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Terça-feira, 16/2/2016
Inimigos da política
Celso A. Uequed Pitol

Se tomarmos o período entre 1945 e 1989 – isto é, os anos seguintes ao fim da Segunda Guerra – será difícil encontrar outro país que tenha produzido tantos pensadores influentes como a França. Uma mera passagem de olhos pelos nomes que apareceram nesta época o demonstra claramente: Sartre, Camus, Merleau-Ponty, Foucault, Althusser. Foi uma verdadeira produção em série.

Ao debruçar-se sobre estes nomes, o filósofo holandês Luuk van Middelaar descobriu, no meio de muitas divergências, um ponto comum a todos eles: uma negação – ou melhor: uma tentativa de negação – da política de bases democráticas. Curiosamente, aquilo que lhes permitia escrever e pensar num mundo então dominado por várias formas de ditaduras.

Esta constatação é o ponto de partida para a reflexão que o autor propõe em “Politicídio”, sua obra de estreia, agora publicada em português pela É Realizações.

De onde veio esta atitude? Middelaar lança uma hipótese: da figura magnetizadora de Alexandre Kojéve, filósofo russo residente em Paris, cuja série de palestas sobre Hegel, realizadas entre 1933 e 1939, atraiu nomes como Maurice Merleau-Ponty, Jacques Lacan, Raymond Aron, Eric Weil e André Breton, dentre muitos outros. Admirador de Josef Stalin e crítico das formas de se fazer política no Ocidente, Kojéve propunha uma leitura de Hegel à luz de Marx, Heidegger e Nietzsche, em particular da noção de “fim da história”.

Para Middelaar, a influência de Kojéve fez-se sentir por meio século: do existencialismo sartreano ao marxismo particularíssimo de Louis Althusser, passando por Foucault, Henri-Levy e tantos outros, todos levaram consigo as lições do filósofo russo. E em todos eles sobressaía o desdém pela política democrática e pela própria política. Foi uma geração, segundo Middelaar, que não sabia responder à pergunta decisiva: “o que o senhor faria no lugar do ministro”?

Middelaar é um notável expositor de ideias e um escritor de talento, e “Politicídio” é um livro hábil em reproduzir uma época e um estado de espírito. A avaliação de Middelaar é dura e deve-se admirar a sua coragem em enfrentar os titãs do pensamento francês com tanta propriedade, muitos dos quais são até hoje lidos com entusiasmo e fazem parte de toda ementa de disciplina universitária. E, ao enfrentá-los neste ponto em que falharam, Middelaar faz também uma defesa autorizada e convincente da democracia liberal, que eles tanto desprezavam – apesar de dela se servirem.

Celso A. Uequed Pitol
Canoas, 16/2/2016

 
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