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Segunda-feira, 15/2/2016
O Medium e o retorno do conteúdo
Julio Daio Borges

"A televisão me deixou burro, muito burro ― demais. Agora vivo dentro desta jaula ― junto dos animais."
Antunes, Bellotto e Former (1985)

Eu sempre achei que a televisão emburrecia as pessoas. E eu sempre me recusei a acreditar que a internet pudesse emburecer as pessoas. Mas ela emburrece igual

O Facebook nos emburrece a todos. Mas não só ele. Essa história de entregar só o que é do seu interesse... enjoa. Como comer um pote de Nutella sozinho toda manhã. Ou jantar pizza toda noite. Ou ― pense em qualquer coisa da qual você goste muito e que possa consumir diariamente (até perder o gosto) ―...

O Facebook, por exemplo, detecta as pessoas que "curtimos" mais ― até o ponto em que não aguentamos mais elas: acompanhamos tudo o que elas fazem, até coisas extremamente pessoais ― que não nos interessam at all... E que a pessoa *pensa* estar compatilhando só com os "muito íntimos" ― mas está compartilhando conosco

De perto, ninguém é normal. E de perto... ninguém é tão interessante. Se encontramos "uma meia-dúzia de três ou quatro" ― ao longo da vida ― já é muito. Só que o Facebook acha que "encontrou" para nós ― e fica nos bombardeando com os mínimos detalhes dessas pessoas...

O Facebook é só a ponta do iceberg. Por vício, por comodismo ou porque a internet nos entrega de bandeja, só consumimos o conteúdo que nos apetece mais ― até enjoar. E nos vemos enjoando das coisas de que mais gostamos. E nos sentimos entediados, insatisfeitos e sem esperança

Eu ainda sou de uma geração que, quando abria um jornal (ou uma revista), de repente lia a página ao lado ― e descobria um assunto que poderia ser interessante, também. Ou acompanhava um colunista, e lia tudo dele ― porque confiava no "corte" que ele fazia do noticiário

Por costume ou dever de ofício, presto atenção no que faz mais "sucesso" nas redes ― e tenho achado os textos, ou "posts", cada vez mais comezinhos. Para soarem "universais", as experiências são cada vez mais banalizadas. E apenas para não deixar de citar o cancioneiro popular: "Narciso acha feio o que não é espelho"

A preguiça intelectual grassa. Se não for em 1 (um) clique, se não for "em vídeo" e se for demorar muito, eu não quero mais. Não me interessa. Tchau! #Fui

Você deve achar estranho, *eu* falando mal da internet "desse tanto" (como se diz lá em Minas Gerais). Eu... que sempre fui tão entusiasmado com o meio... Que achava que nenhuma "ferramenta" poderia ser, assim, tão prejudicial...

Só que eu mudei. E eu não mudei sozinho...

(Agora vou entrar numa parte "bem específica" do assunto ― e eu espero que "a nossa preguiça intelectual de cada dia" não te impeça de continuar...)

Se você conhece alguma coisa da história da internet, ou da história das plataformas, você já ouviu falar do Evan Williams, que criou o Blogger e o Twitter. Ele não criou os blogs, mas a principal plataforma. E ele não criou o Twitter sozinho, teve a ajuda de Biz Stone e Jack Dorsey

Mas agora ele criou o Medium. Não "agora". Ele criou em 2012. (Eu é que descobri agora)

O Medium, pelo que eu entendi, quer retomar a "conversação" que os blogs proporcionavam na década de 2000 ― e que acabou sendo "engolida" pelas redes sociais, até desaparecer por completo

Você abre o Facebook e pensa em publicar alguma coisa, digamos, "mais específica" ― então pensa, na sequência: "Mas quem vai querer ler isso???"

Sua tia-avó não quer saber da história da blogosfera. "Blog-o-quê?". Seus colegas do primário querem saber que você está "vivo e bem" ― mas não querem ouvir suas opiniões técnicas sobre a sua área. E seus (ex-)colegas de trabalho podem até se interessar, mas não é no Facebook que eles vão procurar...

Também não é no Twitter, que costumava ser a "segunda rede". Até porque, no Twitter, não cabe: são 140 caracteres. Passamos um link, que a pessoa abre, até vê do que se trata, às vezes se programa para ler, mas se esquece ― e nunca mais volta...

Por que, então, as ditas "conversações" não continuaram nos blogs (ou nos sites)? Porque o Facebook é a melhor plataforma de publicação ― todo mundo achou que as conversações iriam pra lá... Só que elas se perderam lá dentro ― e as pessoas foram desistindo, pouco a pouco, de publicar...

Também porque os "feeds" ― que permitiam a intercomunicação entre os blogs ― migraram todos para o Google Reader, a melhor plataforma de "leitura de feeds" jamais inventada... Só que um belo dia, o Google tirou-a do ar... E as conversações ficaram suspensas... Como se, de repente, a internet perdesse os hyperlinks e sobrassem apenas as páginas isoladas...

(Eu sei que está ficando "muito técnico" e que, daqui a pouco, você vai desistir de ler ― mas aguenta só mais um pouco que já vai acabar...)

O Facebook acabou com o nosso sonho de uma plataforma "de todos"... "para todos". No limite, *nada* interessa a "todo mundo" *o tempo todo*. E, para não brigar, vamos nos calando ― aos poucos...

Assim como o WhatsApp ― e as "vozes" que enviamos ― estão (re)inventando o telefone, o Medium quer retomar a noção perdida de "veículo":

Não entrega só o que a gente quer consumir, mas entrega um "corte" ― no qual devemos confiar

E a noção perdida de "autor":

Palavra cuja raiz é a mesma de "autoridade" ― alguém em quem confiamos: para nos guiar ― nesta selva oscura, do inferno ao paraíso...

Evan Williams vai conseguir essa façanha? Não sei; mas acho que quem se interessa por conteúdo tem a obrigação de se cadastrar ;-)

Para ir além
Medium

Julio Daio Borges
São Paulo, 15/2/2016

 
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