corpo feminino resolve parar de produzir estrogênio e progesterona, o cérebro feminino fica mais parecido com o masculino. Isso significa que o cérebro da mulher tem algumas características desativadas como, por exemplo, a necessidade de agradar, a vontade de cuidar do outro e a capacidade de processar a raiva duas vezes antes de liberá-la. Essas mudanças hormonais afetam suas atitudes, fazendo com que ela, finalmente, resolva cuidar de si mesma e realizar suas vontades. E isso, geralmente, pode assustar os filhos acomodados e um marido incauto, que começa a achar que aquela não é mais a mulher com quem se casou. De fato, não é. A mulher com quem ele se casou já não era a mesma na lua-de-mel, o que não quer dizer que ele tivesse sido enganado.

Como as mulheres pensam é um daqueles livros que a gente termina de ler se lamentando por não tê-lo descoberto alguns anos antes. Deveria ser leitura obrigatória para mulheres e homens. Deveria cair no vestibular. Deveria ser leitura obrigatória na escola durante a adolescência.

A gente começa a entender que os cérebros feminino e o masculino são diferentes, sim. E que essa diferença é muito maior do que a gente imagina. Trata-se de uma diferença física e estrutural e, justamente por isso, muitas expectativas e aspirações que homens e mulheres nutrem um em relação ao outro simplesmente não têm como ser cumpridas. Não por má vontade ou por falta de sensibilidade, mas por motivos químicos e biológicos.

Em testes de ressonância magnética, as ondas cerebrais de mulheres expostas a situações de raiva, conflito, estresse e brigas físicas equivalem a ondas de pessoas que estejam sofrendo de um ataque epiléptico. Essa mesma reação os homens apresentaram não quando se viam diante de uma disputa ou ameaça física, mas quando eram obrigados a lidar com questões emocionais. Por diversas razões (todas explicadas minuciosamente por Brizendine), a maioria dos homens sente verdadeiro pânico ao ter que lidar com questões sentimentais e emocionais ou ao presenciar crises de choro femininas, sem saber como reagir a isso.

Obviamente, isso não deve virar desculpa para todos os desentendimentos ou acobertar situações em que o poder de escolha da espécie humana tem capacidade de se manifestar. A própria questão da infidelidade, tão polêmica, não se aplica geneticamente a todos os homens, e mesmo aqueles que apresentam o chamado "gene da infidelidade" são dotados de livre-arbítrio.

Conhecer as diferenças biológicas e químicas entre homens e mulheres, entretanto, pode fazer com que aceitemos melhor as dificuldades de cada um, o que nos pouparia de discussões áridas e de dramas emocionais que não levam a lugar algum. Depois da leitura de Como as mulheres pensam, aliás, a guerra entre os sexos perde todo o sentido.

Nota do Editor
Leia também Especial "Guerra dos Sexos".

Pilar Fazito
Belo Horizonte, 1/6/2009

 
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