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Sexta-feira, 5/6/2009
Convivendo com a Gazeta e o Fim de Semana
Julio Daio Borges

Na época da faculdade, a Gazeta era o jornal de quem queria trabalhar em empresas de consultoria ou bancos. Você ia participar dos processos de seleção e lá estava o exemplar do dia, logo na recepção. Nas entrevistas, todo mundo dizia que lia. Podia até ser mentira, mas conferia sempre algum prestígio. Era antes do ano 2000, não havia Valor Econômico.

Influenciado por esse ambiente, comecei a ler o caderno "Economia", do Estadão. Durou pouco tempo, porque o interesse não era genuíno.

A Gazeta eu fui ler, com mais atenção, quando fiz meu primeiro estágio de verdade, numa empresa de consultoria. Confesso que não lembro, agora, de nada do "hard news" de então, mas lembro bastante do "Caderno Fim de Semana", o caderno de cultura editado pelo Daniel Piza.

A empresa em que eu trabalhava, depois de alguns meses, incorporou um novo sócio, considerado, anos seguidos, o "melhor executivo do Brasil" (pela Exame). No dia do anúncio da nova sociedade - que inclusive mudaria a empresa de nome -, muitos estavam em polvorosa, porque esperavam ser manchete... na Gazeta Mercantil.

Deixei de ser estagiário na tal empresa, mas continuei comprando a Gazeta, na sexta-feira, por causa do "Fim de Semana". Foi ainda como estagiário que li sobre a morte do Paulo Francis na Gazeta Mercantil: um texto do Daniel Piza que acabava com "meu afeto, por você, jamais se encerrará" (evocando o livro de memórias do próprio Francis).

Andava tão emocionado que, naquele mesmo dia, enviei um fax exaltado ao Daniel Piza (o e-mail era incipiente ainda). O Daniel, mais moderno do que eu supus, respondeu com uma mensagem eletrônica amigável e iniciamos uma correspondência a partir dali.

Na primeira vez em que falei, mais longamente, com o Daniel Piza, perguntei sobre o "Caderno Fim de Semana". Como era editar, como era aquela época, por que acabou... Ele me contou de como era diagramar "na mão", das encadernações que estava preparando (para guardar sua coleção) e da tentativa de convertê-lo em revista. O "Caderno Fim de Semana", como era nessa época, acabou no ano 2000.

Lembro também de como reverenciávamos o "Fim de Semana" na pré-história do Digestivo. Eu era um colunista independente ainda, que disparava textos por e-mail, mas já me reunia, no O'Malley's, com dois dos primeiros Colunistas do futuro site. O assunto era, inevitavelmente, a Gazeta - e o Daniel, sem querer, fazia parte das nossas conversas, porque era, justamente, a "ponte" entre aquele nosso mundo de recém-formados e o olimpo do jornalismo cultural, de Paulo Francis, Ivan Lessa, Millôr Fernandes...

Trabalhando em banco, ainda na era pré-Digestivo, me embrenhei, mais uma vez, no terreno do business e quis assinar um jornal de economia. Mas não assinei a Gazeta - apesar de toda a história pregressa com o "Fim de Semana" -, assinei o Valor Econômico, que era novo, mais moderno, e que oferecia todo tipo de promoção no início.

O Valor talvez tenha sido a última grande aposta do jornalismo impresso brasileiro. Era uma joint venture entre Organizações Globo e Grupo Folha, mais ou menos como o UOL tinha sido entre o mesmo Grupo Folha e a Abril. E se o jornalismo impresso teve uma "bolha", aquela foi sua última, porque o Valor não poupou em contratações, encadernando a Economist e a BusinessWeek toda semana e promovendo uma verdadeira campanha para conquistar leitores... da Gazeta.

Em 2002, divulgando um curso de crítica musical do Luís Antônio Giron, relembrei, já aqui no Digestivo, o que era ler "Caderno Fim de Semana" da Gazeta Mercantil. O Giron e o Daniel Piza gostaram muito, mas o pessoal do "Fim de Semana" - que ainda existia (e eu nem sabia direito) -, nem tanto. Encontrei com uma jornalista, que até se tornou próxima depois, e ela, entre rindo e debochando, soltou: "Ah, então foi você quem matou o 'Fim de Semana'?".

Pra você ver como as mortes da Gazeta são como as mortes de Quincas Berro d'Água (e eu não me surpreenderia se ela ressuscitasse, ainda uma vez, para morrer de novo...). Enfim, nessa mesma época (início dos anos 2000), até apareceu um jornalista-blogueiro (e, não, o contrário), desancando a Gazeta - que, desde o fim do milênio passado, era conhecida por atrasar salários e ficar devendo para ex-empregados.

E até eu terminei publicando no "Fim de Semana"... Foi numa época em que emplaquei no Estadão e no Globo (meados dos anos 2000). Fui editado pelo hoje temível Arnaldo Lourençato (atual crítico de gastronomia da Veja São Paulo). Um sujeito que me pareceu afável, quando o conheci numa saída de concerto no teatro Alfa. Era um texto meu sobre o Plínio Marcos. Disposto a fazer a minha lição de casa, até li peças do dramaturgo. Com o "Fim de Semana" já combalido, não me pareceu um grande feito, mesmo na época (muito menos em termos de remuneração), mas era uma espécie de homenagem, que eu prestava, a um caderno que havia me dado muito...

E republicamos antigos textos do "Fim de Semana", aqui no Digestivo. Do Giron e do Ivan Lessa, por exemplo. Fico pensando que, com a interrupção da Gazeta e o fim do InvestNews, talvez o Digestivo Cultural seja o último reduto para esses textos (ou talvez, em alguns casos, o Observatório da Imprensa).

Muita gente hoje me conhece como um ardente defensor da internet, da blogosfera etc. - com uma posição bastante crítica em relação aos jornais impressos e aos velhos jornalistas. Mas eu, obviamente, já li jornais e, inclusive, me formei através deles (antes de haver a internet).

Contudo, vale reforçar que, mesmo evocando saudosamente os bons tempos da Gazeta (ou, ao menos, os tempos em que eu a lia), não retrocedo em nenhum ponto sobre o que disse acerca do "fim dos jornais". A internet evoluiu muito. Não tem mais sentido editar jornais impressos. Mesmo que fosse o "Caderno Fim de Semana", da Gazeta Mercantil...!

Julio Daio Borges
São Paulo, 5/6/2009

 
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