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Terça-feira, 21/1/2014
Poesia vira imagem: Ronald Polito e Guto Lacaz
Jardel Dias Cavalcanti

A galinha e outros bichos inteligentes, editado pela Editora Dedo de Prosa (2013), reúne um poeta e um artista plástico: Ronald Polito e Guto Lacaz. O objetivo do livro parece claro. Cria uma transposição da poesia para a imagem. Polito elaborou inicialmente os poemas e depois os enviou para Lacaz para que os transformasse livremente em imagens. O resultado é delicioso de ler e ver.

O livro contém 22 poemas e 22 imagens. São poemas, pode-se dizer, para crianças. Buscam ser pequenas historinhas divertidas, alguns trazendo uma "moral da história" ou lição de vida. É o que se pode ver, por exemplo, em "A formiga", que abre o livro nos ensinando que não só de trabalho se vive a vida, mas na companhia de amigos, dançando e se divertindo. O belo resultado visual do poema é um f de formiga, repetido cinquenta vezes, na posição normal e de trás para frente, traduzindo assim o vaivém das formigas e sua vida repetitiva.

A começar pela capa, pode-se ver que o resultado é muito interessante. h´ é o divertidíssimo resultado gráfico de "A galinha". A capa não poderia ter sido melhor em seu minimalismo gráfico.

A busca pela síntese imagética é evidente no trabalho que Guto Lacaz empreende ao traduzir os poemas. Veja-se o caso do poema "Baleia":

BALEIA

Uma ilha cruza o mar lentamente
disparando para o céu um foguete
.

A imagem criada por Lacaz é um enorme B cruzado por uma linha que indica o mar e pelo "Foguete", que é o desenho que traduziria a água que a baleia solta para o alto.

No poema "Em cada avião", o mesmo processo de síntese criado por Lacaz vai se dar. O poema diz:

Em cada avião bate
o coração de um pássaro
.

Como em cada avião existe o desejo de ser pássaro, Lacaz traduz visualmente a formulação da seguinte maneira: ele cria uma espécie de trombada entre as palavras pássaro e avião, uma vindo de encontro à outra em direções contrárias e se fundindo nesse acidente aéreo. Os divertidos poemas e seus procedimentos visuais não param. No poema "A lesma", a lentidão do bichinho encontra sua forma na repetição visual de cada letra criando a sensação de algo que se move realmente muito lentamente. O poema é tão singelo e bonito que vale reproduzi-lo para o leitor:

A LESMA

A lesma
é sempre a mesma,
deslizando majestática e alheia,
côncava e retrátil,
vai cobrindo de prata
o caminho de areia.

A mesma lesma
que vai meio a esmo,
seguindo cegamente suas antenas
como se nada nem ninguém
pudesse detê-la,
recolhe desatenta sua cauda
de estrelas.


O encontro entre o poeta Ronald Polito e Guto Lacaz é, para quem conhece o trabalho de Polito, esperado. O poeta sempre teve forte atração pelas artes gráficas, pelas artes plásticas e pelo universo do concretismo. Muitos de seus poemas são fortemente visuais, verdadeiras traduções de imagens do mundo captadas de forma aguda. Unir-se a Lacaz nessa aventura é, portanto, encontrar um parceiro ideal para seus interesses pela relação entre as palavras e as imagens.

Para Lacaz, podemos inferir, o encontro é também salutar, pois encontra nos poemas de Polito um arsenal de imagens codificadas em palavras/poemas e que quase apelam para se tornarem construções plásticas.

Um elemento que vale a pena chamar a atenção é o aspecto lúdico tanto da criação de um como de outro. Os dois criadores não abrem mão de divertir o leitor com historinhas e suas imagens engraçadas. O livro destina-se, portanto, às crianças. Foi pensado para tal. Mas como se trata de um poeta e de um artista plástico, não se leve a frase anterior tão à sério. Pois o livro é também destinado ao público adulto amante das artes e da poesia. As pérolas do livro reluzem em brilho que encantam a infância. Guardam, no entanto, sorrateiras, pequenos espelhos dentro dos brilhos, que mostram aos adultos o quanto são ingênuos ao acreditarem apenas nas suas aparências.

Jardel Dias Cavalcanti
Londrina, 21/1/2014

 
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