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Sexta-feira, 20/5/2011
Bibliotecas públicas, escolares e particulares
Ana Elisa Ribeiro

Um repositório de livros que também serve para emprestá-los e para cobrar multas dos atrasadinhos. É desse jeito que se costuma conceituar uma biblioteca. E nem sempre é assim que elas são. Às vezes são bem piores, especialmente quando só têm livros velhos e desatualizados, quando as bibliotecárias vivem de mau humor ou quando a gente só espirra ao adentrar o espaço (nem sempre iluminado).

Certa vez, escrevi um texto para o Estado de Minas, nosso jornal mais antigo aqui nas alterosas, em que tratava das "bibliotecas dinâmicas". Eram aquelas em que o livro era um elemento importante, claro, mas também outros itens importavam muito, como cursos, lançamentos, eventos, palestras, etc. Algo que talvez os centros culturais estejam mais acostumados a fazer.

Não vou entrar no mérito das nomenclaturas ou dos centros culturais. Para isso, é legal dar uma lida nos livros do Luis Milanesi (principalmente A casa da invenção). O negócio é que bibliotecas têm má fama. E a gente quase não as frequenta. Isso quando elas existem ao nosso redor.

O porão da escola

As bibliotecas mais próximas de mim, na infância e na adolescência, eram as escolares. Talvez seja o que acontece com a maioria das pessoas, embora nem sempre elas notem. Nem toda escola tem biblioteca e, lastimavelmente, isso não é obrigatório no Brasil. Dei a sorte, portanto, de estudar em escolas públicas que tinham bibliotecas.

Na escola em que estudei mais tempo, a biblioteca tinha um acervo que eu achava, à época, razoável. Hoje, provavelmente, eu acharia pobre. Só me lembro de ser um ambiente escuro, uma espécie de porão do prédio (e essas localizações dizem muito...), atendido por bibliotecários que, em sua maioria, eram professores afastados da sala de aula. Uma espécie de castigo para eles? Não sei. Sei que eu gastava boa parte dos meus recreios enfiada naquele porão à procura de livros com títulos instigantes.

Nessa busca, encontrei vários autores, conheci muitos e li bastante. Era chato enfrentar a bibliotecária emburrada, era chato procurar livros no meio da poeira e era chato ter prazo curto para lê-los, mas eu curtia muito ter conhecido, por exemplo, Ana Cristina César ou Ignácio de Loyola Brandão. Não posso deixar de citar o grande impacto que foi ler A dança dos cabelos, do mineiríssimo Carlos Herculano Lopes.

Eu frequentava as bibliotecas das escolas em que estudei. Era uma leitora, uma usuária, uma assídua caçadora de livros. Sabia os procedimentos e tentava não pagar multas. Enfrentava o tom lúgubre do espaço porque, como nos videogames, precisava mudar de fase nesse jogo que é se tornar leitor.

Nenhum curso me tornou leitora, nenhuma aula específica, nenhuma palestra motivacional, nenhum programa de governo, nenhuma tarefa escolar. Eu me tornei leitora porque as palavras me conquistaram. Quando eu me dispus a aprender a ler literatura, a curtir a arte da palavra, eu corri todos os riscos, inclusive o de não gostar, mas eu me engajei e eu me vi apaixonada.

Vá lá fazer sua ficha

Além da biblioteca da escola (e ainda nem existiam esses programas de governo que as abastacem), havia uma biblioteca pública estadual no bairro ao lado. Era também um espaço pequeno e feio, perto da igreja local, com poucas prateleiras e umas moças conversadeiras. Minha mãe me perseguiu durante meses para que eu "fizesse a ficha" naquela biblioteca. Dizia que era importante conhecer aquele pequeno acervo, que poderia haver ali livros que eu ainda não conhecia e que seria um lugar interessante para fazer pesquisa escolar. De fato, o parco público que eu encontrava ali, depois que fiz a tal ficha (um cartão verde com minha foto 3x4), era de estudantes em busca de enciclopédias de onde copiar conceitos e vidas de cientistas. (E depois se alarmam com o atual copia e cola digital...)

Minha conclusão, tirada rapidamente, foi que a biblioteca da escola era melhor do que a pequena ramificação da biblioteca estadual no bairro ao lado. Para piorar, era preciso subir muitos morros (destes de BH) a pé para alcançar um livro, enquanto a da escola me parecia bem mais ao meu alcance (apenas uns degraus para baixo).

Biblioteca e preço de livro

Elizabeth D'Angelo Serra, secretária geral da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), afirmou, em sua participação no VI Seminário Beagalê, em Belo Horizonte (abril), que se existissem bibliotecas públicas (muito muito mais do que existem) no Brasil e se o governo realmente tivesse uma política de abastecê-las, o impacto para o preço do livro seria muito positivo. O raciocínio é matemático, pois bem: nossas tiragens médias são o que Serra chamou, muito apropriadamente, de "ridículas". São, quando muito, três mil exemplares de uma obra. Esse número de exemplares torna o preço unitário do livro alto. Caso tivéssemos para onde escoar essa produção, garantidamente, as tiragens cresceriam muito (dezenas ou centenas de mil exemplares) e os preços unitários cairiam sensivelmente.

Emendei, logo em seguida, dizendo que não sei, não... Não se trata apenas de reduzir preços. Na outra ponta, temos um problema crônico: é preciso criar uma cultura, dar valor ao livro. Mesmo quando uma obra bacana custa R$ 9,90, pouca gente a compra, não é? Sejamos sinceros. É dar valor, não é só dar preço, camaradas. Enquanto não tivermos bibliotecas, não tivemos para onde escoar a produção, não tivermos preço mais baixo e leitores que valorizem o livro e a leitura... nada feito. E assim caminha a humanidade neste país: com pouco livro, pouca leitura e muita preguiça. Arre! E não adianta mudar o livro de suporte. Valham as considerações aqui também para obras apresentadas em dispositivos digitais.

E havia ainda um outro tópico: as bibliotecas particulares. A esta altura, acho melhor nem comentar...

P.S. ― Não posso deixar de dizer que a biblioteca nova do campus I do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais é linda, arejada e iluminada. Resta fazer melhor exame do acervo.

Ana Elisa Ribeiro
Belo Horizonte, 20/5/2011

 
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