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Domingo, 10/5/2015
10 coisas que a Mamãe me ensinou
Julio Daio Borges

* A Mamãe me ensinou a amar. Incondicionalmente. Todos os dias ou "todos os dias da vida", como ela dizia. Todas as horas. Em todos os momentos. Sempre. Amar acima de todas as coisas. Amar, como um mandamento.

* A Mamãe me ensinou a ter alegria. A Mamãe era o sol nas nossas vidas. A Mamãe iluminava tudo. Sempre tinha um sorriso. Era cordial com todo mundo. Claro que vi a Mamãe triste. Mas ela nunca deixou que isso afetasse sua disposição. Ou "dispossição", como ela dizia. "Tem de ter dispossição", ela dizia.

* A Mamãe me ensinou a importância de ter uma família, um núcleo. Mesmo tendo perdido o pai muito cedo, e vendo seu núcleo se desestruturar, a Mamãe perseguiu a família como um ideal. E encontrou no Papai a base, e a cumplicidade, para construir seu próprio núcleo. Nós. Mesmo não tendo quase família por perto - meus pais não são de São Paulo -, o nosso núcleo sempre se bastou. E foi a base de tudo. Tudo.

* A Mamãe me ensinou a importância de ter amigos. Até hoje, quando encontro as amigas dela, é um encontro feliz. Mesmo que a ausência dela paire sobre nós. Quando o encontro termina, eu sinto que é como se ela tivesse estado ali, entre nós. Como se ela tivesse feito parte da conversa. A Mamãe fazia amigos em todos os lugares. Mesmo nos mais improváveis. Não tratava ninguém mal. Era muito querida. Não era preconceituosa. Tratava todo mundo igual. A Mamãe era "amigueira", como ela mesma dizia.

* A Mamãe me ensinou a importância de estudar, de ter uma formação. Uma das grandes frustrações da vida dela foi não ter "estudado", no sentido de não ter tido uma formação, de não ter concluído o ensino superior. Frustração que ela compensou conosco. Ela vibrava conosco a cada conquista da nossa vida escolar - como se fosse dela. E era dela. Dela e do Papai, que estudou, e que nos passou a importância do estudo como alguém que estudou. "O saber não ocupa lugar", dizia a Mamãe. E, além da escola, ela nos acompanhou em cada curso, em cada atividade - às vezes até se matriculando junto. Além de me ensinar a estudar, a Mamãe me ensinou a importância da curiosidade intelectual, que ela não perdeu nunca.

* A Mamãe me ensinou a importância de cuidar da saúde. A Mamãe estava sempre preocupada com a alimentação. Era um assunto inesgotável para ela. Estava sempre lendo e pesquisando. Queria saber, queria se manter informada. E a Mamãe sempre cuidou do corpo como cuidou da alma. Era esportista. Ou "desportista", como ela dizia. Mesmo o Papai não sendo muito fã dos esportes, ela nos matriculou em tudo. Até no futebol, ela nos matriculou. Mesmo a gente não tendo engrenado, ela insistiu - e acabamos engrenando na natação. A Mamãe não sabia nadar e foi aprender conosco. Lembro do Papai admirado de vê-la nadando. E a Mamãe se consultava periodicamente. Fazia seus "controles". Não era um fardo para ela... Era apenas parte da sua rotina.

* A Mamãe me ensinou a importância de ter uma segunda língua. E uma segunda cultura. Antes das atuais discussões sobre "bilinguismo", a Mamãe nos fez bilíngues. E ela foi uma embaixadora da sua cultura, mesmo tendo se adaptado tão bem ao Brasil, e nunca ter reclamado, ou se sentido "dividida". Ela nunca perdeu o contato, nunca deixou para trás, e nos transmitiu sua bagagem de uma maneira sutil e delicada, sem ser xiita, nem fanática. Usou as diferenças para fazer delas algo interessante, e não para se fazer de vítima, como muitos "diferentes" fazem hoje em dia. A Mamãe me ensinou que a cultura é algo orgânico. Que a gente transpira. Não é uma pregação, nem um estandarte.

* A Mamãe me ensinou a ter vida espiritual. Como ela nos ensinou a cuidar da mente, e do corpo, a Mamãe nos ensinou a cuidar do espírito. Ela quis que nós tivéssemos formação religiosa. Independente de praticar ou não, hoje eu acho importante. Nem que seja como cultura geral. Mais alinhado com o meu pai, eu sempre fui cético, e tive vários embates com a minha mãe, sobre o assunto. Mas hoje dou razão a ela. Quando a Catarina veio, e quando a própria Mamãe se foi, eu fui convencido - pela experiência - de que existe, sim, "algo mais". De que não somos apenas matéria. De que a ciência não explica tudo. E de que devemos ser humildes e respeitar o mistério. Não vou voltar a frequentar a igreja (porque continuo não tendo paciência), mas voltei a rezar - até como um jeito de conversar com a minha mãe, e de agradecer, pelas bênçãos.

* A Mamãe me ensinou a celebrar a vida em todos os momentos. A comemorar todas as vitórias, as pequenas e as grandes, como dizem agora. "O Papai falou que vocês podem escolher um presente, porque vocês foram bem na escola", ela dizia a cada final de ano ou semestre. Os nossos aniversários então... eram inescapáveis. A Mamãe às vezes não se animava de comemorar o dela, mas sempre, sempre, queria comemorar o nosso. E o bolo, e os parabéns, eram, igualmente, inescapáveis. Fazer o bolo que a gente gostava, era uma questão de honra para ela. E não adiantava dizer que não queria cantar parabéns naquele ano: quando a gente menos esperava, lá vinha ela com o bolo, as velinhas acesas, puxando o coro, às vezes com a minha avó a tiracolo. A Mamãe me ensinou que sempre temos coisas a comemorar. Sempre.

* A Mamãe me ensinou que a vida continua. A Mamãe era capricorniana e eu nunca vi a Mamãe se abater com nada. Nem quando a Abuelita se foi. Ela logo transformou a dor da morte - o luto e a ausência - em novos rituais, inserindo-os na sua rotina, e encontrando conforto. Um deles era visitar minha avó no cemitério, que ela chamava de "cementério". "Vou lá ver a Abuelita", ela dizia. E ia. E voltava. E continuava sua vida. A Mamãe nunca perdeu a fé. Renovava a crença nos seus valores todos os dias. E sua crença em nós. A Mamãe nunca duvidou de cada um de nós. E estava sempre levantando o nosso moral. Sempre. Incansavelmente. E dava feedback para tudo o que a gente fazia. Se a gente achava que ninguém tinha visto, ou reparado, ela tinha. E ela falava. E elogiava. Tento aprender com a infinita generosidade da Mamãe. E com a sua grandeza de alma. Algumas pessoas nunca param de nos ensinar. Nunca.

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Julio Daio Borges
São Paulo, 10/5/2015

 
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