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Segunda-feira, 18/2/2013
Formatura
Daniel Bushatsky

Ela acordou, mas não quis levantar. Já era meio dia e, mesmo assim, ficou estatelada. Aquela era a grande noite. Estava pensativa nos últimos dias. Com um nó na barriga, que não se desfazia.

Recordou, calmamente e mentalmente, as tarefas do dia: unha, cabeleireiro, maquiagem, prova do vestido, com o sapato comprado no dia anterior (na maior correria), ligar para a mamãe. Ah, quanto coisa... e se não desse tempo?

O telefone tocou. Era sua amiga querendo saber as novidades do dia anterior (tinha ido à sua primeira reunião de negócios - não falou nada e tomou tanto café que prometeu não beber por um ano aquele líquido horrível com gosto amargo) e saber se ela tinha convites sobrando (que interesseira). Depois foi a vez da sua mãe, que ligou reclamando da sua falta de compaixão com o irmão. Que hora para falar sobre aquilo. Desligou.

Aqueles não estavam sendo dias fáceis. Todas as suas amigas somente queriam saber de se embelezar para a grande noite. Tudo bem que esperaramcinco anos, mas o que aquela noite tinha realmente de tão especial? Nunca conversavam sobre isto: o papo era cabelo, vestido e convidados, mas nunca o motivo de toda aquela felicidade!

Primeiro recordou alguns amigos, nascidos em família abastada, que, na opinião dela, não faziam mais do que obrigação em se formar. Melhores escolas, intercâmbios, viagens, ou seja, tudo o que tinham direito. Onde estava o mérito? Alguns fizeram estágio? Grandes escritórios? Muito trabalho? Mesmo com "tanto esforço" não enxergava o mérito.

Ela não. Tinha vindo de família humilde. Morava sozinha na cidade grande, trabalhava, estudava, tinha feito amigos, estava até ajudando um professor em uma pesquisa. Mas não ia mentir: tinha gente em situação bem pior... tinha(m) o direito de comemorar?

Mas o que estava realmente comemorando? E aquele nó, por que não passava? Comeu uma barra de chocolate.

Até entrar na faculdade, a sua única obrigação era crescer. E crescer, no sentido físico da palavra, é algo natural. Na passagem da infância à adolescência, tinha visto seu corpo realmente mudar, os seios aumentaram, o quadril alargou e o mau humor mensal começou (nem sempre tinha tanto mau humor, mas era uma arma ótima, principalmente contra o namorado), mas já da adolescência para a idade adulta, fora uma pequena engordadinha (como todas as suas amigas), ela não tinha sentido grandes alterações.

Por outro lado, suas obrigações aumentaram em proporção geométrica. Se antes, era entregar a lição de casa, sob pena de um puxão de orelha, hoje é entregar o relatório sob pena de demissão. Tinha amadurecido naqueles cinco anos. Mas continuava sem se emocionar para a grande noite! E pensar que tinham amigos que choram só em comentá-la.

A diferença não era física, era "mental". Tinha feito uma escolha. Uma não, várias. Ao decidir pela sua profissão, decidiu (em tese) o local que iria viver nos seus próximos cinco anos, as pessoas que estariam ao seu lado e seu futuro profissional.

Tão poucas informações... Na época, sua orientadora profissional no colégio pegou seu boletim e disse taxativa: se você vai tão bem em história e geografia, sem contar a boa pontuação (o que é isto? as notas eram dadas em conceito) em português, certamente precisava ser advogada. O mais perto que ela já tinha chegado de um advogado era no divórcio de seus pais, quando fora ao fórum, e no filme Advogado do Diabo, que ela assistiu dez vezes - aiii, o Keanu Reeves era apaixonante.

No primeiro dia de aula, foi avisada pelo quintanista de plantão, que os bacharéis em direito podiam ser, delegados, professores, promotores, juízes, servir algumas carreiras públicas e, lógico, ser advogados.

Passados os cinco anos somente não entendeu onde história e geografia entravam no currículo das faculdades de direito. Que raiva!!!

Tinha realmente tomado muitas decisões. Tantas que não se lembrava de todas, só de uma: tinha entrado na faculdade para ser independente! Isto ela era, em termos. Não financeiramente, mas tinha bastante liberdade. Chorou e se estressou, virou noites, pegou um ou outro exame, tinha vencido!

Pensou: entrei na faculdade para ser independente. Era isto! Mas o nó não se desfez. Realizou que a liberdade era diferente dos filmes de Hollywood, não tinha praia e garotos com torço bonito e, menos ainda, seu cachecol não voava com o vento. Sua liberdade era fruto do seu esforço e dedicação.

Tinha que ir ao cabeleireiro. Conformada pensou: a grande noite seria a formatura de sua independência.

Enquanto cortava o cabelo, viu no espelho o reflexo de uma menina. Uma menina corada, satisfeita e realizada!

Quando sua última mecha caiu, viu no espelho a felicidade. Tinha, acima de tudo, sido feliz!

A grande noite era a formatura da sua felicidade!

Que venha a valsa...

Daniel Bushatsky
São Paulo, 18/2/2013

 
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