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Sexta-feira, 18/6/2010
Expectativas e apostas na Copa de 2010
Humberto Pereira da Silva


LIANA TIMM© (http://timm.art.br/)

A Copa do Mundo de Futebol é um evento cercado de expectativas, palpites, apostas, listas de seleções favoritas, de jogadores que darão espetáculo, do desejo de ver grandes jogos, jogadas excepcionais etc. Nesse sentido, ao contrário dos jogos olímpicos, o envolvimento do público em geral e especializado com o futebol é menos com um evento de natureza esportiva do que com um jogo. Só para fazer uma indicação, para quem não se apercebe da diferença: xadrez é um jogo, snooker é um jogo, pôquer é um jogo; lançamento de disco é um jogo como o xadrez? Para isso seria interessante ver que palavra-cruzada tem mais a ver com xadrez do que com lançamento de disco. Nem todo jogo é um esporte; alguns esportes em determinadas circunstâncias se aproximam muito de um jogo. O futebol, dependendo do que se quiser considerar, ajusta-se bem a um jogo e a uma prática esportiva.

O lado Cassino do futebol está nas apostas: os dados são jogados para ver quem será o jogador da Copa e qual será a seleção campeã. São muitos e diversificados os palpites e pitacos. Uma primeira expectativa é com o espetáculo de gols e jogadas para a antologia dos melhores momentos. A esse respeito, para as gerações mais jovens, a recomendação é ver e degustar o que foi feito no passado. Como se tem visto nas últimas competições, a Copa do Mundo é o antilugar dos espetáculos. As equipes que disputam essa competição estão cada vez mais preparadas e cada jogo revela dificuldades e equilíbrio que desaconselham a ousadia. Quando se perde uma Copa do Mundo, como bem sabem os patrocinadores, perde-se muito. Adidas, Nike, Puma e tantas outras marcas "jogam" um jogo paralelo. Aí se incluem também marcas de cervejas, televisores e operadoras de telefonia celular.

Futebol, de fato, envolve muita paixão e romantismo. Muito do que se fala está envolto numa aura de purismo e, com isso, não são devidamente considerados os interesses e vínculos publicitários aos quais os jogadores estão ligados. Há espaço, sim, para o espetáculo de gols e jogadas antológicas, mas isso aparece antes como propaganda. Na hora em que a bola rola, ocorre muitas vezes o inevitável anticlímax. Na propaganda, Messi, Rooney, Cristiano Ronaldo, Kaká e Robinho, para ficar nesses, não são senão o fetiche da mercadoria. Quando entram em campo e têm diante deles a prova dos nove, o futebol deixa de ser teatro, encenação hollywoodiana e se assemelha mais a uma batalha numa guerra.

A história das Copas revela que só depois da competição é que jogadores e jogadas são mitificados. Uma breve lista de jogadores que teriam a Copa como lugar de consagração e que fracassaram: Kevin Keegan (82), Zico (82), Platini (86), Ruud Gullit (90), Baggio (94), Ronaldo (98) e Ronaldinho (2006). Em contraste, eis jogadores de quem não se esperava tanto e protagonizaram lances que estão na memória de todos: Jairzinho (70), Kempes (78), Paolo Rossi (82), Rummenigge (86), Zidane (98), Ronaldo (2002). Escapam dessas listas Garrincha (62), Pelé (70), Maradona (86) e Romário (94). Para eles, o dito de Cesar proferido no Senado Romano após vitória na Batalha de Zela: Veni, vidi, vici ("vim, vi e venci"). Escapa dessas listas igualmente Puskas (54), Euzébio (66) e Cruyff (74). Embora eles não repitam Cesar, não se pode fazer a história sem os incluir entre os maiores.

Nessas listas, apenas um jogador, Ronaldo, saiu do inferno da derrota em 98 para a glória em 2002. Nessa Copa Sul-africana, Messi, Cristiano Ronaldo, Rooney, Kaká e Robinho jogam para os patrocinadores e para a história. Resta saber o quanto pesará para eles esquecerem que são mercadorias para se tornarem mitos. É só em campo que se terá a resposta. Entre extremos, como a história tem revelado, caso fracassem eles terão poucas chances para provar que merecem ficar na galeria dos que propiciaram lances para a imortalidade. E, para quem gosta de aposta, sempre é bom lembrar que a Copa do Mundo revela surpresas de quem não se espera tanto. Há dois jogadores que são candidatos a, como se diz, roubar a cena: o alemão/polonês Podolski e o holandês Arjen Robben. Os dados foram jogados, veremos como se comportam.

* * *

O lado Cassino do futebol se revela também nas apostas sobre o desempenho das seleções. Vamos lá: Brasil, Argentina, Alemanha, Itália, Inglaterra, Espanha, França e Holanda formam individualmente as melhores seleções. Nelas estão os melhores jogadores. Nesses últimos quatro anos, Brasil e Espanha ganharam títulos importantes, Alemanha e Holanda tiveram apresentações destacadas nas eliminatórias e delas pode-se dizer também que são potências que ninguém que tenha bom senso põe em dúvida. França e Argentina se classificaram de forma dramática? Mas, Messi, Tevez, Ribery e Henry estão nessas seleções, certo?

Sobre favoritismo em Copa do Mundo, contudo, há um dado geralmente esquecido, mas significativamente importante: o enorme peso das expectativas de conquista. Seleções memoráveis antes e durante a competição malograram. Vejamos: Hungria (54), Portugal (66), Holanda (74) e Brasil (82) estão na memória. Todas elas deixaram a Copa para seleções que não figuravam entre as favoritas. Nessa Copa Sul-africana, pela trajetória que tiveram nos últimos quatro anos, Brasil e Espanha têm contra si essa expectativa.

Ainda há, sobre isso, um dado que é lembrado e que tem se mantido desde 1930: nenhuma seleção europeia ganhou uma Copa do Mundo fora da Europa. Imagino que, apesar da "evolução" individual dos jogadores africanos, é pouco provável termos na África do Sul uma seleção do velho continente como campeã. A se manter a escrita, portanto, Brasil e Argentina aparecem como candidatas mais fortes ao título: uma seleção latina sempre venceu fora da Europa. Caso nenhuma delas levar a Copa, teremos pela primeira vez uma seleção europeia campeã fora da Europa.

Um último dado sobre favoritismo é que a Copa do Mundo foi vencida pelos seguintes países: Uruguai, Itália, Alemanha, Brasil, Inglaterra, Argentina e França. O Uruguai há muito deixou de ser uma potência, Inglaterra e França tiveram só uma conquista, quando sediaram a Copa. Com esses dados, a favorita Espanha tem contra si nunca ter vencido uma Copa e jogar fora da Europa. Peso este que também cai nas costas da Holanda. Para quem quiser jogar os dados a partir do que a História tem revelado, Itália e Alemanha são as seleções europeias mais fortes para conquistar a Copa Sul-africana.

Tudo tão esquemático assim? Não, a história revela muitas surpresas, futebol é um esporte que desafia a lógica mais previsível a cada lance. Uma bola sem pretensão alçada na área e um mundo se abre como não se previra. Mas o que aqui se quis como exercício é mostrar que uma Copa do Mundo invariavelmente apresenta tanto surpresas previsíveis quanto imprevisíveis esperanças.

Humberto Pereira da Silva
São Paulo, 18/6/2010

 
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